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Brasil
26/05/2018 11:53:00
Tamanho é Documento?
A estrutura dos gastos públicos é tão ou mais importante do que o tamanho dos gastos públicos, a depender do país

Monica de Bolle

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Na cacofonia da pré-campanha eleitoral, com tantas entrevistas de presidenciáveis, nanicos ou não, é fácil se perder nos argumentos pré-cozidos, industrializados, repletos de conservantes e corantes. O Ministério da Saúde Mental do Eleitor adverte: esses argumentos fazem mal a seu voto.

Qualquer solução que pareça demasiado simples para problema complexo provavelmente é nada mais do que uma solução demasiado simples. Exemplo sobre o qual já escrevi neste espaço é o tamanho do Estado. Sempre foi fácil vender as virtudes do Estado fast-food: quanto menor, melhor.

A variante atual desse artifício é a ideia de que o Estado deve ser gerido como se empresa fosse. Mas o Estado não é uma empresa. O Estado não tem acionistas majoritários para definir como deve ser gerido — ou não deveria tê-los. O Estado tem incontáveis acionistas minoritários, os contribuintes, com prioridades e objetivos diversos. Os acionistas minoritários são os eleitores.

Nessa pré-campanha esquisita em que ideias velhinhas são vendidas como novidade, é cada vez mais importante procurar fatos — fatos que revelem como as coisas funcionam no século XXI. Por exemplo, é verdade empírica que governos parrudos estão associados a taxas de crescimento mais baixas. Ou seja, governos onerosos sugam recursos que poderiam ser alocados em áreas que gerassem maiores ganhos de produtividade. Por trás dessa verdade demasiado abrangente, no entanto, há nuances.

É fato empiricamente estabelecido: governos parrudos que funcionam bem — “funcionar bem” exige alguma métrica de eficiência e de priorização dos gastos — não estão necessariamente fadados a pesar sobre o crescimento. Além disso, governos parrudos, quando pouco corruptos e desincentivadores de privilégios, tendem a redistribuir renda, sustentando níveis de desigualdade mais baixos.

Fatos sugerem que altos níveis de desigualdade podem prejudicar o crescimento. Portanto, se o governo é grande, mas distribui mais, o efeito negativo do tamanho sobre o crescimento é atenuado, se não totalmente eliminado. Tamanho, portanto, não é necessariamente documento, como querem fazer crer alguns candidatos à Presidência da República.

Como sempre, o que importa são os detalhes.

A estrutura dos gastos públicos é tão ou mais importante do que o tamanho dos gastos públicos, a depender do país.

No Brasil gastamos muito em algumas coisas e mal em quase tudo. Em geral, os fatos baseados em diversos estudos mostram que: quando o investimento público é maior e bem alocado, ele age como a maré alta que eleva todas as embarcações sem aumentar a desigualdade — a ênfase está na alocação adequada; quanto maior o estoque de capital público, menores são os ganhos para o crescimento do investimento público —, ou seja, há um ponto a partir do qual o investimento público perde o impacto positivo sobre a economia; uma redução da proporção de gastos com aposentadorias e subsídios na despesa total aumenta o crescimento. E, contrariamente ao que rezam muitos observadores incautos, níveis proporcionalmente mais baixos de gastos com aposentadorias não têm efeitos perversos sobre a desigualdade de renda; e gastos concentrados em benefícios para famílias e que sustentem o ingresso e a permanência das mulheres na força de trabalho tendem a reduzir a desigualdade e a sustentar o crescimento.

A bibliografia que revela esses fatos e tantos outros sobre o tamanho do Estado, a estrutura do gasto público e a relação dessas duas variáveis com o crescimento e a redução da desigualdade é vasta. Muitas verdades tidas como absolutas — por exemplo, a ideia de que, quanto menor o gasto público, melhor, em qualquer circunstância — foram desbancadas e não mais fazem parte de um receituário macroeconômico sensato.

Dependendo do que se faz com o gasto público — escolha que pertence ao eleitor e, portanto, ao debate político —, os resultados podem ser tanto negativos quanto positivos. Não há verdades absolutas, mas revelações sobre o que pode funcionar melhor a partir das condições iniciais de cada país. Desse modo, qualquer chavão de campanha deve ser tomado com grau de extrema desconfiança até que o candidato mostre os fatos.

Dizia Millôr Fernandes, sabiamente, que as ideias, quando ficam velhinhas, vão morar no Brasil. Isso nunca foi tão verdadeiro, tanto à esquerda quanto à direita.

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