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18/01/2019 13:39:00
'É na internet que mais sofro preconceito', diz primeira candidata trans ao Miss Rio

O Globo/LD

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Náthalie de Oliveira tem apenas 24 anos e está pronta para ganhar os holofotes. A primeira candidata transexual a participar do Miss Rio de Janeiro entrou no mundo dos concursos de beleza justamente para conseguir bancar a sua cirurgia de redesignação sexual. A mudança foi alcançada quando venceu o Miss T Brasil, em 2015, e pode concluir a sua transição iniciada aos 14 anos, com apoio da família.

Agora, a jovem, que interrompeu a faculdade Enfermagem para se dedicar à carreira de modelo e tem um namorado que vive na Suíça, quer fazer do Miss Rio um palco para falar de representatividade, como ela já faz em seu canal no YouTube, Princess Online.

Beneficiada pela "passabilidade", quando a pessoa trans é lida como cis pela sociedade, é na internet que ela sofre com o preconceito. Náthalie, porém, é otimista quanto ao futuro das transexuais no Brasil. Ela espera que esse comportamento comece a diminuir nos próximos anos.

Moradora de Bom Jardim, a cerca de três horas do Rio, e filha de um motorista e uma diarista, ela nos contou um pouco de sua história, na entrevista abaixo.

O GLOBO - Quando você começou a se interessar pelos concursos de miss?

NÁTHALIE - Pensava em participar de algum concurso de beleza, porque as pessoas diziam que eu tinha perfil. Mas o que despertou o meu interesse de verdade foi o fato de o Miss T Brasil premiar a vencedora com uma cirurgia de redesignação sexual. E foi assim que consegui fazer a operação, porque sou de família humilde. Ganhei o concurso em 2015 e fiz a cirurgia em outubro de 2016, na Tailândia.

Quando começou a sua transição?

É difícil dizer um ponto exato, porque algumas coisas vêm de antes, como a preferência por roupas e brinquedos femininos. Mas, de encarar isso, comecei a mudar entre 14 e 15 anos.

Você teve apoio nesse processo?

O meu pai ficou um pouco chateado, um pouco mais na dele, não gostava muito. A minha mãe me deu muito apoio, mesmo sofrendo um pouco comigo no início. Ninguém tem essa capacidade de se transformar no sexo oposto da noite para o dia. É um processo demorado, que precisa de apoio, e minha mãe e meus irmãos me ajudaram muito nesse sentido, mesmo minha família sendo evangélica.

O que motivou a sua candidatura ao Miss Rio de Janeiro?

Sempre tive um pensamento muito forte de que tinha que fazer alguma coisa em relação à comunidade LGBT e às mulheres. Depois da minha transformação, veio a beleza. Modifiquei o meu corpo, e as pessoas começaram a me admirar. E aí vi uma brecha para começar a falar com essas pessoas. Depois de ver a Angela Ponce (primeira transexual a disputar o Miss Universo, no concurso de 2018) , senti que precisava passar por esse portal aberto por ela.

Como foi o processo de se inscrever no concurso?

Fiz a inscrição on-line, como todas as outras candidatas. Fiquei surpresa quando entraram em contato dizendo que eu tinha sido selecionada.

Já se encontrou com as outras candidatas?

Ainda não.

Acha que pode haver ciúme, caso você atraia mais atenção da mídia?

Pode ser. Mas acho que isso não tira o meu mérito nem me favorece. Sabemos que os concursos de beleza vão eleger as mais competentes, e todas elas têm a mesma competência que eu.

Onde você sofre mais preconceito?

Felizmente, conto com a minha passabilidade. Já viajei para a Tailândia e a Europa, e as pessoas que não me conhecem não têm a capacidade de olhar para mim e identificar fisicamente que pertenci ao sexo masculino quando nasci. Mas tenho um canal no YouTube em que conto essas vivências e faço questão de me anunciar como mulher transexual, porque acho que não devemos nos omitir, e as pessoas têm que nos respeitar. Recebo muito amor dos seguidores, mas também há comentários bastante odiosos. Parece que algumas pessoas realmente detestam a minha condição de gênero e não conseguem tolerar a minha existência. Elas carregam mesmo nos comentários. É onde sinto mais preconceito.

Como ficou a faculdade de Enfermagem?

Comecei a faculdade assim que terminei o ensino médio. Hoje faltam três semestres para terminar. Mas, em decorrência das minhas cirurgias e dos concursos, não tinha como conciliar tudo. Pretendo terminar assim que puder.

Como você conheceu seu namorado?

Nos conhecemos no período em que eu estava na Tailândia fazendo a minha cirurgia, antes de participar da etapa internacional do concurso. Depois de operada, recebi um buquê de rosas com um bilhete anônimo. Passado um tempo, ele se identificou por meio da minha tradutora e enviou umas fotos e uma mensagem. Mas só nos conhecemos pessoalmente em janeiro de 2017, no Rio. Ele mora na Suíça e veio até o Brasil para nos conhecermos. Passamos uma semana juntos e nos apaixonamos.

Como é o relacionamento hoje em dia?

Ele já conheceu a minha família, e eu já viajei para conhecer a dele. Tínhamos planejado ficar juntos este ano, programar casamento, mas ele entende a importância desse momento que estou vivendo e me apoia em tudo. Estamos vendo até onde posso chega.

Você está preparada para todas as consequências que a exposição na mídia pode lhe trazer, como as manifestações de ódio?

Todas as pessoas que são importantes para mim, como minha família e meus amigos, estão do meu lado. Sabem tudo o que passei e que isso não é nenhum tipo de brincadeira. Recebo esse ódio desde que decidi transicionar. Mas acho que estamos passando por um momento decisivo, em que as pessoas que estão nascendo já são criadas com mais consciência da diversidade. Acho que daqui a alguns anos haverá bem menos ódio.

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