Terça-Feira, 23 de Abril de 2024
Meio Ambiente
15/05/2014 11:02:04
O Brasil está com ódio de si mesmo
O Brasil está irreconhecível. Nunca pensei que a incompetência casada com o delírio ideológico promoveria este caos.

Arnaldo Jabor

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Foto: Divulgação
O Brasil\n está irreconhecível. Nunca pensei que a incompetência casada com o delírio\n ideológico promoveria este caos. Há uma mutação histórica em andamento.Não é\n uma fase transitória; nos últimos 12 anos, os donos do poder estão a criar um\n sinistro “espírito do tempo” que talvez seja irreversível. A velha “esquerda”\n sempre foi um sarapatel de populismo, getulismo tardio, leninismo de galinheiro\n e agora um desenvolvimentismo fora de época. A velha “direita”, o atraso feudal\n de nossos patrimonialistas, sempre loteou o Estado pelos interesses\n oligárquicos.\n \n A chegada\n do PT ao governo reuniu em frente única os dois desvios : a aliança das\n oligarquias com o patrimonialismo do Estado petista. Foi o pior cenário para o\n retrocesso a que assistimos. \n \n Antes\n dessa terrível dualidade secular, a mudança de agenda do governo FHC por sorte\n criou um pensamento mais “presentista”, começando com o fim da inflação, com a\n ideia de que a administração pública é mais importante que utopias, de que as\n reformas do Estado eram fundamentais. Medidas simples, óbvias, indutivas,\n tentaram nos tirar da eterna “anestesia sem cirurgia.” Foi o Plano Real que\n tirou 28 milhões de pessoas da pobreza, e não este refrão mentiroso que os\n petistas repetem sobre o Bolsa Família ou sobre o PAC imaginário.\n \n Foi um\n período renegado pelo PT como “neoliberal” ou besteiras assim, mas deixou, para\n nossa sorte, algumas migalhas progressistas.\n \n Tudo foi\n ignorado e substituído pelo pensamento voluntarista de que “sujeitos da\n história” fariam uma remodelagem da realidade, de modo a fazê-la caber em suas\n premissas ideológicas. Aí começou o desastre que me lembra a metáfora de Oswald\n de Andrade, de que “as locomotivas estavam prontas para partir, mas alguém\n torceu uma alavanca e elas partiram na direção oposta”.\n \n Isso\n causa não apenas o caos administrativo com a infraestrutura morta como também\n está provocando uma mutação na psicologia e no comportamento das pessoas. O Brasil\n está sendo desfigurado dentro de nossas cabeças, o imaginário nacional está se\n deformando.\n \n Há uma\n grande neurose no ar. E isso nos alarma como a profecia de Lévi-Strauss de “que\n chegaríamos à barbárie sem conhecer a civilização.” Cenas como os 30 cadáveres\n ao sol no pátio do necrotério de Natal, onde os corpos são cortados com\n peixeiras, fazem nossa pele mais dura e o coração mais frio. Defeitos e doçuras\n do povo, que eram nossa marca, estão dando lugar a sentimentos inesperados,\n dores nunca antes sentidas. Quais são os sintomas mais visíveis desse trauma\n histórico?\n \n Por\n exemplo, o conceito de solidariedade natural, quase “instintiva”, está\n acabando. Já há uma grande violência do povo contra si mesmo. \n \n Garotos\n decapitam outros numa prisão, ônibus são queimados por nada, com os passageiros\n dentro, meninas em fogo, presos massacrados, crianças assassinadas por pais e\n mães, uma revolta sem rumo, um rancor geral contra tudo. O Brasil está com ódio\n de si mesmo. Cria-se um desespero de autodestruição, e o país começa a se\n atacar. \n \n Outro\n nítido efeito na cabeça das pessoas é o fatalismo: “É assim mesmo, não tem\n jeito, não.” O fatalismo é a aceitação da desgraça. E vêm a desesperança e a\n tristeza. O Brasil está triste e envergonhado.\n \n Outro\n sintoma claro é que as instituições democráticas estão sem força,\n desmoralizando-se, já que o próprio governo as desrespeita. Essa fragilização\n da democracia traz de volta um desejo de autoritarismo na base do “tem de botar\n para quebrar!”. Já vi muito chofer de táxi com saudades da ditadura.\n \n A\n influência do petismo também recriou a cultura do maniqueísmo: o mal está\n sempre no outro. Alguém é culpado disso tudo, ou seja, a “média conservadora” e\n a oposição.\n \n A\n ausência de uma política contra a violência e a ligação de muitos políticos com\n o tráfico estimula a organização do crime, que comanda as cadeias e já\n demonstra uma busca explícita do horror. A crueldade é uma nova arte\n incorporada em nossas cabeças, por tudo o que vemos no dia a dia dos jornais e\n TV. Ninguém mata mais sem tortura. O horror está ficando aceitável, potável.\n \n O\n desgoverno, os crimes sem solução, a corrupção escancarada deixam de ser\n desvios da norma e vão criando uma nova cultura: a cultura da marginalidade, a\n “normalização” do crime.\n \n Uma\n grande surpresa foi a condenação da Copa. Logo por nós, brasileiros boleiros.\n Recusaram o “pão e circo” que Dilma/Lula bolaram, gastando mais de R$ 30\n bilhões em estádios para “impressionar os imperialistas” e bajular as massas.\n Pelo menos isso foi um aumento da consciência política.\n \n Artistas\n e intelectuais não sabem o que pensar — como refletir sem uma ponta de\n esperança? Temos aí a “contemporaneidade” pessimista.\n \n Cria-se\n uma indiferença progressiva e vontade de fuga. Nunca vi tanta gente falando em\n deixar o país e ir morar fora. As mutações mentais são visíveis: nos rostos\n tristes nos ônibus abarrotados, na rápida cachaça às 6h da manhã dos operários\n antes de enfrentar mais um dia de inferno, nos feios, nos obesos, no desânimo\n das pessoas nas ruas, no pessimismo como único assunto em mesas de bar.\n \n Vimos em\n junho passado manifestações bacanas, mas sem rumo; contra o quê? Um mal-estar\n generalizado e sem clareza, logo escrachado pelos black blocs, a prova estúpida\n de nosso infantilismo político.\n \n É difícil\n botar a pasta de dente para dentro do tubo. Há uma retroalimentação da\n esculhambação generalizada que vai destruindo as formas de combatê-la.\n Tecnicamente não estamos equipados para resolver as deformações que se acumulam\n como enchentes, como um rio sem foz.\n \n E o pior\n é que, por trás da cultura do crime e da corrupção, consolida-se a cultura da\n mentira, do bolivarianismo, da preguiça incompetente e da irresponsabilidade\n pública. \n \n O Brasil\n está sofrendo uma mutação gravíssima, e nossas cabeças também. É preciso tirar\n do poder esses caras que se julgam os “sujeitos da história”. Até que são\n mesmo, só que de uma história suja e calamitosa. \n \n nbsp;\n \n \n
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