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Brasil
10/09/2019 16:31:00
Brasil registra mais de 8 mil mortes de causas não esclarecidas em 2018

G1/LD

O Brasil registrou no ano passado 8.111 mortes “a esclarecer” – um aumento de 7% em relação a 2017, quando foram computadas 7.537 mortes do tipo. É o que mostra o 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado nesta terça-feira (10) pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Isso significa que há mortes que podem ter sido motivadas por violência fora das estatísticas oficiais de assassinatos.

“É um número extremamente grande. Isso indica um sistema com problemas graves no que diz respeito ao sucateamento da polícia investigativa como um todo. Falta interesse nesse investimento, nessa depuração. Mas isso se aplica a todo o sistema de justiça criminal. Por que a Promotoria não cobra também o esclarecimento dessas mortes?”, questiona Rafael Alcadipani, professor da FGV e consultor do Fórum.

O pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e conselheiro do Fórum Daniel Cerqueira também considera o dado “alto e preocupante”. “Há vários casos em que o corpo é encontrado com sinais de violência, mas a investigação depende de laudos periciais que demoram meses. Enquanto isso não é apurado, fica como morte a esclarecer. O problema é que depois que se chega à conclusão de que é um homicídio geralmente o sistema não é atualizado. E esse dado se perde.”

“Quando a gente compara essas mortes a esclarecer com os dados da saúde que apontam causa indeterminada, há uma coincidência nos estados que têm um número muito expressivo, como São Paulo. Isso acende uma luz amarela sobre a confiabilidade dos registros oficiais das polícias”, diz Daniel Cerqueira.

São Paulo, de fato, concentra quase 1/3 do total de mortes “a esclarecer” – 2.565 –, que são classificadas pelo estado como “mortes suspeitas”. Para chegar à estatística, foram consideradas apenas os “encontros de cadáveres sem lesões aparentes” e as mortes com “dúvidas quanto a suicídio ou morte provocada”. As mortes suspeitas acidentais e súbitas não foram incluídas.

Em outros estados, como no Rio de Janeiro, também foi preciso adequar o termo, considerando casos como “encontro de ossadas” e “encontro de desaparecidos mortos”. O estado teve 401 casos no ano passado. Foi um dos oito do país com diminuição na comparação com 2017.

Mortes violentas

O Brasil teve, no ano passado, segundo o Anuário, 57.341 mortes violentas intencionais. Os dados consideram os homicídios dolosos, os latrocínios, as lesões corporais seguidas de mortes e as mortes decorrentes de intervenção policial. Trata-se de uma queda de 11% quando o número é comparado ao de 2017 (64.021).

A queda nos assassinatos foi antecipada pelo Monitor da Violência em fevereiro. Em maio, o Monitor da Violência também fez a relação com as mortes por intervenção policial já incluídas. A queda foi de 10% – índice praticamente igual ao divulgado agora.

A queda é a maior da série histórica do Fórum. Já a taxa de mortes a cada 100 mil habitantes ficou em 27,5 em 2018.

A tendência de queda continua. No primeiro semestre deste ano, segundo o Monitor da Violência, houve uma diminuição de 22% nos assassinatos no país.

Mortes por policiais

O Anuário também mostra outro dado antecipado pelo Monitor da Violência: o de aumento no número de mortes causadas por policiais. O aumento, segundo o relatório, foi de 19% – índice muito próximo do auferido pelo Monitor (18%).

Foram 6.220 mortes em decorrência de intervenção policial em 2018, contra 5.179 em 2017.

Um dado que chama a atenção é que o percentual de mortes pela polícia em relação ao total de assassinatos cresceu de 8% para 11%. O Rio de Janeiro passou a ocupar a primeira posição nesta proporção: 23% dos assassinatos no estado foram causados por policiais (em serviço ou de folga) em 2018.

São Paulo, até então líder na estatística, ficou agora na segunda posição, com 20% do total de mortes causadas pela polícia.

“A série histórica dos registros de mortes decorrentes de intervenções policiais no Brasil indica um crescimento paulatino das mortes provocadas por policiais, o que faz com que as polícias de vários estados sejam percebidas como violentas”, afirmam os pesquisadores do Fórum Samira Bueno, David Marques, Dennis Pacheco e Talita Nascimento.

“Este dado preocupa ainda mais quando verificamos a proporção de mortes provocadas por policiais dentro do cômputo do total das mortes violentas intencionais, um indicador utilizado por países democráticos para aferir o uso da força letal pelas polícias (...) Quando o número de mortes provocadas pelas polícias é muito alto em relação ao total de mortes violentas intencionais de determinado território, isso pode revelar abusos e uso excessivo da força pela polícia local”, dizem Samira Bueno, David Marques, Dennis Pacheco e Talita Nascimento.

Roubos

Além da queda nas mortes violentas, os dados apontam uma redução nos registros de crimes contra o patrimônio, como o roubo, que caiu 14,1% em todo o país. Apenas quatro estados tiveram uma alta na estatística: Acre, Alagoas, Rondônia e Roraima.

Houve no Brasil uma queda de 16,1% nos roubos de veículos, 15,9% nos roubos a residências, 14,2% nos roubos a pedestres, 32,8% nos roubos a bancos e 20,2% nos roubos de cargas.

“Há um mínimo de melhoria econômica, o que acaba afetando o indicador de roubo, furto e crimes contra o patrimônio. E a gente estava atingindo índices muito alarmantes. Então há uma queda agora não só nesses tipos de crime, mas no geral”, afirma Rafael Alcadipani.

Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum, diz que é difícil determinar uma causa para todos os roubos, mas afirma que existem alguns indícios para a queda. “Houve mudanças na legislação que dificultaram os desmanches de roubos de carros, legislações estaduais que dificultaram a receptação. Os roubos a instituições financeiras também já não valem mais tanto o risco. Há muitos avanços na tecnologia do universo bancário, menos dinheiro nos caixas, uma série de dispositivos. As câmeras eletrônicas registram mais roubos."

Pessoas desaparecidas

Dados do Anuário revelam também uma queda no número de pessoas desaparecidas. Foram 82.094 registros, ante 83.701 em 2017. O número de pessoas localizadas, porém, também caiu. Foram 52.328, contra 55.923 do ano anterior.

O Fórum ressalta que as informações sobre pessoas localizadas foram fornecidas pelos estados, mas não foi possível apurar como o registro é realizado e se diz respeito a pessoas localizadas vivas ou mortas e se o encontro está ou não vinculado a eventos de desaparecimento previamente reportados. “Assim, os registros de pessoas localizadas no ano de 2017 não correspondem necessariamente aos casos de pessoas desaparecidas registrados no mesmo ano.”

Suicídios

No caso dos suicídios, houve um aumento no país, de 4,2%. Foram registrados, em 2018, 11.314 casos, ante 10.816 do ano anterior. A maior parte dos estados teve uma alta nos registros.

Esta terça (10) marca o Dia Mundial da Prevenção ao Suicídio. Na segunda (9), um relatório divulgado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) mostrou que cerca de 800 mil pessoas acabam com suas vidas todos os anos no mundo, o que equivale a uma morte a cada 40 segundos.

A região das Américas, segundo a OMS, é a única que registrou um aumento.

Gastos com segurança

O Anuário também mostra que houve um aumento nos gastos com segurança pública no Brasil. Foram despendidos R$ 91 bilhões em 2018 – um aumento de 3,9% em relação ao ano anterior. Mesmo com a crise fiscal, apenas oito estados gastaram menos na área que em 2017.

O estado que mais gasta com segurança em relação ao total de despesas é o Rio de Janeiro: 15,5%. Já o Acre é o que possui o maior gasto per capita: R$ 674,08 por habitante.

Não há, porém, uma correlação direta entre gasto com segurança e taxas menores de criminalidade. “Gastar mais não significa gastar bem. Um dos principais problemas da segurança pública no Brasil é a falta da gestão dos recursos de forma eficiente e profissional”, afirma Rafael Alcadipani.

São Paulo, por exemplo, que tem o segundo menor gasto, possui a menor taxa de mortes violentas do Brasil. Já Roraima, o segundo que mais gasta por habitante, tem a maior taxa.

"No caso de Roraima, o estado foi pressionado a dar respostas porque as mortes violentas já tinham crescido de 2015 a 2016. Está tendo que lidar com uma população flutuante muito grande, muitas pessoas morando na rua, com a crise imigratória. Houve ainda a crise no sistema prisional combinada com o crime organizado. Já o Acre, que mais gastou, está sendo pressionado há mais tempo para dar respostas ao aumento das mortes violentas e, em 2018, conseguiu reduzir. Teve a maior redução: 25%. O estado mudou a dinâmica nos presídios, com a implantação do RDD, por exemplo. Mas a gente não pode esquecer que, após uma guerra de facções, o Comando Vermelho está assumindo o protagonismo, o que leva à redução de confrontos", diz Samira Bueno.

Um dado que chama a atenção, ressalta Daniel Cerqueira, é que as despesas com informação e inteligência correspondem a apenas 0,6% das despesas totais dos estados.

“Nesse item verifica-se que vários estados simplesmente não reportaram valores ou reportaram valores insignificantes, como o Rio de Janeiro, que gastou R$ 1.283 em 2018. Duas alternativas explicam esse fato: ou os governos, efetivamente, não investem em informação e inteligência – que é o coração das polícias modernas – ou os sistemas contábeis dos estados possuem sérios problemas de definição nos seus planos de contas, no que diz respeito à classificação das despesas segundo as subfunções”, afirma.

Em 2018, houve um repasse de R$ 386 milhões às Forças Armadas para atender sete operações de Garantia de Lei e da Ordem (GLO). Além disso, a União despendeu outros R$ 167 milhões para manter 2.050 profissionais da Força Nacional, em 46 operações em todo o país. Gastou ainda R$ 1,1 bilhão com a intervenção no Rio de Janeiro.

“Fica claro que o governo federal privilegiou a intervenção direta em questões de segurança pública nos estados, em detrimento dos repasses para a indução de políticas qualificadas e necessárias e para desobstruir gargalos nos sistemas de segurança pública locais, o que constitui um grande equívoco da política”, diz Cerqueira.