CE/PCS
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) mandou o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) reavaliar a autorização para desmatar 20,5 mil hectares — área superior à zona urbana de Campo Grande — na Fazenda Santa Mônica, localizada no Pantanal do Paiaguás, uma das maiores microrregiões do bioma, no município de Corumbá, perto da divisa com o Estado de Mato Grosso.
A licença a ser reavaliada pelo TJMS foi concedida em 2017 pelo Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (Imasul) para supressão vegetal e substituição da pastagem e mata nativa por pastagens exóticas ao bioma.
A fazenda, na época da concessão da licença, pertencia ao produtor rural de Maracaju (MS), Elvio Rodrigues. Na ocasião, o Ministério Público de Mato Grosso do Sul apontou 21 irregularidades no licenciamento ambiental e alertou para danos irreversíveis ao bioma pantaneiro ao entrar com ação para anular os efeitos da licença emitida pelo Imasul.
Depois de obter vitórias no fim da década passada, em 1ª instância, em Corumbá, e também em 2ª instância, em corte colegiada do Tribunal de Justiça, a licença para desmatar os 20,5 mil hectares da fazenda — de pouco mais de 24 mil hectares — só foi possível por meio de um instrumento de uso incomum na Justiça, o pedido de suspensão de liminar (PSL), uma espécie de “bala de prata”, em que o governador endereça aação diretamente ao presidente do Tribunal de Justiça.
O governador da época, Reinaldo Azambuja (PL), ajuizou o pedido, via Procuradoria-Geral do Estado (PGE), ao presidente do Tribunal de Justiça de MS naquele mesmo período, Divoncir Schreiner Maran, que suspendeu as liminares concedidas em 1ª e 2ª instâncias e validou a licença emitida pelo Imasul.
Para justificar o uso de um mecanismo tão raro, o governo do Estado, por meio da PGE, alegou que o Imasul perderia, por ano, R$ 7 milhões em taxas pagas para emissão de licenças ambientais, se tal decisão administrativa fosse suspensa pela Justiça.
A licença emitida pelo Imasul em 2017 ainda produz efeitos, muito embora a legislação que a embasava — um decreto de 2015, considerado por ambientalistas como um catalisador do desmatamento no Pantanal — tenha perdido efeito em 2023, ano em que o atual governador, Eduardo Riedel (PP), sancionou a Lei do Pantanal, que muda os critérios para supressão vegetal no bioma.
Na Operação Vostok, desencadeada em setembro de 2018, Elvio Rodrigues, proprietário da fazenda, chegou a ser preso temporariamente. Na época, a Polícia Federal suspeitava que a propriedade (que custou mais de R$ 25 milhões à época) teria sido pagacom propina do grupo JBS.
Reviravolta
O STJ, em decisão do ministro Benedito Gonçalves, relator do caso, atendeu recursos e pareceres dos Ministérios Públicos de Mato Grosso do Sul e Federal e mudou entendimento anterior.
Ele reconheceu omissão no julgamento pelo TJMS e determinou a devolução dos autos à corte local para nova apreciação.
“Reconsidero a decisão de fls. 4.172/4.174 e conheço do agravo e dou provimento ao recurso especial, para, consoante o parecer ofertado pelo Ministério Público Federal, anular o acórdão dos embargos de declaração e, por conseguinte, determinar o retorno dos autos ao tribunal de origem, a fim de que seja realizado novo julgamento, com o expresso enfrentamento das questões suscitadas”, concluiu o relator.
Os problemas identificados incluem riscos irreversíveis ao ecossistema pantaneiro, falhas no licenciamento e ausência de medidas adequadas para mitigação e compensação dos impactos ambientais.
Reportagem do Correio do Estado de 2018, feita com informações do Núcleo de Georreferenciamento do MPMS, mostrou que os proprietários haviam feito uso da licença em meio ao imbróglio jurídico e desmatado a propriedade.
Na época, menos de um ano após a emissão da licença, pelo menos 855 hectares de vegetação nativa haviam sido derrubados na fazenda.