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Brasil
19/10/2017 18:54:00
Operações de combate ao trabalho escravo despencam no governo Teme

Folha/PCS

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As operações de fiscalização de trabalho escravo realizadas pelo Ministério do Trabalho vêm caindo desde 2013, e despencaram com os cortes da União em 2017.

Em 2017, foram 49 operações, ante 115 em 2016. O número de trabalhadores resgatados foi de 885, no ano passado, para 73 neste ano até setembro.

Em março de 2017, o contingenciamento de gastos da União afetou os recursos destinados à Secretaria de Inspeção do Trabalho, do ministério, que perdeu 70% do orçamento que vinha do Tesouro Nacional —R$ 22 milhões de um total de R$ 31 milhões.

A categoria dos auditores fiscais do trabalho vem se queixando da falta de estrutura. O último concurso foi realizado em 2013. Dos 3.644 postos, estão vagos 1.255, ou seja, 34,4% da mão de obra.

Em julho, as fiscalizações ficaram paralisadas por falta de caixa —restavam apenas R$ 6 mil para usar até o fim de 2017. "O recado que estão dando é que estão de mãos dadas com os escravagistas", afirma o presidente do Sinait (Sindicato Nacional de Auditores Fiscais do Trabalho), Carlos Silva.

No fim de setembro, o governo liberou R$ 5 milhões para toda a secretaria, mas não discriminou quanto vai para combate a trabalho escravo. O órgão fiscaliza também trabalho infantil, condições de saúde e recolhimento de tributos.

"O número de resgatados não caiu porque tem menos trabalho escravo, e sim porque a secretaria ficou sem dinheiro para fiscalizar por boa parte do ano", afirma Matheus Magalhães, pesquisador do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos).

A "lista suja", que mostra a relação de empresas acusadas de trabalho escravo, ficou sigilosa por dois anos até o TST (Tribunal Superior do Trabalho) ordenar sua divulgação em março de 2017.

"A redução de recursos é uma retaliação contra a Secretaria de Inspeção do Trabalho pela divulgação da 'lista suja'. A fiscalização vem caindo de 2010 para cá, mas nos últimos meses as represálias aos fiscais se tornaram mais agudas e mais concentradas", diz Magalhães.

Em 10 de outubro, o chefe da Divisão de Fiscalização para a Erradicação do Trabalho Escravo, André Roston, foi exonerado. Ele havia se queixado da precariedade da verba da secretaria em uma audiência pública no Senado, em agosto, e, como antecipou o "Painel", deixou pronta uma atualização da "lista suja" com 132 empresas acusadas de usar trabalho escravo.

PORTARIA

Foi nesse contexto que, na segunda-feira (16), foi anunciada uma portaria proibindo a divulgação da "lista suja" sem autorização expressa do ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira (PTB). Antes, a divulgação cabia à área técnica da pasta, que era chefiada por Roston.

A norma prevê que a lista seja divulgada no site do Ministério do Trabalho duas vezes por ano, "no último dia útil dos meses de junho e novembro". Uma portaria de 2016, porém, permitia que a atualização da lista ocorresse "a qualquer tempo", desde que não ultrapassasse periodicidade superior a seis meses.

Na quarta-feira (18), os auditores responsáveis pela fiscalização desse tipo de crime no Ministério do Trabalho paralisaram as atividades em 21 Estados, em protesto contra a restrição orçamentária e a portaria.

As novas regras também alteram o modelo de trabalho dos auditores fiscais e elencam uma série de documentos necessários para que o processo possa ser aceito após a fiscalização.

Entre as medidas, está a necessidade de que o auditor fiscal seja acompanhado, na fiscalização, por uma autoridade policial, que deve registrar boletim de ocorrência sobre o caso. Sem esse documento, o processo não será recebido e, com isso, o empregador não será punido.

Também é necessária a apresentação de um relatório assinado pelo grupo de fiscalização e que contenha, "obrigatoriamente", fotos da ação e identificação dos envolvidos.

A portaria também tornou mais restrito o conceito de trabalho escravo, exigindo que haja "restrição à liberdade de locomoção da vítima".

O Ministério Público do Trabalho e o Ministério Público Federal consideram esse requisito ilegal, já que, desde 2000, a lei brasileira diz que bastam condições degradantes e análogas à escravidão para caracterizar o crime.

A medida, que atende aos interesses da bancada ruralista, ocorreu em meio à análise da nova denúncia na Câmara dos Deputados contra o presidente Michel Temer, rejeitada pela Comissão de Constituição e Justiça nesta quarta-feira (18).

Em 2013, quando foi votada a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) do Trabalho Escravo, o senador Romero Jucá (PMDB) tentou incluir a mesma mudança no conceito de trabalho escravo, sem sucesso.

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