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ImprimirEm maio de 2016, o português Miguel Maduro foi contratado pela Fifa para uma missão ambiciosa: limpar a entidade, devastada por escândalos de corrupção. Seu trabalho foi interrompido um ano depois pelo mesmo homem que o havia contratado, Gianni Infantino, presidente da Fifa. Maduro foi demitido em maio de 2017.
- O futebol é uma cultura fechada e resistente à transparência e à prestação de contas - disse Maduro ao GloboEsporte.com numa entrevista realizada por e-mail e por telefone nos últimos dias de dezembro.
Maduro era o presidente do Comitê de Governança, órgão criado pela Fifa que tinha, entre outras atribuições, fazer os "integrity checks" dos integrantes da entidade. Ou seja: cuidar para que os ocupantes de cargos importantes na Fifa tivessem "ficha limpa".
Em março de 2017, Maduro e sua equipe impediram que o russo Vitaly Mutko fosse reeleito para o Conselho da Fifa. Mutko é vice-Primeiro Ministro da Rússia e, na época, também era o presidente do Comitê Organizador Local da Copa do Mundo de 2018, cargo ao qual ele renunciaria meses depois.
– O Presidente (Infantino), e outras pessoas em seu nome, como a secretária-geral (Fatma Samoura), insistiram de formas diferentes e em diferentes ocasiões para que eu não excluísse Mutko. Como é público, resisti a esses pedidos ou pressões, e poucos meses depois não fui renovado (como chefe do Comitê). Acho que não é difícil tirar uma conclusão.
A demissão de Maduro gerou a saída imediata, em solidariedade, de outros integrantes do Comitê. Um deles foi o sul-africano Joseph Weiller, professor da Universidade de Nova York, que também fez críticas duras à Fifa numa entrevista ao GloboEsporte.com em novembro de 2017.
Além de ter demitido Miguel Maduro, a Fifa trocou os dois chefes do Comitê de Ética, o suíço Cornel Borbely e o alemão Hans-Joachim Eckert. Essa decisão foi tomada pela Fifa em maio de 2017, durante o congresso anual da entidade, no Bahrein.
O que aconteceu em maio passado foi semelhante ao que seria substituir de um dia para o outro os presidentes das principais instancias judiciais do Brasil e os procuradores que investigavam os casos politicamente mais sensíveis - comparou Maduro. E questionou?
Após um acontecimento desses, os substitutos seriam vistos como tendo condições de independência? Neste momento, o Comitê de Governança está a funcionar sem cumprir o requisito mínimo de membros independentes. Acho que isso diz tudo.
O estatuto da Fifa diz que o Comitê de Governança deve ter "pelo menos metade de seus integrantes independentes" do futebol. Dos dez atuais membros do Comitê, só quatro são independentes e seis são ligados ao mundo do futebol.
Na avaliação de Miguel Maduro, a Fifa nunca vai se reformar de verdade, "porque a liderança que deveria promover essa reforma depende daqueles que precisam ser reformados". Ou, nas palavras mais duras escolhidas pelo professor português:
- A liderança da FIFA não responde perante a opinião pública ou aos fãs do futebol, mas sim ao cartel político que controla o futebol e se opõe a reformas genuínas. Entre sobreviver politicamente ou reformar, a liderança escolhe sobreviver. Uma reforma genuína só acontecerá se for imposta externamente.
Maduro defende a criação de uma agência independente, "não para gerir o futebol e os outros esportes", mas para garantir que "as entidades que os comandam atuem de acordo com certos princípios éticos e de boa governança".
- O esporte é uma área de enorme importância social e que corresponde aproximadamente a 2% do PIB mundial. Não é concebível que uma área com esta importância não esteja sujeita a nenhum escrutínio e controle público.
O português avalia como "importante" a investigação das autoridades americanas – que resultou no indiciamento de mais de 40 pessoas na condenação de cartolas como o brasileiro José Maria Marin – mas ainda longe de resolver o problema da corrupção no futebol.
- Uma coisa é apanhar algumas maçãs podres, outra é tratar as árvores que produzem essas maçãs. O combate à corrupção precisa ser acompanhado de um mínimo de regulação, de escrutínio público.
Na última semana de junho de 2018, durante a Copa do Mundo da Rússia, Maduro vai organizar em Portugal, na Universidade Católica do Porto, um curso de verão sobre Governança no Esporte. Entre os professore estarão outros ex-integrantes da Fifa, como Joseph Weiler e Cornel Borbely.