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Coxim
08/03/2018 09:40:00
“Deus me deu uma nova chance para reescrever minha história”, diz líder comunitária
A mensagem que Indiamara deixa é para as mulheres estudarem, porque ninguém pode tomar um diploma e é ele que vai abrir as portas para a realização de qualquer sonho.

Sheila Forato

Todo dia 8 de Março o Edição MS escolhe uma personagem para contar sua história em homenagem ao Dia Internacional da Mulher. Em 2018 escolhemos a líder comunitária Indiamara Santos Almeida ou Indiamara Vendruscolo, de 37 anos, depois que ela escreveu em um grupo de whatsapp: “Deus me deu uma nova chance para reescrever minha história”. E que história...

Foto: Arquivo Pessoal

Foram 2 anos, 4 meses, 17 dias e 36 minutos na cadeia, tempo dividido entre os Estabelecimentos Penais de Coxim e São Gabriel do Oeste por conta do tráfico de drogas praticado em Coxim. Indiamara afirma que a cadeia é uma escola do crime, porém, desde que foi presa ela jurou sair daquela vida.

Ela 24 anos, duas filhas, uma já adolescente e uma com pouco mais de um ano. Por conta do círculo de amizade um dia resolveu experimentar a cocaína, mas não curtiu. O mesmo aconteceu com a maconha, ainda na adolescência. Como as duas primeiras drogas não tinham feito sua cabeça, a líder comunitária resolveu experimentar a pasta base.

“A, essa te apaixona, é viciante. Em pouco tempo te deixa dependente e quando percebi estava totalmente entregue. Me afastei da família, dos amigos que não eram usuários, dos filhos, de tudo. Mergulhei profundamente e cheguei ao fundo do poço, mas eu tinha algumas opções. Tentei o primeiro “C”, a comunidade. Me tratei, mas com seis meses tive recaída. Depois fui para o segundo, a cadeia, e foi lá que jurei para mim mesmo que não chegaria no terceiro “C”, o cemitério, por conta das drogas”, lembra Indiamara.

Conforme a líder, tudo começa com círculos de amizade, não que alguém te obrigue usar drogas, mas, desperta sua curiosidade e quando a pessoa percebe já é tarde. “Você usa hoje, ai volta usar daqui um mês, depois reduz para 15 dias, uma semana e sem notar passa a se drogar diariamente, várias vezes num dia”, explicou.

Como Indiamara não tinha dinheiro para bancar seu vício e nunca cogitou cometer crimes para sustentá-lo, como roubar, ela acabou se envolvendo com um traficante. Ela conta que não faltava drogas, mas, em contrapartida, a líder tinha de ajudar na comercialização do entorpecente, foi quando caiu por tráfico.

Escola do crime

Sempre soubemos que a cadeia no Brasil não cumpre sua função, que é reeducar quem cometeu crimes. Indiamara confirma essa constatação, principalmente por conta de algumas situações que acontecem dentro da própria cadeia. No caso dela, o primeiro desafio veio com três dias.

“Fui para uma cela com 16 presas, que deram início a uma rebelião, pois não queriam uma presa que cometeu crime hediondo na unidade. A ordem era ficar sem comer. Eu tinha acabado de chegar, tava analisando todo o sistema e ia ficar contra o sistema? E quem ia garantir minha integridade física dentro dessa cela?”, questionou.

De acordo com ela foram dois dias sem comer e o início de motim que custou mais uma acusação para todas detentas, 10 dias no isolamento vendo o sol nascer quadrado e 60 dias separadas. A defesa da líder comunitária conseguiu provar sua inocência, neste caso, mas ela considera uma acusação injusta, que poderia ter causado revolta e a feito se entregar para o mundo do crime. Porém, ela afirma que continuou firme e forte.

Foto: Arquivo Pessoal

A ressocialização

Talvez tenha sido o maior desafio da vida de Indiamara. “Nunca me faltou amor, mas reconquistar a confiança da família não é fácil. Só quem passou por isso consegue imaginar. Os olhos do mundo passam a te olhar com desconfiança. Você tem que cuidar como fala, o que faz, calcular cada passo para reconquistar cada um. O mesmo vale para amigos, pois, infelizmente, ainda existe muita discriminação”, disse sob forte emoção.

Mas, essa mulher guerreira, de fibra, não desanimou. Uma líder nata que se encorajava todos os dias para reescrever sua história. E um dia por vez foi mostrando que conseguia, principalmente à família. Com pouco tempo encontrou um amor, Fábio Alves, que também foi crucificado por assumir a relação com uma ex-drogada.

Contudo, eles foram batalhando juntos, dia após dia, numa relação que já dura quase meia década e os abençoou com o pequeno Arthur de dois anos. Ela resolveu estudar, está se formando em pedagogia, também fez cursos técnicos que lhe garantiram uma profissão e afirma que o céu é o limite. “Não vou parar. Ainda vou ser doutora. Escreve aí”, pediu.

E nós, do jornalismo do Edição MS, pedimos licença a você para dizer que nós acreditamos, Indiamara, futura doutora.

A mensagem

Ao finalizar a entrevista, que nos rendeu material para outras pautas, a líder comunitária, que é a voz do bairro Santa Maria em Coxim, deixou sua mensagem para todas as mulheres: “Não importa a situação que você está vivendo neste momento. Não espere por ninguém. Só você pode mudar a sua história. Eu não falo só para mulheres que estão passando por o que eu passei, mas, para aquelas que estão infelizes nos estudos, no trabalho e até mesmo no casamento. Mulheres que são privadas, de todas as formas, não permita isso. Vá estudar, porque ninguém pode tomar o seu diploma e é ele que vai abrir as portas para a realização de seus sonhos. Nunca esqueça que o céu é o limite”, finalizou Indiamara.