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Ciência e Saúde
24/05/2017 18:15:00
Garoto de 6 anos tem síndrome rara e pais buscam ajuda
Davi Holanda nasceu em 30 de março de 2011, em Pernambuco, e desde então foi diagnosticado com uma duplicação do cromossomo ‘5q.11.1’

Estudo Prático/PCS

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Foto: Reprodução/Instagram

Olhos achatados, sobrancelhas arqueadas e baixa estatura. Essas são algumas das características de Davi de Souza Holanda, de seis anos, criança que aos três foi diagnosticada com uma síndrome rara chamada de duplicação do cromossomo “5q.11.1”.

Segundo laudo de laboratório especializado em genética e que é interligado a bancos de dados internacionais, Davi é a única pessoa no Brasil, até então, a apresentar esta síndrome. Como consequência desse fator, tem-se a dificuldade em encontrar tratamentos que proporcionem a melhoria na qualidade de vida e saúde do garoto, assim como de outras pessoas que venham a ser diagnosticadas com o mesmo problema.

De acordo com o laudo da médica geneticista Paula Frassinetti, do laboratório paraibano Labgene, responsável pelo diagnóstico de Davi, esta duplicação afeta dois genes, mas até agora nenhum deles está associado a doenças no banco de dados Mendelian Inheritance un Man (OMIM). “No banco de dados ‘DECIPHER’ estão descritos pacientes com duplicações que superpõem, total ou parcialmente, ao segmento detectado em Davi. Adicionalmente, duplicações deste segmento 5q.11.1 não foram descritas em indivíduos da população geral”, explica o parecer elaborado e assinado pela especialista, datado de 12 de fevereiro de 2015 e que, até os dias de hoje, segundo a geneticista, permanece inalterado.

Formado em medicina pela Universidade de São Paulo (USP) e com estudo em pesquisa clínica na Escola de Medicina de Havard, nos EUA, o médico pediatra, neonatologista e especialista em desenvolvimento infantil, Guilherme de Abreu Silveira, em entrevista ao Estudo Prático, avalia que a duplicação de cromossomo que afeta Davi é extremamente rara. “Casos assim são muito difíceis de encontrar um par, pois ocorrências raras como essa muitas vezes sequer são descritas. O melhor caminho é fazer uma investigação detalhada pensando em erros cromossômicos e dedicando atenção ao cuidado global do próprio Davi, conforme sua necessidade”, opina o médico.

Duplicação do cromossomo ‘5q.11.1’: O que é, como pode ser detectada e quais as características?

Os seres humanos são compostos por células que carregam em seus núcleos estruturas chamadas de cromossomos. Estas particularidades são formadas de DNAs que conduzem os genes responsáveis pelas definições de características físicas de cada indivíduo. Durante a gestação, as crianças têm a formação de seus cromossomos, sendo 46 a quantidade normal. No entanto, há situações em que ocorre a duplicação ou “deleção” dos cromossomos.

“Duplicações genéticas são sequências repetidas de genes ou de segmentos de DNA uma ou mais vezes. Algumas vezes ocorre em sequências muito grandes e até em braços inteiros de cromossomos. São geradas por erros no processo de divisão celular, quer para fazer novas células (que chamamos de mitose) ou para células reprodutivas (que chamados de meiose)”, explica Guilherme.

Ainda segundo o pediatra, é importante ressaltar que nem sempre as duplicações gênicas causam problemas nos seres humanos. No entanto, no caso de Davi, esta situação genética culminou na síndrome rara. No atestado sobre o paciente, a geneticista Paula Frassinetti enfatizou a raridade dessa duplicação. “O exame CGHanray mostrou que Davi apresenta uma pequena duplicação do braço longo do cromossomo 5 (5Q.11.1). Esta microduplicação tem um quadro clínico ainda pouco conhecido”.

“CGHanray” ou “array-CGH” são os nomes do exame utilizado para diagnosticar esta e outras anomalias genéticas. Para fazê-lo, é necessário utilizar o DNA genômico extraído de sangue periférico. “São consideradas na análise apenas perdas ou ganhos de segmentos cromossômicos que abranjam, no mínimo, três oligonucleotídeos consecutivos e as alterações cromossômicas”, complementa a especialista em genética.

Segundo consta no relatório da médica sobre o caso de Davi, a síndrome ainda precisa ser investigada. “Atualmente, não encontrei na literatura casos iguais (exatamente) ao de Davi, o que impede de saber prognóstico e conduta. O que se sabe é que essa duplicação de Davi não é encontrada na população em geral.”

Assim, o que se sabe sobre as características desta doença é o que pode ser percebido em Davi. Além dos aspectos já mencionados anteriormente, o paciente apresenta ainda cílios alongados, mãos enrugadas e um dos pés com uma formação diferente, tendo a distância do polegar para o indicador semelhante a da mão.

Davi ainda apresenta transtorno do espectro autista (TEA), miopia, sistema imunológico frágil e já com seis anos de idade não desenvolveu a fala. Apesar disso, o pediatra Guilherme explica que tais características podem estar relacionadas à síndrome, mas não obrigatoriamente.

“O fato é que a comunidade científica conhece muito pouco sobre o braço longo do cromossomo 5. Por isso, o seguimento pediátrico é fundamental nesses casos. Somente através de um bom seguimento será possível entender melhor o que a criança tem e cuidar do que se apresentar, enquanto são registradas essas informações que ampliarão o conhecimento da comunidade médica e que auxiliarão futuros casos semelhantes”, detalha o pediatra.

Foto: Reprodução/Instagram

Dia 30 de março de 2011, por volta das 22h30, nascia o pequeno Davi. Com pais residentes no município de Belo Jardim, no Agreste de Pernambuco, distante 185 Km da capital do Estado, o garoto teve seu nascimento no Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip), no Recife. Isso foi necessário devido o risco à vida dele, que já apresentava problemas de má formação dentro do ventre da mãe.

De acordo com os pais de Davi, Helton Karter Brito Holanda e Danielle de Souza Barbosa, até o quinto mês de gestação, a ultrassom morfológica do feto apresentou resultado normal. Mas, entre o sexto e sétimo mês de gravidez surgiram os primeiros problemas. “O líquido amniótico estava muito elevado. Davi estava com alguns problemas e não estava se desenvolvendo na barriga da mãe. Com isso, Dr. Paulo [médico que acompanhava a gestação] nos encaminhou para o Imip”, explica o educador físico e pai do menino, Helton Holanda.

A primeira ultrassom no Imip já indicava que o bebê seria especial, uma vez que não era possível visualizar parte do estômago e o canal do reto não tinha a perfuração. No sétimo mês de gestação, a criança veio ao mundo. “Davi nasceu sem choro, todo pretinho, com início de pré-eclampsia e foi diretamente para a UTI [unidade de terapia intensiva]. Só que Davi tinha umas aparências diferentes de uma criança aparentemente normal aos olhos dos médicos. Foi aí que despertou chamar uma geneticista”, conta Helton.

Durante os 48 dias que Davi passou na UTI, ele apresentou três paradas cardíacas, conjuntivite bacteriana e bronquiolite. Por ter nascido prematuro o seu pulmão não estava totalmente formado. Segundo o pai do garoto, a primeira suspeita dos médicos foi a síndrome de Edwards, descartada no quinto mês de vida do menino. Para a família este diagnóstico foi a volta para a estaca zero.“E foi aí que começou a nossa luta. Qual é a síndrome então? Se não é essa, qual é?”, indaga a mãe do menino.

“A síndrome de Edwards é causada por uma duplicação de parte ou de todo o cromossomo 18. As características físicas dessas crianças incluem uma cabeça pequena, o queixo curto e má-formações cardíacas que podem ser confundidas com várias outras condições, principalmente nos primeiros dias e semanas de vida”, descreve o pediatra.

Devido a inexistência ainda de exames específicos, o Imip recomendou a busca por respostas no laboratório Labgene. A primeira tentativa de busca foi em 2013, com o teste “array-CGH”, que poderia rastrear até 600 mil síndromes. Neste caso, nenhuma duplicação ou deleção foi encontrada. A segunda tentativa se deu em 2015, com o mesmo teste realizado desta vez de forma mais aprofundada.

“Foi quando descobriu-se que Davi tinha a duplicação do cromossomo 5 e que por não ter um nome o laboratório sinalizou como ‘5q.11.1’. A gente pensou: ‘Ôba! Beleza! Conseguimos descobrir o que Davi tem. Drª. e aí, o que é essa síndrome?’ Foi quando recebemos mais uma informação que nos deixou ainda mais tristes, pois foi aí que ficamos sabendo que não se tem nenhuma informação do que essa síndrome é, do que causa, nada de diagnóstico”, conta o pai do garoto, lamentando a inexistência de informações, diagnóstico e formas de tratamento da doença.

Desde então a família afirma que tem sido um desafio contínuo cuidar da saúde e do comportamento do Davi, mas que os familiares, médicos e até a escola têm contribuído para o desenvolvimento do garoto. “Para ele escrever, cobrir as coisas [em atividades escolares], ele não faz. Só risca aleatório, ele não tem a escrita fina. Mas ele fica concentrado por um tempo, riscando, sentado, brinca com massinha. É uma evolução”, comenta a mãe do menino ao lembrar que antes do ingresso na escola, ele apresentava agressividade e falta de concentração. Davi é aluno do nível III na escola do Serviço Social do Comércio (Sesc), em Belo Jardim.

A reportagem procurou ouvir o médico que acompanhou o nascimento de Davi no Imip. Todavia, a assessoria de comunicação e imprensa da entidade informou que os médicos do hospital não possuem autorização para dar declarações à imprensa sobre qualquer assunto relativo a pacientes da unidade. A assessoria do Imip, por outro lado, se comprometeu em enviar um comunicado médico sobre o caso de Davi, texto que até a publicação desta matéria não havia sido emitido.

Foto: Reprodução/Instagram

Desde o dia em que receberam o diagnóstico, os pais de Davi buscam melhorar a vida do garoto sempre com acompanhamento médico. Com o intuito de divulgar o caso e conseguir obter mais informações de especialistas no assunto, Helton e Danielle resolveram criar um perfil no Instagram para o garoto. O IG @ajudemodavi conseguiu 5 mil seguidores após cinco dias. “O nosso objetivo hoje é tentar através de toda essa situação melhorar a vida de Davi”, finaliza o pai.

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