Quinta-Feira, 18 de Abril de 2024
Cultura
12/09/2017 11:14:00
Filme sobre a Lava Jato tem muitos equívocos, diz policial
Presidente do Sindicato dos Policiais Federais de SP critica tratamento do filme e da imprensa aos agentes da lei

Terra/PCS

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Os atores Antônio Calloni, Flávia Alessandra, Bruce Gomlevsky e João Baldasserini: elenco global para filme com jeito de novelão. (Foto: Reprodução/@leiparatodos )

Aguardado como se fosse o ‘Tropa de Elite’ de 2017, o longa ‘Polícia Federal – A Lei é para Todos’, baseado na Operação Lava Jato, é um sucesso de público, com quase 500 mil ingressos vendidos somente nos primeiros dias de exibição.

Mas não agradou a crítica. O filme dirigido por Marcelo Antunez, com financiadores ainda mantidos sob sigilo, teria romantizado em excesso o perfil e o trabalho dos policiais retratados, além dos limites da licença poética aceitável a qualquer obra de ficção, ainda que pautada por fatos verídicos.

Parte da classe policial também reagiu negativamente. O drama heroico teria subvertido a realidade ao supervalorizar alguns profissionais em detrimento de outros.

Para entender as polêmicas do filme, o blog ouviu o agente da Polícia Federal Alexandre Santana Sally, presidente do Sindicato dos Policiais Federais de São Paulo (SINDPOLF/SP).

No filme, houve glamourização excessiva da figura dos delegados?

Sim. Com relação aos procuradores, como o filme tratou da Polícia Federal, não houve espaço para o Ministério Público, mas vale registrar que colocaram a figura dos dois procuradores como ‘subalternos’ dos delegados, o que não é a realidade, uma vez que o MP é o titular da ação penal. Em relação aos delegados, a glamourização foi evidente, uma vez que 90% do que fazem no filme são as funções, na verdade, desenvolvidas por outros cargos, como Agente e Escrivão de Polícia Federal. Exemplo: em uma cena, um delegado apresenta aos policiais o que chamamos de ‘aranha’. ‘Aranha’ é um organograma que facilita o entendimento e as ligações entre fatos, coisas e pessoas, ou seja, parte-se de um alvo e faz-se ligações originando o desenho qu e lembra uma ‘aranha’: fulano falou com beltrano, que é dono da empresa tal, que pertence a sicrano, que é parente de fulano... Essa ‘aranha’ é atividade privativa e específica do cargo de Agente de Polícia Federal do Setor de Inteligência. Delegado não faz isso, não realiza esse tipo de serviço. É o Agente de Polícia Federal que exerce essa atividade. No filme, quem surge fazendo a ‘aranha’ é um delegado, o que não condiz com a realidade.

O que mais o senhor notou de estranho no roteiro?

Um delegado dirige uma viatura ostensiva da Polícia Federal. Piada! Nenhum delegado dirige viatura da Polícia Federal em operação. Sempre quem está na direção é um agente, escrivão ou papiloscopista. Em operações policiais não há nenhuma situação de viatura com apenas um único policial e ainda sendo motorista. E isso acontece em várias partes do filme. Em uma perseguição policial, um delegado, além de estar sozinho numa viatura e dirigindo, troca tiros com um traficante que está na direção de um caminhão. Fantasioso. Em situações de risco, e em grandes operações, nenhuma viatura fica com apenas um policial. Sempre estão três ou quatro. Outro exemplo romantizado é a prisão do doleiro Alberto Youssef. Novamente um delegado corre at rás do Youssef quando percebe que ele está num corredor e o prende num táxi. E os outros policiais que estavam com ele? Normalmente quem corre atrás do bandido é o Agente. Delegado correr atrás de bandido, na prática? Risível. Essas são algumas das incongruências que percebi. Existem mais, de ordem estritamente policial e sensível, que não posso focar aqui.

Como avalia essa espetacularização do trabalho policial: melhora ou prejudica a imagem dos profissionais?

São dois aspectos. De um lado, ajuda sim a trabalhar a imagem do Órgão Polícia Federal, de uma forma positiva, angariando a simpatia e apoio da sociedade em geral, uma vez que o ser humano tem por hábito vincular imagens de filmes a situações da vida real. Assim, quando alguém olha para um Policial Federal, automaticamente vem à mente conceitos positivos, como combate à corrupção, eficiência para desvendar crimes, tecnologia de ponta para investigação, confiança no trabalho, respeito ao Policial Federal. De outro lado, infelizmente, essa espetacularização, para quem conhece o trabalho policial de investigação, especialmente para os policiais federais, gera muito equívoco, em razão de ter o delegado se tornado um ‘super policial’, usurpando funções e atribuiçõ es dos cargos de Agente e Escrivão, o que leva a sociedade, que conhece a Segurança Pública de forma superficial, a acreditar erroneamente que o delegado faz tudo na polícia, ignorando a existência dos outros policiais.

A classe policial reclama da maneira como é tratada pela imprensa, pois acha que só as falhas ganham destaque na TV. A mídia erra ao noticiar sobre a polícia?

Sim, infelizmente. Quando um policial arrisca a vida, literalmente, oferecendo a sua vida para proteger a sociedade (coisa que muitos não fariam por qualquer salário!), e, por exemplo, numa perseguição com trocas de tiros, na qual os bandidos tentam a todo custo matar o policial, e esse policial termina matando o bandido, a imprensa noticia como um ‘assassinato’ do policial contra o bandido. O bandido vira vítima e o policial, réu. A imprensa dá muito espaço para noticiar os avanços da criminalidade, sem perceber que isso se torna uma ‘propaganda’ para o mundo criminoso, à margem da sociedade, ‘valorizando’ o ato criminoso e retroalimentando a violência. Quanto ao policial, não se vê, por exemplo, nenhuma notícia do tipo ‘policial herói detém bandidos que estupraram menor de 11 anos’ ou amp;amp;lsquo ;graças ao profissionalismo do policial, bandidos são presos com grande quantidade de cocaína’.

Essa postura da imprensa suscita qual reação da polícia?

Vivemos uma inversão de valores sociais. A atuação da imprensa está, infelizmente, colocando os policiais a adotarem atitudes omissivas para evitar serem crucificados e criminalizados por suas condutas legais ao defender a sociedade. Hoje, o policial tem, por assim dizer, medo do que pode sofrer por sua atuação estritamente legal. O bandido não tem nada a perder, pois ele está na vida do ‘tudo ou nada’; e se fortalece na medida em que a sociedade marginaliza o policial e defende o bandido. A utilização dos direitos humanos no Brasil está flagrantemente exacerbada, onde não se aplica o meio termo, mas o extremo, e em desfavor do policial e da própria sociedade.

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