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Esportes
01/07/2018 11:43:00
Messi, Tite e os milagres na vida de Paulinho até a Copa do Mundo da Rússia

Globo Esporte/LD

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Racismo na Lituânia, depressão, reinício na quarta divisão, Corinthians, Tite, proposta (recusada) da Inter de Milão, Tottenham, Copa do Mundo no Brasil, China, Tite (de novo), volta à Seleção, convite de Messi, Barcelona, gêmeos prematuros, e (ufa) mais uma Copa do Mundo (agora na Rússia). Pode-se dizer que os pouco mais de 10 anos da carreira profissional de Paulinho foram bem intensos, uma verdadeira montanha-russa, relatada pelo meio-campista em texto publicado neste domingo no "The Players Tribune".

  • Messi veio andando em minha direção. Nós estávamos jogando um amistoso contra a Argentina na Austrália. O juiz tinha acabado de marcar uma falta pra gente, e eu estava parado em cima da bola junto com o William e outro jogador. Eu encostei na bola, mas eu nem ia bater a falta - explica Paulinho, ao revelar seu primeiro convite para jogar no Barcelona, e ele completa:

    "De repente, Messi vem ao meu encontro, olha direto nos meus olhos e diz: 'Então…nós vamos para o Barcelona ou não?' Foi assim. Sem explicação, nem nada. Ele virou de costas e foi embora".

Messi, aliás, é citado em outro trecho do texto, dessa vez de um episódio ocorrido há 10 anos. Naquela época, Paulinho voltava de uma experiência em que foi vítima de racismo na Lituânia e, em depressão, pensou em largar o futebol.

  • Quando tinha 19 anos de idade, eu abandonei o futebol completamente. Ao longo de um mês, eu fiquei em casa com depressão. Isso aconteceu lá pelos idos de 2008. O Messi estava prestes a conquistar tríplice coroa pelo Barcelona, e eu, no sofá, pensando no que ia fazer pelo resto da vida. Eu tinha acabado de chegar ao Brasil, depois de ter jogado na Lituânia e na Polônia, o que foi uma experiência traumática.

Na Lituânia, ele jogava em Vilnius, segundo Paulinho, uma velha cidade medieval do tipo que se vê nos filmes. Apesar de não falar a língua local e das diferenças com o Brasil, o lugar em si não era um problema. Até o dia em que, andando pela cidade com seus companheiros de equipe, um grupo de ultras foi ao encontro deles e….

"Bom, ainda fico com raiva quando tenho de falar sobre esse dia, mas eles começaram a imitar macacos e a nos ofender… Quer dizer, nós não estávamos incomodando ninguém. Nós estávamos apenas indo até a padaria". 

Depois da experiência traumática, ele voltou ao Brasil para recomeçar a carreira do zero no Pão de Açúcar, da quarta divisão paulista. Era apenas o início da trajetória que levaria Paulinho a duas Copas do Mundo como titular da seleção brasileira.

Confira abaixo outros trechos da fala de Paulinho ou leia aqui na íntegra o texto do "Players Tribune".

Corinthians e a relação com Tite

Foi uma situação muito maluca quando o meu empresário me telefonou e me disse que a Inter precisava de uma resposta em 15 minutos. Isso era pouco antes do treino começar, daí eu corri até a sala do Tite e contei a ele o que estava acontecendo, e eu disse, “Professor, eu não sei… É a Inter. É um dos maiores clubes do mundo.”

E o Tite disse, “Olha, a decisão é sua. É claro que eu gostaria que você ficasse, mas é a sua vida. Vai lá no vestiário e pensa nisso. E quando você decidir, vai pro campo. Se você for ficar, faça este gesto (o sinal do joinha); se você for sair, faça este outro gesto (polegar pra baixo). Assim eu vou saber.”

Eu liguei pro meu empresário e contei da minha decisão, e ele disse, “Você tem certeza?”

Eu respondi, “Certeza.”

Entrei no campo, e quando o Tite me viu, esperei por dois segundos só pra criar um suspense, e daí eu fiz o joinha que eu iria ficar (no Corinthians). E ele suspirou e disse, “Meu Deus, pensei que você fosse sair”.

A temporada na China

Na janela de transferências seguinte, o Tottenham recebeu uma oferta do Guangzhou Evergrande, eu pensei, “Por que não?”

Meus amigos pensaram que eu tinha ficado maluco.

Eles me escreveram, dizendo: “China? O que você vai fazer na China?”

Eu respondi, “China, cara! Vamos ver”.

Eu vivo de acordo com o que o Dani Alves uma vez me disse, quando eu estava passando por um momento difícil na minha vida. Ele falou, “Nós somos apenas moleques brincando na chuva, cara. Se der errado, e daí?! É o fim do mundo?! Não, cara. A gente encontra outro lugar pra brincar”.

Eu venho jogando futebol ao longo da minha vida inteira, ao redor do mundo todo, e uma coisa que aprendi é que a coisa mais importante é gostar do seu trabalho. Você tem de ir dormir à noite e ficar olhando pra parede, pensando, “Caramba, mal posso esperar o sol nascer pra sentir a bola nos pés de novo”.

Só dá pra jogar o melhor futebol nessas condições. Se você estiver jogando na melhor Liga do mundo e se sentir miserável, o que está fazendo ali? As pessoas disseram que a minha carreira estava acabada quando eu fui para o Guangzhou Evergrande, mas… bem, quando eu estava andando de ônibus na quarta divisão no Brasil, ninguém sabia quem eu era. Eu estava no túmulo, cara. Estava morto pro mundo.

Então eu estava indo jogar na China com o Luiz Felipe Scolari como técnico? Isso soa tão ruim assim? Pra falar a verdade, eu estava feliz com a minha decisão.

Drama na chegada ao Barcelona

Mas eu gostaria de compartilhar aqui uma coisa que muitas pessoas não sabem. Muitas pessoas veem de fora e dizem, “Uau, você foi da China pro Barcelona. Que história incrível. Que milagre”. Mas, na verdade, quando eu assinei com o Barcelona, aquele foi um dos momentos mais dramáticos da minha vida. 

Naquela época, minha esposa estava grávida de gêmeos. Era pra eles nascerem em dezembro, pouco antes do Natal. Só que um dia, no mês de outubro, minha esposa me disse que ela estava sentindo muita dor e que ela precisava que eu a levasse para o médico imediatamente. Ela sempre se recusou a ir ao hospital por qualquer coisa, então eu sabia que algo estava errado.

Quando nós chegamos no hospital, eles fizeram uns exames e a levaram diretamente para a UTI. Nossos gêmeos queriam vir ao mundo, mas tinham se passado apenas 28 semanas. Era extremamente perigoso. Os médicos queriam que ela esperasse por mais duas semanas antes de dar a luz para que, nesse tempo, os pulmões dos bebês pudessem se desenvolver.

Eu me lembro de ligar pros meus pais, perguntando, “O que vai acontecer? Eles vão viver?”

Foi assustador.

Mas minha esposa foi uma lutadora. Ela segurou por 7 dias… 14 dias… 20 dias.

Por muitas noites, eu dormi na poltrona da sala. Mas durante o dia, eu tinha de continuar jogando futebol. Em 30 de outubro do ano passado, tinha um jogo contra o Olympiacos na Grécia. Não havia nada que eu pudesse fazer. Tive de entrar no avião.

Naquela noite, eu recebi um telefonema da minha esposa, dizendo que nossa filha, Sofia, e que nosso filho, Zé Pedro, nasceram.

Ela segurou por 21 dias. Eu chorei muito. Eu queria ter estado lá para vê-los chegar ao mundo. Mas eles estavam aqui. É isso que importa.

Os dois precisaram ficar numa incubadora no hospital por mais dois meses. Eles ainda não eram fortes o bastante para vir pra casa. Naquele momento, o futebol não parecia tão importante. As pessoas estavam falando quão bem eu vinha jogando pelo Barcelona, mas, no meu íntimo, foi um período muito difícil para mim. Houve dias em que eu me levantava pra treinar e ficava pensando nos meus filhos conectados a tubos no hospital.

Tenho de dar o crédito para a minha esposa. Ela foi uma heroína. Quanto a mim, eu apenas jogava futebol. Ela teve de lutar pelas vidas dos nossos filhos. É inimaginável a força que uma mãe pode encontrar quando seus filhos estão em perigo.

No dia 23 de dezembro do ano passado, Sofia e Zé Pedro vieram pra casa. Esse foi o maior presente de natal que já recebi.
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