IG/PCS
O apagão que atingiu simultaneamente dez Estados e o Distrito Federal, no último dia 20 de janeiro, deixou patente aquilo que especialistas afirmam desde o ano passado: a crise hídrica não impactará somente a saída de água das torneiras da população, mas também o fornecimento de energia elétrica no País, especialmente em São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais e alguns Estados do Centro-Oeste.
"O Brasil passa por um problema sério de energia devido à falta de água nas usinas hidrelétricas", diz José Luz Silveira, professor do Departamento de Energia da Faculdade de Engenharia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Guaratinguetá.
"Alguns reservatórios estão com volume tão baixo que sequer estão produzindo energia. Para se ter uma ideia, em 2001, quando tivemos uma crise, estávamos com 30% da capacidade armazenada. Hoje, temos apenas 20%. Só não estamos ainda na mesma situação graças às termelétricas, que atualmente têm operado em sua capacidade máxima para compensar os problemas nas hidrelétricas."
É unânime entre os especialistas consultados pelo iG a opinião de que a situação de geração de energia em território brasileiro é grave e só deve piorar. A região Sudeste passa desde o ano passado pelo pior regime de precipitações de que se tem notícia na história. E a mesma água responsável por abastecer reservatórios para armazenamento do recurso para uso é aquela que entra nas reservas que o transforma em energia por meio das usinas hidrelétricas, principal método de geração de eletricidade do Brasil.
Mas, assim como a crise hídrica no Sudeste, onde já se sabe que o culpado pela falta de água não é o clima, as regiões só estão ameaçadas de blecaute de energia como consequência de falta de planejamento e ação do poder público. Obras como a usina nuclear de Angra 3, cuja entrega era prevista para 2015, e nas linhas de transmissão do Nordeste ao Sudeste estão paralisadas há anos.
"Já passou da hora de se iniciar uma campanha para incentivar a economia de energia. A imprensa começa a bater agora no problema, mas cadê o posicionamento oficial do governo?", indaga Guilherme Dantas, professor do Grupo de Estudos do Setor Elétrico do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). "Não sei de onde isso surgiu isso, mas culturalmente no Brasil temos a convicção de que Deus é brasileiro. E, incrivelmente, nosso poder público leva essa lenda ao planejamento. É algo completamente sem sentido."
De fato, um dia após do apagão, foi essa mesma frase que o ministro de Minas e Energia do País, Eduardo Braga, usou para "tranquilizar" a população em relação à falta de energia. "Deus é brasileiro. Temos de contar que ele vá trazer um pouco de chuva para nós", comentou em tom de brincadeira durante a coletiva de imprensa convocada para explicar que o blecaute teria sido consequência de "falhas técnicas", em 21 de janeiro. Entretanto, o próprio Operador Nacional do Sistema (ONS) esclareceu que o motivo foi devido ao elevado uso de energia no horário de pico. O elevado consumo no verão, aliado à estiagem, só colaboram para o problema.
O nível dos reservatórios está tão baixo que usinas como a de Santa Branca e de Paraibuna, ambas em São Paulo, simplesmente pararam de funcionar. Falta um volume mínimo para suas turbinas agirem e gerarem energia. O consumo, que estudos comprovam ter alta concomitantemente ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), não foi programado. Há pelo menos cinco anos é sabido que não seria possível atender à necessidade de distribuição somente com hidrelétricas em períodos de seca. Pouco ou nada foi feito em termos de investimentos em outras tecnologias. O problema só aumentou, visto que a crise atual ocorre em plena época de chuvas, que não vêm.
Promovido pelo Instituto Alberto Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia (Coppe) da UFRJ, na última segunda-feira (2), o seminário "A Crise Hídrica e a Geração de Energia Elétrica" evidenciou ao público que as hidrelétricas do sistema interligado só têm capacidade de geração para mais um mês de consumo. "Não temos como escapar do racionamento", afirmou na ocasião o diretor do instituto, Luiz Pinguelli Rosa, ressaltando o fato de as hidrelétricas terem sido mau usadas em um período em que se iniciava a escassez.
"Se não chover, estamos perdidos. Se chover 50% da média usual, teremos racionamento já no meio do ano, porque o período de seca começa em abril. Todas as medidas [ações recentemente anunciadas pelo governo para conter gastos] que estão sendo tomadas agora estão corretas, mas vêm com enorme atraso."
Enquanto isso, investimentos em outras tecnologias, como eólica e solar – há anos apontadas por especialistas como essenciais para lidar com a questão no País –, são escassos e vão demorar anos para surtir efeito.
"O cenário ruim já existe. A questão agora é como lidaremos com isso. No melhor dos cenários, será um 2015 de muitos sustos e alguns apaguinhos", avalia Dantas. "O racionamento já deveria ter começado em novembro. É simples assim: o Sudeste carrega o PIB do Brasil. Sem energia, veremos demissões na indústria e a própria queda do PIB. Melhor seria prevenir o desastre", conclui Silveira.