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26/07/2019 09:48:00
Matemáticas respondem por 26% do total de cientistas, mas só 11% das bolsas do CNPq vão para elas

G1/LD

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Atualmente, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) tem 408 bolsas vigentes de produtividade em pesquisa (PQ), um tipo de financiamento destinado a cientistas que já têm mestrado, doutorado e uma sólida carreira de pesquisa. Mas as mulheres receberam apenas 11% das bolsas destinadas à pesquisa em matemática, probabilidade e estatística, segundo um levantamento feito pelo G1 com os dados disponíveis nesta quinta-feira (25).

A participação feminina atual entre os recipientes de bolsas de produtividade nessa área é mais baixa do que era, no século passado, a proporção de brasileiras matemáticas na produção de conhecimento: segundo um levantamento feito pela empresa de publicações científicas Elsevier, entre 1996 e 2000, 18,9% dos nomes de cientistas que publicavam artigos sobre matemática já eram de mulheres. Entre 2011 e 2015, esse número subiu para 25,8%.

Neste sábado (27) e domingo (28), quase 500 pesquisadoras e pesquisadores se reúnem no Rio de Janeiro no Encontro Brasileiro de Mulheres Matemáticas, para debater como reduzir a disparidade de gênero atual na pesquisa da área.

Financiamento e reconhecimento

A bolsa de produtividade do CNPq é outorgada por meio de editais abertos pelo conselho, nos quais os e as cientistas inscrevem seus projetos de pesquisa.

Ao contrário de bolsas como iniciação científica, mestrado e doutorado, destinadas a estudantes, a bolsa PQ financia professores pesquisadores de universidades. O valor serve de complemento para financiar as pesquisas, permitindo gastos de produção e com viagens a congressos e divulgação do trabalho.

"É uma importante forma de financiamento, e também um reconhecimento do trabalho e da contribuição desses e dessas cientistas", explicou ao G1 Carolina Araújo, que é matemática titular do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa) e uma das organizadoras do evento neste fim de semana.

Segundo ela, alguns critérios levados em conta são:

  • Análise do currículo

  • Qualidade dos artigos produzidos

  • Qualidade do projeto de pesquisa, com avaliação do potencial de impacto e a relevância do tema

Em nota, o CNPq afirmou ao G1 que "um dos problemas para esta participação é a segregação dos sexos por área do conhecimento", e diz que "não podemos desperdiçar os talentos das jovens e nem a diversidade de perspectivas para a construção do conhecimento científico em áreas estratégicas para o desenvolvimento nacional como as áreas de exatas, engenharias e computação".

O órgão disse ainda que desenvolve várias ações para enfrentar este desafio (leia mais abaixo), e afirmou que, do total de bolsas de produtividade em pesquisa de 2018, considerando todas as áreas do conhecimento, e não só matemática, 35,18% foram para mulheres – um número que permaneceu estável na última década:

Já considerando a área de ciências exatas e da terra, o que inclui matemática, probabilidade e estatística e outras subáreas, os dados mostram que cai para 19,15% o número das bolsas PQ que foram para mulheres.

Levantamento

Para levantar os dados, o G1 usou a mesma metodologia de um estudo publicado em 2018 por Araújo: analisando e separando os nomes de homens e os de mulheres, já que essa distinção não é pública. O estudo só considerou a lista de bolsas para as áreas de "matemática" e de "probabilidade e estatística", e não levou em conta quatro bolsas que estão listadas como "suspensas" pelo CNPq e analisou 408 nomes, alguns repetidos com projetos financiados em períodos diferentes.

Os nomes de pesquisadores estrangeiros ou que podem ser de um ou outro gênero foram inseridos em outras bases de dados, como as páginas profissionais dos cientistas ou de suas universidades, para verificar seu gênero.

m fez um recorte por nível de bolsa: considerando apenas o reconhecimento mais alto do CNPq nos editais, o da bolsa de produtividade PQ-1A, a representativade das mulheres caiu para menos de 10%, também considerando uma estimativa conservadora a respeito dos nomes não verificados.

"A representatividade vai caindo conforme vai subindo o nível", explicou ela.

"Quando a gente olha pras bolsas de pesquisa do CNPq, que em algum sentido é um reconhecimento, a participação das mulheres não chega a 12%. Tem muita mulher fazendo pesquisa sem reconhecimento" - Carolina Araújo, matemática titular do Impa

Ciência geral x ciências exatas

A pesquisadora cita o estudo da Elsevier para mostrar que as estatísticas atuais de bolsistas do CNPq não condiz com a representatividade total das mulheres no campo científico da matemática.

Usando metodologia parecida, a pesquisa analisou milhões de nomes de pesquisadores e pesquisadoras de 12 nacionalidades diferentes, por meio de levantamento em diferentes bancos de dados e atribuição de gênero aos nomes levantados. O resultado dos dados mais recentes, referentes ao período entre 2011 e 2015, aponta que Brasil e Portugal estão empatados no topo do ranking de países com maior participação de nomes de mulheres nessa lista: 49%.

No entanto, quando o recorte é feito por área do conhecimento, a participação das mulheres em ciências exatas cai consideravalmente. No caso da matemática, a produção científica brasileira entre 2011 e 2015, período da análise mais recente da Elsevier, só teve 25,8% de participação feminina, um avanço em comparação aos 18,9% registrados no século passado.

Próxima geração

Em nota encaminhada ao G1 nesta quinta-feira, o CNPq afirmou que mantém desde 2005 o Programa Mulher e Ciência, para "incentivar e fortalecer a participação das mulheres na ciência e tecnologia". Segundo o órgão, entre as medidas estão a prorrogação de bolsas de pesquisa em caso de maternidade e esforços para divulgar a trajetória de mulheres cientistas, além de atrair meninas e jovens para a carreira científica.

O objetivo, de acordo com o conselho, é "aumentar o número de mulheres no início da carreira científica e que poderá impactar em um aumento de mulheres pesquisadoras com bolsa de Produtividade em Pesquisa no futuro".

"Um problema muito grande é uma questão social mesmo de expectativa e do papel na sociedade de homens e mulheres. Existe infelizmente um preconceito de que matemática é coisa de homem, que vem desde a infância, meninos", disse Carolina Araújo, do Impa.

Segundo ela, outro aspecto para a baixa participação feminina é a falta de modelos e inspiração para as jovens na área. "Eu só tive uma professora mulher em toda a minha trajetória", explicou a matemática, ressaltando que essa é uma realidade comum entre as pesquisadoras atuais.

O CNPq afirma que, em 2013 e 2018, já apoiou 403 projetos para meninas e jovens nas ciências exatas, engenharias e computação. "O CNPq entende que incentivar a maior participação das mulheres em áreas como matemática é preciso começar cedo, já na escola. Este foi um dos objetivos dessa ação", diz o órgão, citando projetos apoiados dentro do Impa e em universidades do Paraná e Alagoas de estímulo à participação de meninas em olimpíadas de matemática. Inscrições bateram recorde

Além da falta de modelos e dos obstáculos impostos pela maternidade em uma sociedade que a considera uma responsabilidade apenas das mães, a violência de gênero dentro da academia, também fomentada pelo baixo número de mulheres em posições de liderança, é outro tema do evento, que também abordará a diversidade racial na pesquisa.

Por fim, a agenda inclui ainda sessões de tutoria para as pesquisadoras mais jovens aprenderem com as mais velhas sobre como montar currículos e projetos de pesquisa.

As inscrições foram encerradas na quarta (24) com um recorde de participação – a procura foi maior do que a do evento de 2018, que foi internacional e contou com a presença de matemáticas de mais de 50 países. E, como o problema não é exclusivo das mulheres, Araújo disse que as inscrições também foram abertas aos homens. Porém, nesta lista eles são minoria: o G1 analisou os 478 nomes com a inscrição confirmada até a noite de quinta, e encontrou apenas 69 homens participantes.

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