VERSÃO DE IMPRESSÃO
Meio Ambiente
13/02/2024 11:27:00
Liberar caça foi um 'tiro pela culatra': controle dos javalis desafia o Brasil

UOL/PCS

Ao encontrar um rastro de javali em uma propriedade rural no interior de Santa Catarina, os caçadores do Limpa Querência soltam os cachorros para rastrear o animal, considerado uma das 100 piores espécies exóticas invasoras do mundo. Quando os cães conseguem encurralar alguns indivíduos do bando de porcos selvagens, formado geralmente por um macho, algumas fêmeas e vários filhotes, os homens os abatem a tiros. Em 2023, o grupo de caça eliminou 237 indivíduos.

Os dados mais recentes do Ibama mostram que 333 mil javalis foram abatidos entre abril de 2019 e agosto de 2021. Só em 2022, o número saltou para 465 mil. Após suspender novas autorizações para o controle da espécie em julho passado, para adequar as regras ao novo decreto sobre armas, as análises voltaram a ser realizadas no fim de dezembro.

Animal nativo da Europa e da Ásia, o javali tem causado estragos na fauna e na flora brasileira e prejuízos em propriedades rurais e pode se tornar um problema de saúde pública. De acordo com estudo recente da UFPR (Universidade Federal do Paraná), a liberação da caça ao animal, em 2013, foi um verdadeiro tiro que saiu pela culatra: está contribuindo para disseminar ainda mais o animal pelo território nacional. Os últimos dados disponíveis mostram que o animal foi registrado em 2.010 municípios em 2022 —em 2016, eram 489.

Javalis se espalham pela ação humana

A pesquisa da UFPR, publicada no periódico One Health, se baseou nos registros da existência do animal em todas as regiões e biomas brasileiros. "O javali está indo para onde tem caça, ou seja, sua disseminação é feita de forma criminosa. Não tenho dúvida, porque ele está 'saltando' pedaços de terra para aparecer só onde tem mais caça ou perto das fazendas de caça", afirma o médico veterinário Alexader Biondo, um dos autores do estudo.

Ele conta que fenômeno semelhante ocorre nos Estados Unidos. "Como o animal naturalmente caminha pela terra, seria preciso ter a notificação da existência dele em todos os lugares, espraiando-se como nuvem. Mas isso não acontece. Por quê? Porque eles caçam o macho e prendem. Então, soltam a fêmea em outros lugares e levam os filhotes para criar em casa e soltar em outros lugares", explica Biondo. Não por coincidência, esse espalhamento obedece à malha rodoviária, conforme ressalta o pesquisador.

No relatório final do chamado Plano Javali, do Ibama, fica claro que as autoridades ambientais estão cientes do problema. O texto, de fevereiro deste ano, coloca entre os principais desafios o controle das "vias de introdução e dispersão", citando "as criações clandestinas" e "a soltura para caça".

O documento também afirma que, embora possa "parecer paradoxal" é preciso reforçar "ações de combate a caça" e que urge provocar uma "mudança na percepção da presença do javali como oportunidade de lazer e seu uso como bandeira pró-caça e pró-armas".

Controlador ou caçador

Lembrando que esses animais são extremamente perigosos, pessoas já foram atacadas por esses animais

André Corrêa dos Santos, de 39 anos, produtor rural de Capão Alto (SC), já sentiu os impactos dos javalis em sua propriedade. Em outubro de 2023, os animais comeram o adubo usado na plantação.