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Brasil
26/06/2019 06:31:00
31 delatores dão calote de R$ 120 milhões à Justiça
Entre os delatores que fizeram acordos com a Justiça, 31 estão atualmente "inadimplentes"

EC/PCS

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Dos 217 colaboradores que tiveram acordos de colaboração premiada homologados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), 31 estão atualmente "inadimplentes" com a Justiça. O "calote" dos delatores chega a R$ 120,8 milhões, conforme dados obtidos pelo jornal O Estado de S. Paulo por meio do Sistema de Monitoramento de Colaborações (Simco) do Ministério Público Federal.

Ao STF, Delcídio pediu mais prazo para que pudesse encontrar uma forma de liquidar a dívida. (Foto: ABr)

A ferramenta digital, de acesso restrito a membros do Ministério Público, foi criada em abril pela gestão da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, para acompanhar o cumprimento dos acordos fechados na Operação Lava Jato e em outras investigações, como Ararath, Ápia e Dama de Espadas.

O atraso nos pagamentos das multas pode levar à abertura de procedimentos administrativos e, eventualmente, até mesmo à rescisão de acordos, o que faria os delatores perderem os benefícios acertados após concordarem em repassar informações ao Ministério Público e colaborarem com a Justiça.

Em abril, a Procuradoria-Geral da República cobrou que o ex-senador Delcídio Amaral pagasse uma parcela atrasada de R$ 85 mil da multa fixada em sua delação premiada. O total imposto ao ex-parlamentar foi de R$ 1,5 milhão, a ser quitado entre 2017 e 2025.

Ao STF, Delcídio pediu mais prazo para que pudesse encontrar uma forma de liquidar a dívida. Ele informou, em maio, que contava com a venda de imóveis, mas que enfrentava "grandes dificuldades" no negócio por causa de um arrolamento de bens, da crise econômica e do fato de ter seu nome associado à Lava Jato. Procurada, a defesa afirmou que Delcídio tem "sérios problemas financeiros nesse momento, mas está fazendo todos os esforços para pagar a multa".

A Procuradoria não informa a relação de nomes dos delatores "caloteiros", sob a alegação de que a informação está sob sigilo. No caso de Delcídio, a informação é pública e está no processo. Sua multa, porém, é pequena diante do valor imposto a outros delatores. O empresário Marcelo Odebrecht, por exemplo, teve de pagar R$ 73 milhões à Justiça em seu acordo. No seu caso, a dívida foi quitada à vista.

O Simco é considerado o principal legado na área das colaborações premiadas da gestão de Raquel Dodge, que já se colocou à disposição do presidente Jair Bolsonaro para ser reconduzida ao comando do Ministério Público por mais dois anos.

O sistema possibilita, por exemplo, a fiscalização das cláusulas dos acordos por delator e um monitoramento do pagamento dos valores devidos pelo colaborador. O Estado foi o primeiro veículo de imprensa a conferir in loco o funcionamento da plataforma.

Críticas

Raquel Dodge tem sido alvo de críticas por ter desacelerado o ritmo de acordos acertados entre delatores e o MPF. Sua equipe, no entanto, avalia que o "boom das delações" já passou e não está preocupada com os números, mas, sim, com a qualidade e a efetivação do que já foi negociado com os delatores. Desde 2018, apenas um acordo da Lava Jato fechado pela equipe de Raquel foi homologado pelo Supremo - o do lobista Jorge Luz, que implica o senador Renan Calheiros (MDB-AL).

"Antes de deferir ao colaborador o benefício previsto no acordo de colaboração, é fundamental cruzar com eficiência as informações fornecidas por ele, para desvendar quem praticou cada crime e quanto em dinheiro foi desviado. É imperativo cobrar dele a devolução dos valores desviados, seja os que estão no Brasil, seja os que se encontram no exterior", afirmou à reportagem a procuradora-geral da República.

Prisão

Dos 217 colaboradores, só 22 (ou 10,13%) estavam presos quando fecharam o acordo com o Ministério Público, segundo o Simco. Para a Procuradoria, isso esvazia o discurso de que prisões foram usadas para pressionar acusados a firmarem acordos - o ministro Gilmar Mendes, do Supremo, é um dos principais críticos à forma como o instrumento é usado. Não há dados, porém, sobre quantos delatores chegaram a ser detidos antes de fechar o acordo de colaboração.

Dados da plataforma digital apontam que, no âmbito dos acordos fechados, foram pagos em multas R$ 737,2 milhões. Também já foram devolvidos à Justiça um total R$ 385,6 milhões em perdimento de bens, como confisco de veículos e imóveis, o que totaliza R$ 1,12 bilhão recuperados. A conta não inclui os valores que dizem respeito a acordos de leniência firmados por empresas ou a delações homologadas em primeira instância - o recorte é só no que foi validado pelo Supremo.

Até agora, R$ 437,6 milhões já foram efetivamente restituídos aos lesados, como a Petrobras e a União - o restante do valor está depositado em contas judiciais na Caixa, à espera de decisões da Justiça sobre a destinação dos recursos.

Lesada pelo esquema de corrupção desmantelado pela Lava Jato, a Petrobras recebeu R$ 193,8 milhões, seguida pela União, que viu entrar em seu caixa R$ 157,9 milhões. Em terceiro lugar entre os que mais receberam está a Transpetro, subsidiária da estatal petrolífera, que recebeu R$ 79,9 milhões.

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