VERSÃO DE IMPRESSÃO
Comportamento
12/02/2018 12:26:00
O pós-moralismo do casal que desviou o dinheiro do filho doente
Os pais de Jonatas são os exemplos mais radicais e caricatos de uma época que virou as costas para as regras de qualquer moral coletiva

Veja/PCS

Os atores André Gonçalves e Danielle Winits com os pais de Jonatas, Aline e Renato Openkoski (Foto: Facebook)

Para o filósofo australiano Peter Singer, “como gastamos o nosso dinheiro?” é uma pergunta que possui implicações éticas irrefutáveis. Para exemplificar suas ideias, ele criou a fábula do menino que está se afogando num lago coberto de lodo pegajoso.

Visto que o lago não é fundo para um adulto, qualquer pessoa consciente sacrificaria seus sapatos de marca para entrar no lodo e salvar a vida do menino. Por outro lado, pouquíssimas dessas mesmas pessoas estariam dispostas a usar sapatos mais simples para, com o dinheiro excedente, salvar a vida de crianças que, vivendo na miséria ou sofrendo de doenças raras, não têm acesso a alimentos ou medicação adequada.

— Por que não mudar essa lógica e gastar um pouco do que temos em caridade?

Deve ter sido esse o pensamento dos milhares que fizeram doações para Jonatas Openkoski, criança catarinense que sofre de uma doença degenerativa e precisa de 3 milhões de reais para o tratamento. Graças ao apoio de celebridades como Danielle Winits e André Gonçalves, as arrecadações chegaram a 4 milhões de reais.

Seria um final feliz se os pais de Jonatas não tivessem torrado uma parte da grana. Mudaram-se para uma casa chique, compraram um carro de luxo e foram passar o réveillon em Fernando de Noronha. Os detalhes do caso podem ser encontrados na matéria publicada pela Veja desta semana.

Renato postou foto de Jon para pedir mais dinheiro, para festa de 1 ano de vida. (Foto: Arquivo pessoal)

Como é possível explicar que pais, mesmo jovens, tenham agido dessa maneira? É pouco provável que Peter Singer tenha uma resposta segura para a questão. Por isso vamos transferir a pergunta a outro filósofo, o francês Gilles Lipovetsky, um dos principais teóricos do que poderíamos chamar de “pós-moralismo”, período meio real e meio ideal em que viveríamos livres da onisciência de um Estado e de um Deus que nos obrigam a agir conforme as regras de uma moral coletiva. Os pais de Jonatas, nesse sentido, seriam os exemplos mais radicais e caricatos de uma tendência contemporânea global.

Desde o fim do século XX, segundo Lipovetsky, teríamos autonomia para criar a nossa própria moral e assim nos voltarmos a um individualismo que, através do consumo desenfreado, obedece a uma única e solitária lei: a satisfação irrestrita dos desejos individuais.

Pouco importam as questões éticas envolvidas, sepultadas que foram pela superação do existencialismo sartreano. O narcisismo e o egocentrismo do nosso tempo não encontram culpas capazes de impedir os excessos mais irritantes. O resultado está aí, essa ingenuidade meio cara-de-pau que se alastra pelo mundo. Deve ser por isso que os pais de Jonatas compartilharam fotos das férias e do carrão.

Seria bom adaptarmos o raciocínio de Peter Singer à nossa década. A pergunta que possui implicações éticas irrefutáveis é: “como gastamos o dinheiro… dos outros”?