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Brasil
19/11/2017 08:51:00
Após 2 anos em queda, número de apreensões de armas de brinquedo cresce em SP

Luma Danielle Centurion

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Uma em cada quatro armas apreendidas pela Polícia Militar no estado de São Paulo é falsa. O dado, referente a 2016, foi levantado pelo Instituto Sou da Paz via Lei de Acesso à Informação e obtido com exclusividade pelo G1. Após dois anos de queda, São Paulo registra um aumento no número de armas de brinquedo apreendidas. Foram 3.574 no ano passado – o que representa mais de 24% do total (14.758). No mesmo período, 11.184 armas de fogo foram recolhidas pela PM.

Entre os simulacros apreendidos estão airsofts, réplicas quase perfeitas das armas de fogo verdadeiras. O esporte virou febre em São Paulo. No jogo de estratégia, é usado um armamento de pressão no qual se tenta acertar o adversário com bolinhas de plástico não letais. O problema, segundo a ONG, é que essas armas, que precisam ter uma ponta laranja para se diferenciar das reais, têm sido adaptadas e desviadas para o crime.

“Apesar de ela ter um uso diferente e várias das pessoas fazerem um uso esportivo e de lazer, o que é perfeitamente legítimo, não dá para você ignorar o volume dessas armas [de airsoft] que estão sendo utilizadas no crime”, diz Bruno Langeani, coordenador do Sou da Paz.

Outros levantamentos já feitos pela ONG na capital mostram que há um percentual muito alto de crimes cometidos com as armas falsas. “Quase 40% dos roubos estão sendo praticados com essa arma de pressão ou uma arma de brinquedo. Então ela é usada para atemorizar alguém”, afirma Langeani.

Um fator que influencia diretamente no uso de armas de brinquedo no crime é a punição que alguém pode receber se for pego pela polícia com elas. “No caso do simulacro, se alguém é pego com ele na rua, vai ser feito um auto de apreensão e a pessoa é liberada”, diz Langeani. “No caso do roubo com arma, entra como roubo qualificado. E aí a pena pode chegar a 15 anos de prisão.”

Crimes

Segundo a ONG, em dezembro do ano passado, por exemplo, um homem foi morto por policiais ao tentar sacar uma arma de brinquedo em Lençóis Paulista, interior do estado.

Também podem ocorrer tragédias envolvendo o uso de armas falsas. Num dos casos mais recentes, um adolescente de 15 anos foi baleado e ferido pela polícia em Potim, interior paulista, ao brincar com um airsoft na rua em julho deste ano.

Em outubro, um estudante de 14 anos feriu outro de 13 com um tiro de pistola usada em jogos de airsoft numa escola estadual em Araraquara, interior paulista.

Airsoft

Diante da polêmica envolvendo o airsoft, o G1 também visitou uma arena onde se pratica o esporte e conversou com adeptos que defendem a sua venda, alegando que o crime não está na arma de brinquedo, mas em quem a usa para fins criminosos em vez de esportivos.

“Acho que não [é perigoso]. Porque os caras já vêm com a mentalidade de brincar e de diversão. Não é algo terrorista ou algo mais maldoso”, afirma Lavínia Correia, assistente de recursos humanos, num estande de airsoft em São Bernardo do Campo, no ABC paulista.

A airsoft lembra um jogo de paintball, mas não dispara bolas de tinta para atingir o adversário. Os adeptos simulam operações policiais, militares ou simplesmente com um armamento que se assemelha ao real, inclusive nas medidas, peso e modelos.

As armas são reguladas e fiscalizadas pelo Exército, que informa à reportagem ter apreendido 1.826 armamentos de airsoft irregulares neste ano apenas no estado de SP. A maior parte das apreensões (1.075) se deu nos últimos dias, durante uma operação batizada de Alta Presão V, que terminou nesta terça-feira (14). Quase 60 militares participaram da ação, que teve como objetivo intensificar as atividades de fiscalização de produtos controlados pelo Exército.

Ponta laranja

De acordo com os militares, as armas de pressão têm obrigatoriamente de ter uma ponta laranja no cano para diferenciá-la da verdadeira.

Mas há vídeos que ensinam a retirar a cor ou pintá-la para se assemelhar a uma arma de fogo real. “Por exemplo, para o crime de sequestro, crime de estupro, são todos crimes que usam da ameaça. Não precisam ter um disparo. E para esses crimes, o simulacro funciona tão bem quanto arma de fogo”, conta Langeani.

O Sou da Paz atribui parte do aumento no número de armas de brinquedo apreendidas ao que chama de flexibilização do Exército em permitir a aquisição de airsofts sem a necessidade de um exame ou cadastramento do armamento.

“Essa facilitação do Exército, que aconteceu por volta de 2010, 2011, ela tanto facilitou a compra, que desburocratizou essa compra, como deixa essa fiscalização da polícia mais difícil porque mesmo alguém que está usando o airsoft para o crime se ele tiver com uma nota fiscal junto com ele, tecnicamente a polícia não pode fazer nada”, comenta o coordenador da ONG.

“Ele está seguindo o regulamento do Exército. Então o Exército fez essa flexibilização ao nosso ver equivocada porque você tem no estatuto essa proibição de réplica, arma de brinquedo, essas armas que se assemelham.”

Mais que o número de apreensões de 2016 em si, o que chama a atenção é o percentual de simulacros em relação ao total de armas apreendidas. Trata-se do segundo maior percentual desde 2000, segundo os dados coletados pela ONG.

“A gente consegue ver uma queda expressiva nas apreensões de arma de fogo no estado inteiro. Isso é fruto do impacto do Estatuto do Desarmamento, tendo colocado restrições para a compra de armas e interferido no mercado legal. Ele também impactou no número de armas que vão para o crime”, diz o coordenador do Sou da Paz.

A queda de apreensões de armas de fogo se acentuou em 2003, ano que entrou em vigor o Estatuto do Desarmamento, que passou a restringir a venda delas e aplicar penas mais pesadas para quem for pego com um revólver sem autorização, por exemplo. A ONG também considera a ação policial para apreender armas de fogo como reflexo de armas de fogo em circulação.

“Concomitantemente a gente observa que à medida que foi diminuindo a disponibilidade das armas de fogo ilegais no mercado, isso vai sendo substituído pelo simulacro. Então, simulacro que era menos de 10% em 2003, ele ultrapassa 10% e já chega quase a 15%, 16% nos últimos anos”, aponta Langeani. Em 2016, o índice chega a 24%.

O Exército foi procurado pelo G1 para comentar as declarações do coordenador do Sou da Paz de que os militares flexibilizaram a venda do airsoft. Por meio de nota, o órgão respondeu que "é incumbido do poder de polícia administrativa, motivo pelo qual é competente para a fiscalização tão somente do comércio legal de armas".

Ainda, segundo o Exército, "o comércio ilegal e o uso ilícito de armas são atividades criminosas de competências dos Órgãos de Segurança Pública, responsáveis pela investigação e combate àquelas modalidades ilegais", e que "a utilização ilegal de armas de pressão e de simulacros para o cometimento de ilícitos constitui-se em atividade criminosa de competências dos Órgãos de Segurança Pública, responsáveis pela investigação e combate a esse tipo de ilicitude."

Questionada, a Secretaria da Segurança Pública, responsável pela PM, informa que “não compete às polícias Civil e Militar a responsabilidade por fiscalizar a venda e fabricação das armas mencionadas.” A pasta, porém, não respondeu às perguntas da reportagem sobre o número de apreensões de simulacros.

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