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Ciência e Saúde
17/09/2025 17:02:00
Cirurgia põe dente no olho: como procedimento faz cegos recuperarem visão?

VB/PCS

Três pacientes canadenses se tornaram notícia no mundo todo no último mês após o hospital Mount Saint Joseph, de Vancouver, anunciar que eles recuperaram a visão por meio de uma cirurgia rara, que implantou um dente no olho. Entenda como funciona a técnica executada pelo médico australiano Greg Moloney.

O que aconteceu

Pacientes passaram por osteo-odonto-queratoprótese, um procedimento raro até hoje, embora inventado em 1960. A técnica de inserção de um dente no olho foi criada pelo oftalmologista italiano Benedetto Strampelli e aperfeiçoada nos anos 2000 por um grupo de cirurgiões italianos e austríacos. Seu protocolo padrão foi publicado na revista Cornea, em 2005.

A cirurgia é recomendada apenas para pacientes que têm fundo de olho saudável, mas sofreram dano severo na frente: a córnea. Por exemplo, ela seria indicada para casos de queimaduras químicas do tecido ou em cegueiras resultantes de reações autoimunes —em que o sistema de defesa do corpo do paciente "atacou" seu olho por engano.

Nestes cenários, médicos precisam de uma forma de restaurar a "janela" para o fundo de olho. É como trocar um para-brisa estragado de um carro, explicou o médico ao programa The Today Show, da rede americana NBC. O dente se torna uma peça para "segurar" a lente nova.

O médico Greg Moloney, cirurgião responsável pelo implante de dente-no-olho que restaurou a visão do trio canadense

Esta é a melhor opção para pessoas que não tiveram sucesso em transplantes de córnea ou não podem passar pelo procedimento por outros problemas de saúde. É o caso de quem tem condições autoimunes e, por isso, tem alto risco de rejeição. Como último recurso, a cirurgia dente-no-olho é ideal para quem é cego dos dois olhos, mas ainda têm nervo ótico e retina (o tecido do fundo de olho) saudáveis.

Dente serve como suporte para uma nova lente artificial —e o corpo não o rejeita por ser um tecido do próprio paciente. Trata-se de uma estrutura firme que pode sobreviver em um ambiente difícil e o corpo a "aceita". "É um tecido de ponte entre o corpo e a lente plástica que foca a luz", explicou o médico ao programa. "É como plantar um cacto no deserto. Esta coisa vai sobreviver e vai crescer."

Como a cirurgia é feita?

Na primeira etapa, um canino superior é removido da boca. O dente precisa ser saudável e grande "para que seja robusto o suficiente para sustentar a lente", explicou o cirurgião-dentista Ben Kang, que realizou a extração de um dos pacientes, Brent Chapman.

Dente foi serrado e polido com uma broca até que se tornasse plano e retangular; um buraco também foi feito no seu meio para que a lente fosse futuramente instalada ali. Após a construção desta estrutura de janela, o dente é limpo e preparado para a segunda etapa.

O canino então é implantado em uma "bolsa de gordura", dentro da bochecha do paciente. Ele fica guardado por três meses ali. Esta etapa é essencial para que o corpo produza um tecido —como uma pele— ao redor dele.

O dente já com a lente (Foto: Divulgação/Greg Moloney/Providence Health Care)

O tecido formado ao redor do dente durante seu "descanso" na bochecha é utilizado para costurar o dente dentro do olho do paciente. Ela é uma espécie de âncora, já que não seria possível costurar algo duro como um dente nos tecidos moles do olho.

Dente então é retirado da bochecha, recebe a lente e é costurado ao olho em uma segunda visita ao centro cirúrgico. O procedimento de uma das pacientes, Gail Lane, durou cinco horas.

A cirurgia do "dente-no-olho", como é apelidada, não é a estratégia mais comum dos médicos. Como o procedimento é adotado quando pacientes não respondem ao transplante de córnea, como mencionado acima, o médico Greg Moloney estima que apenas algumas centenas tenham sido realizadas nos últimos 65 anos.

Resultado é duradouro?

90% das pessoas que passaram pela cirurgia do "dente-no-olho" têm lentes funcionais e firmes, no mesmo local, após 30 anos. O dado é de diversos estudos com ex-pacientes, segundo Maloney.

Um dos pacientes, Brent Chapman, teria 50% de chance de reter o nível conquistado de visão (50% a 67% em um olho) nos próximos 30 anos. Ele já passou por 10 transplantes de córnea, mas apenas recuperou a visão por um tempo limitado. Brent é irreversivelmente cego de um olho, mas luta há anos para recuperar a visão no outro após a Síndrome de Stevens-Johnson, uma reação alérgica extrema a um remédio que o deixou em coma por 27 dias aos 13 anos.

Pareceu um pouco como ficção científica. Eu só pensei: 'Quem imaginou isso?'. É tão maluco. [Mas quando] Dr. Maloney e eu fizemos contato visual, foi muito emocionante.

Eu não tinha olhado ninguém no olho em 20 anos. Me senti eufórico, foi realmente fantástico. Brent Chapman, 34, um dos três pacientes de Vancouver

Chapman agora consegue ler e caminhar sem bengala. Ele também já voltou a jogar basquete.

Greg Moloney já tinha realizado oito cirurgias semelhantes na Austrália, sua terra natal. Ele foi recrutado pelo hospital canadense há quatro anos especialmente para realizar as primeiras "dente-no-olho" do Canadá .