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18/07/2018 10:14:00
Brasileira explica por que entrou na fila do suicídio assistido: 'Parecia que eu estava matando minha família'

G1/LD

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Nesta terça-feira, 17/7, o Conversa com Bial promoveu um debate sobre os cuidados paliativos no fim da vida com a presença da médica Ana Claudia Quintana; Elfriede Galera, a Frida, paciente com câncer metastático; e Letícia Franco, portadora de uma doença terminal. Esta última é uma renomada oftalmologista que optou pelo suicídio assistido em uma clínica na Suíça, após esgotar todas suas possibilidades de tratamento. Ela é portadora de uma síndrome rara, a Asia Síndrome. "Recebi o diagnóstico em 2010. A minha estimativa de vida é de nove anos", contou Letícia.

De acordo com um ranking divulgado pela revista britânica “The Economist” sobre a qualidade da morte, o Brasil ocupa o 42º lugar – em uma lista com 80 países - estando atrás de nações como Uganda e Mongólia. Nesses tempos em que a expectativa de vida é cada vez maior, o debate sobre os cuidados com pacientes terminais se tornou um tema urgente. No caso de Letícia, a busca pelo suicídio assistido significa também o fim do sofrimento para sua família.

"Comecei a ter um agravamento muito sério da patologia, sem perspectiva de melhora e cura. Foram muitas tentativas de tratamento e internações."

"Quando tenho crise, fico paralisada e paro de respirar. Fiquei em coma quase seis meses."

A médica detalha como a doença afetou não só ela, mas também quem está ao seu redor: "A dor e o sofrimento não eram só meus. Parecia que eu estava matando minha família. Foi aí que decidi não prolongar mais isso, para ninguém sofrer". Após esgotar os tratamentos e possibilidades existentes, Letícia optou por uma última solução: o suicídio assistido. No entanto, com a aprovação da clínica suíça para seguir com o procedimento e, depois de uma dura discussão com sua família, mais uma surpresa:

"Arrumei tudo para ir [para a Suíça] e minha mãe desistiu. Ela perguntou como ia conseguir levar uma filha dela para morrer? Foi um momento de desespero meu. E o medo da doença voltar e morrer com dor, no hospital, cheia de tubos...?"

Reencontro com o ex

Noivo de Letícia, Guilherme Viñe reatou com a ex-namorada após ver um post de despedida em uma rede social. Com o reencontro, ele acabou fazendo com que médica adiasse sua viagem para a Suíça: "A gente se distanciou porque ela tinha ido estudar fora do Brasil, mas a gente nunca deixou de se gostar".

"Fui lá para me despedir dela em todos os sentidos. Não deu certo! Não consegui ir embora e a gente decidiu se casar."

Autonomia no fim da vida

A advogada Luciana Dadalto deu algumas definições de termos de autonomia no fim da vida para ajudar as pessoas a entenderem melhor o assunto: "Eutanásia é abreviação da vida de um paciente com uma doença grave e incurável, a pedido desse paciente, por uma terceira pessoa. No Brasil, é homicídio. Distanásia é o prolongamento artificial da vida".

A advogada segue sua explicação, diferenciando o que pode ser chamado de 'boa morte':

"Ortotanásia é o que se entende como boa morte. É basicamente o que os cuidados paliativos fazem. É o entendimento de que a vida não tem que ser nem abreviada, nem prolongada. Mas ser respeitada durante o curso da doença".

Além disso, existe ainda o caso de Letícia, o chamado suicídio assistido. "Esse é o termo que mais se parece com a eutanásia porque tem a ver com abreviação da vida de um paciente com uma doença incurável. Mas, nesse caso, quem pratica o ato que provoca a morte é o próprio paciente, tomando um medicamento ou apertando uma bomba de infusão. No Brasil, é proibido", afirma a advogada.

Diagnóstico de Frida

Por conta de erros médicos, Frida levou dois anos para ser diagnosticada com câncer de mama. "Em 2008, desconfiei que tinha algo errado. Fui procurar ajuda e tive uma grande decepção. Não conseguia convencer os médicos que tinha câncer", conta ela, que explica ainda que a metástase é quando o câncer primário entra na corrente sanguínea e vai para órgãos vitais.

"Eu ouvi falarem: 'Ela não tem mais jeito'. Eu estou viva com metástase há oito anos e com qualidade de vida."

"A sociedade tem muito medo de falar da morte".

Excesso de empatia?

Geriatra atuante em cuidados paliativos, Ana Claudia Quintana contou o que a levou a adotar práticas de assistência em seu trabalho. Ela, que entrou na faculdade aos 18, sonhava cuidar das pessoas. Porém, ao longo do curso, a médica se deparou com o que chamou de "absoluta apatia diante do sofrimento das pessoas".

"Quando perguntava o que fazer quando o paciente estava morrendo com muita dor, me diziam que não havia o que fazer."

"Fui classificada como uma pessoa incapaz de ser médica. Eu tinha empatia patológica. Quando tomei a decisão de cuidar de pessoas que morrem, isso foi muito mal visto por todo mundo", lembra.

Medicina paliativa

Ana Claudia Quintana explica o que é o cuidado paliativo. Segundo a médica, se trata de uma área da assistência que vai oferecer um cuidado integral para uma pessoa que está diante de uma doença que ameaça a continuidade de vida dela, um cuidado que vai além da doença.

"A gente tem uma perspectiva de que o fazer tudo é cuidar do corpo. Mas na medicina paliativa a gente amplia esses cuidados. Você cuida do sofrimento físico, emocional, social, espiritual e familiar para que essa pessoa possa ter um sentido de qualidade de vida e dignidade".

A geriatra aproveita a oportunidade para desfazer alguns mitos sobre o cuidado paliativo. "Tem gente que acredita que é arte de suspender tratamento. Não é", frisa Ana Claudia.

"A gente utiliza todos os recursos necessários: medicamentosos, recursos tecnológicos, diagnóstico, terapeuticos, infraestrutura do hospital, procedimentos... Tudo que for necessário para trazer qualidade de vida e dar conforto para o paciente" (Ana Claudia Quintana).

Conquistas da medicina paliativa

"Crescemos quase 52% em dois anos", afirmou Daniel Fortes, presidente da Associação Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP). "Estamos quase conseguindo uma política nacional de cuidado paliativo. Está nos trâmites finais no Ministério da Saúde. Existe uma boa chance de sair ainda esse ano", comemorou.

Desafios da área paliativa

A geriatra Ana Claudia Quintana conta, apesar da sociedade estar mais aberta para discutir esse assunto, encontrar ouvidos dentro da área de Saúde ainda é um item complicador. "É nítido que as pessoas querem falar, mas os profissionais não aprenderam a falar sobre isso", esclarece a médica.

"A instituição Saúde se nega a acolher o que é a boa prática, o que seria melhor a ser feito".

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