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Política
27/05/2017 08:48:00
Maria Silvia teria se antecipado à decisão do governo de exonerá-la, dizem fontes

O Globo/LD

Menos de um ano após assumir a presidência do BNDES, Maria Silvia Bastos Marques pediu demissão ontem. Alegando decisões pessoais, ela surpreendeu o Palácio do Planalto, ao anunciar diretamente ao presidente Michel Temer que deixaria o cargo numa reunião marcada de última hora. Segundo fontes, ela teria se antecipado a uma decisão do governo de exonerá-la porque avaliou que isso poderia ser anunciado em pouco tempo.

Horas depois, o governo anunciou que o atual presidente do IBGE, Paulo Rabello de Castro, amigo do presidente Michel Temer e um nome mais próximo do empresariado, assumirá o comando do BNDES na próxima semana.

Maria Silvia estava sob forte críticas dos empresários, que reclamavam de dificuldades para obter financiamentos em plena recessão. Com o ajuste fiscal, o governo reduziu a atuação do BNDES na economia e restringiu a oferta de crédito no mercado. Mesmo com sobra em caixa, o banco terminou o ano de 2016 com desembolso de R$ 88,3 bilhões, o menor patamar desde 2007. Os números deram munição ao PIB industrial, acostumado a receber crédito subsidiado, para criticar a gestão de Maria Silvia, que tomou posse em 1º de junho do ano passado. Críticas que sempre respondeu dizendo que a indústria estava ociosa e que a queda nos desembolsos se devia à menor disposição dos empresários para investir.

‘NÃO CORRESPONDEU À EXPECTATIVA’

Ontem, a avaliação da área econômica foi que Maria Silvia saiu por uma combinação de desapontamento por não estar fazendo diferença em meio à crise política e irritação com as críticas. Ela também, segundo interlocutores da Fazenda, teria querido deixar o cargo “antes de o barco afundar”. Ministros de Temer admitiram que as queixas dos empresários pesaram na sua saída. O governo estava satisfeito com os números do banco, mas não com os indicadores da economia, com o desemprego:

— Neste caso especificamente, ela não correspondeu às expectativas de pujança, do empreendedorismo do banco para gerar empregos — disse um ministro.

A gota d’água para a insatisfação dos empresários foi o anúncio do fim da TJLP, taxa de juro de longo prazo a que está atrelada boa parte dos financiamentos do banco e que, na prática, torna esses créditos subsidiados. A TJLP é fixada abaixo da Selic, taxa básica de juros. No fim de março, o BNDES anunciou que ela seria substituída pela Taxa de Longo Prazo (TLP), que ficará mais próxima ao juro de mercado. A transição será feita em cinco anos, contados a partir de 2018.

— Foi um ponto que irritou muito o empresariado. Ela bateu de frente com empresários que estão acostumados ao paternalismo estatal, que, na verdade, é uma das facetas da corrupção — disse uma fonte próxima à ex-presidente do BNDES. Outros interlocutores do presidente Michel Temer também afirmaram que a pressão de setores do empresariado e até de parlamentares ligados à área econômica aumentou nos últimos 15 dias, embora já durasse meses. As insatisfações eram levadas a ministros e até ao próprio presidente, e a resposta era sempre que Maria Silvia era a responsável por administrar as questões.

À frente do BNDES, Maria Silvia revisou a política operacional do banco, criando metas para avaliação dos projetos que recebiam financiamento e condicionando o apoio financeiro a projetos e não a setores como fazia o banco na gestão anterior. Com Luciano Coutinho à frente, o BNDES adotou a política dos chamados “campões nacionais”, que recebiam crédito barato para se tornarem multinacionais de bandeira verde e amarela e competirem no mercado global. A JBS foi uma das beneficiadas dessa política.

Maria Silvia também recolocou o banco no protagonismo do programa de privatizações do governo, lançando a iniciativa em novas áreas como saneamento, iluminação pública, gás natural e distribuição de energia.

Horas depois do anúncio da saída da executiva, o Palácio do Planalto divulgou uma nota elogiosa dizendo que seu trabalho no banco “moralizou” o setor, “despolitizando” o relacionamento com o empresariado, que fazia críticas constantes à gestão da executiva. Ele disse que o trabalho da ex-presidente do BNDES foi feito de forma “honesta, competente e séria”.

Outro ministro da cúpula do governo disse ao GLOBO que a saída foi “quase natural”. Segundo ele, Maria Silvia vinha sendo alvo de fortes pressões do mercado e também do Tribunal de Contas da União (TCU), que decidiu, dias antes de divulgada a delação do empresário Joesley Batista, abrir uma tomada de contas especial para investigar suposto favorecimento ao grupo JBS por parte do BNDES, em operações aprovadas nos governos Lula e Dilma, ou seja, antes de a executiva assumir o banco.

— Muita pressão sobre ela: mercado, TCU, investigações.... — afirmou esse ministro.

Além disso, o Palácio do Planalto passou a demonstrar insatisfação com a posição de Maria Silvia após a Operação Bullish da Polícia Federal, que investiga suspeita de fraudes em operações do BNDES com a JBS. Maria Silvia teria saído em defesa do corpo técnico do banco em vez de “trazer à tona” todas as transações, segundo um interlocutor de Temer.

PRESSÃO DOS FUNCIONÁRIOS

A ex-presidente do BNDES, por sua vez, era pressionada pelos funcionários, que cobravam uma defesa mais enfática dos critérios técnicos usados para validar as operações questionadas pela PF e pelo TCU. Na Operação Bullish, mais de 30 funcionários do banco foram levados coercitivamente a depor. Houve várias manifestações na sede da instituição e cartas abertas foram publicadas na internet pedindo que a diretoria do BNDES defendesse seu corpo técnico.

Pessoas próximas a Maria Silvia disseram que sua saída, ontem, foi uma surpresa. Ela estava empenhada e tinha expediente normal na sexta-feira, com vários encontros, contou uma fonte. Só no fim da manhã, a agenda foi alterada com a inclusão da audiência com Temer. Após o encontro, Maria Silvia voltou para o Rio no voo 3029 da Latam, que aterrissou no Santos Dumont às 19h57m. Perguntada sobre as razões de sua saída na área de desembarque do aeroporto, ela prefiriu ficar em silêncio.

Considerada uma gestora eficiente pelo mercado, Maria Silvia presidiu a CSN e a Icatu Seguros. Também foi secretária municipal de Fazenda do Rio de Janeiro, entre 1993 e 1996, e, mais recentemente, entre 2011 e 2014, comandou a Empresa Olímpica Municipal.