VERSÃO DE IMPRESSÃO
Artigo
20/01/2020 12:17:00
Governo escala Roberto Alvim para o papel de maçã podre da semana
Ex-secretário caiu pela boca e pela vaidade, mas mostrou em sua encenação o que pensam – os que pensam – os bolsonaristas

Época/PCS

O general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, trabalhou no sábado (18) para o governo faturar em cima do famigerado vídeo de Roberto Alvim.

Publicou em sua conta no Twitter que foi “fantástica, e até emocionante, a reação de intelectuais, artistas, historiadores, professores, estudantes, militares e da nação como um todo, ao infeliz resgate de pensamentos nazistas”.

Cortejou seis categorias, cinco delas majoritariamente contrárias ao bolsonarismo. Foi um ato simbólico, de ganho político pequeno, mas que veste de rosa, ao menos por 280 caracteres, um governo que se orgulha de habitar as trevas.

Apesar do embaraço criado, a cena montada por Roberto Alvim teve um aspecto positivo para Jair Bolsonaro: permitiu-lhe fingir que há um limite para o seu obscurantismo. Foi como se, ao exonerar o secretário especial de Cultura, ele dissesse: “poxa, nazismo já é demais!”. Postura até coerente para alguém de extrema direita que repete que o nazismo foi de esquerda.

Enganou por algumas horas parte de seus fãs e oponentes. Houve quem visse na demissão um ato de justiça, uma ação rápida contra quem cometeu a barbaridade de citar trecho de um discurso de Joseph Goebbels, ministro da propaganda de Hitler.

Ilusão. Quando conversou por telefone com Alvim às 7h30 de sexta (17), Bolsonaro aceitou as explicações e o manteve no cargo. E já se sabia que o vídeo continha um plágio de Goebbels. Poderia, no mínimo, ter percebido que aquilo tudo era muito sinistro. O problema é que sinistro é o normal de Bolsonaro.

A demissão só foi anunciada no final da manhã. Disse a um deputado que fez “por amor a Israel”, revelando de onde veio a pressão mais efetiva. Deveria ser por amor à humanidade, mas não soaria sincero.

Eduardo Bolsonaro tuitou que o comunismo foi pior do que o nazismo, pois matou mais gente. Fez o que a civilização aprendeu há muito tempo que não se deve fazer: relativizou o Holocausto. Não há “mas...” nesse assunto.

Nazismo e stalinismo são terríveis, e não faz sentido contar milhões de mortos para hierarquizá-los. A comunidade judaica, a quem a família presidencial tanto preza e adula, sabe perfeitamente disso.

Alvim tinha sido promovido de diretor do Centro de Artes Cênicas da Funarte a secretário especial de Cultura por desempenhar um papel que interessava ao clã Bolsonaro e seus seguidores hidrófobos. Cuspia falas grandiloquentes, pregando uma espécie de revolução conservadora, e exibia sua baixeza moral, explicitada quando chamou Fernanda Montenegro de “sórdida” e “mentirosa”.

Agora querem dar a Alvim outro papel, o de maçã podre. Mas, no governo ao qual serviu, todos pensam – os que pensam – como ele. Só não têm o mesmo preparo. Não sabem copiar Goebbels, não sabem montar uma cena apurada como a que montou.

Ele tanto sabia do peso do que estava copiando que, antes de dizer a fala fatídica, trocou o plano aberto, imponente (foto do líder supremo atrás; cruz jesuítica e bandeira nacional dos lados), pelo fechado, impedindo o espectador de se distrair com o cenário. Alvim sublinhou que aquele era o momento-chave do monólogo.

Caiu pela boca e pela vaidade. Fosse mais medíocre e menos mitômano, continuaria no cargo, talvez alçando outros de maior poder.

Se não soubéssemos que ele acredita no que dizia, poderíamos enxergar na cena algo do teatro de Bertolt Brecht (1898-1956), alemão marxista que teve de fugir do nazismo.

Ao proferir coisas absurdas em tom solene, estaria desmascarando os propósitos sombrios e totalitários de Bolsonaro. Ao prometer conquistas grandiosas a partir da distribuição de apenas R$ 20,6 milhões para 145 projetos, estaria dando um toque de humor sem perder a sutileza.

Não escondeu a tristeza ao saber que seu guru Olavo de Carvalho – que, aliás, daria um bom (no sentido de competente) ministro da propaganda – escrevera que ele podia não estar bem da cabeça.

Deve também estar sofrendo com os comentários de que foi caricato na interpretação. Mas, nesse ponto, a vingança ainda pode chegar. Regina Duarte é mais.

Cumpriu-se a expectativa sobre ele firmada aqui em outubro passado: “Poderá ser cuspido da engrenagem a qualquer momento. É ‘só um ator, só um ator’. Artista não tem lugar de destaque no reino do ressentimento. A não ser como bobo da corte”.