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Cidades
20/01/2018 09:17:00
Em estado de calamidade pública, Mairiporã é o símbolo de um País em pânico
Em estado de calamidade pública, Mairiporã, cidade com o recorde nacional de casos de febre amarela, é o símbolo de um País em pânico

IstoÉ/PCS

Maria Dolores, que perdeu o marido vítima de febre amarela, alerta para a importância do diagnóstico rápido (Foto: Fabio Braga)

”Alô? Não, a oficina não funciona mais porque o Anderson faleceu no dia 9 de janeiro.” Quem escuta a resposta de Maria Dolores Faria, 26 anos, dada a uma cliente por telefone, não imagina a via-crúcis que ela e o marido, Anderson Lopes Oliveira dos Santos, 31 anos, passaram até ele ser internado com suspeita de febre amarela.

Ele morreria vítima da doença, quatro dias depois, em Mairiporã, na Grande São Paulo. Rodeada pelo verde da Mata Atlântica e distante a apenas 47 km da capital, a cidade agora é conhecida como o epicentro do surto de febre amarela que atinge o País. De dezembro até a semana passada, foram registrados 57 casos suspeitos, 13 confirmados e 6 mortes. É o município brasileiro com maior número de vítimas nesse ano.

Mairiporã hoje é o símbolo de um País em pânico. O cotidiano na cidade de 95 mil habitantes é de medo, dor, luto pelas mortes confirmadas e angústia por aquelas que ainda não estão esclarecidas. Uma faixa logo na entrada avisa da campanha de vacinação e informa: “Febre amarela mata”. A frase está espalhada pela cidade. Na entrada dos parques, outros cartazes: “Esta é uma área de risco”. É só disso que se fala. “Muitos de nós conhecemos pessoas próximas que morreram. Estamos todos com medo”, afirma Maria Nassif, 59 anos, dona de uma banca de jornal no centro. No supermercado, na oficina, no posto de gasolina, no carrinho de cachorro-quente, a pergunta se repete: “Você já tomou a vacina?”

“As mortes estão nos deixando em clima de terror. Não tem como fugir dessa sensação” – Beatriz Souza, irmã de uma das vítimas

Maria Dolores fez a mesma pergunta a Anderson, ainda em 2017. Mas, até então não havia morte na cidade por causa da doença e sua gravidade não era tão clara quanto é hoje. Inclusive entre os médicos. Com dores no corpo e dor de cabeça, no dia 1º de janeiro Anderson procurou o hospital público Nossa Senhora do Desterro.

Foi medicado para rinite e sinusite. Não melhorou. Em um vai e volta de hospitais, Anderson passou por cinco médicos, que lhe diagnosticaram com infecção urinária, enxaqueca e gases. Foi só o quinto médico que exigiu a internação sob suspeita de febre amarela. “Quando me disseram que ele tinha falecido, saí correndo pelo hospital, entrei em seu quarto e abri seus olhos. Sofri demais”, relembra Maria. “É por isso que eu estou falando com você agora, para alertar sobre a necessidade de se fazer um diagnóstico mais rápido.”

Nisael de Oliveira, 41 anos, teve um atendimento mais eficiente. Mesmo assim, não suportou. Foi internado no dia 2 de janeiro e morreu no dia 8. O laudo final ainda não foi emitido, mas os sintomas apontam para febre amarela. “É difícil lembrar. Em um dia ele estava bem e de repente começou a passar mal e morreu”, diz a irmã, Beatriz de Oliveira Souza, 39 anos, auxiliar de escritório em um supermercado local. “As mortes estão nos deixando em clima de terror. Não tem como fugir dessa sensação.”

Por Mairiporã ser foco da doença, a campanha de vacinação foi intensificada desde o fim do ano passado. A disponibilidade atraiu moradores de outras cidades que queriam ser imunizados mais rapidamente. “Um erro”, afirma Denis Mendes, enfermeiro-chefe e gerente da Unidade Básica de Saúde Centro. “Aqui, o risco é maior por causa da área verde “, afirma.

Mendes viu a rotina da UBS mudar drasticamente. “Já passei três dias sem almoçar. Chegava de manhã e só comia de novo à noite.” Na quarta-feira 17, as 2 mil doses disponíveis para o dia terminaram antes do almoço. Pessoas invadiram o local exigindo a imunização. Um dia depois, o atendimento foi limitado a moradores de Mairiporã. Para entrar na UBS era preciso mostrar comprovante de residência. Os repelentes acabaram nos postos. A professora Heloiza Coimbra, 40 anos, teve de voltar duas vezes ao serviço de saúde para conseguir um frasco. “Peguei para os meus pais, que são idosos e não podem ser vacinados”, diz. “Pedi a eles que evitem sair de casa.”

Pontuada por chácaras, parques e sede de uma represa famosa, Mairiporã saiu da rota turística dessa temporada por causa do surto. Uma empresa de festas ao ar livre que possui um espaço em meio à mata teve três casamentos adiados. Praticantes de esportes outdoor também estão se precavendo, e o alerta vem dos próprios moradores. “Aviso os amigos e alunos: só venham vacinados”, afirma Luciano Lancellotti, da escola de bicicleta Cantareira Ride Bike School.

Nos clubes de campo, frequentados em grande parte por paulistanos, a movimentação também caiu. Marcello Santos, auxiliar administrativo do Petrópolis Tênis Clube, agora passa os dias ao telefone: “Recebo ligações de associados a todo momento perguntando como estão as coisas, se é seguro vir para cá.” Mairiporã, um destino cheio de vida e natureza, agora é uma cidade acuada.