Terça-Feira, 2 de Dezembro de 2025
Meio Ambiente
02/12/2025 06:09:00
Mistério na cadeia alimentar: por que jacarés não comem capivaras?
A improvável convivência entre capivaras e jacarés revela como a evolução equilibra riscos, defesa e oportunidades no mundo selvagem

CNN/PCS

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A convivência pacífica entre capivaras e jacarés segue um princípio de economia de energia, no qual predadores evitam ataques arriscados quando há presas mais fáceis disponíveis (Foto: Getty Images)

Um dos animais silvestres mais simpáticos do Brasil, e de toda a América do Sul, a capivara (Hydrochoerus hydrochaeris) é extremamente adaptável, podendo ocorrer tanto em ambientes altamente alterados pelo ser humano quanto em áreas naturais preservadas.

Nada parece abalar a personalidade tranquila do grande roedor que, quando vê seu habitat natural ameaçado, muda-se com sua família extensa para lagos, canais e parques urbanos de cidades próximas. Nesses lugares, as capivaras encontram comida, abrigo e amizade; tanto que foram adotadas como símbolos de cidades como Juiz de Fora e Belo Horizonte.

Contudo, mesmo com todo esse acolhimento nas áreas urbanas, a capivara não perdeu sua pegada silvestre, e continua ocupando uma ampla variedade de ecossistemas naturais ao longo de rios, lagos, represas e pântanos, sendo abundante em matas próximas a pequenos rios e em áreas periodicamente inundáveis.

Nessas áreas úmidas, uma cena corriqueira, porém incomum, chama a atenção de turistas e zoólogos, e desafia a própria cadeia alimentar: capivaras descansando tranquilamente a poucos metros de jacarés, os temidos predadores daquelas águas.

A bióloga Elizabeth Congdon, professora na Universidade Bethune-Cookman, na Flórida (EUA), conta ao IFLScience que já flagrou as duas espécies dormindo lado a lado em seu habitat, na Venezuela. Essa imagem de um roedor suculento ignorado por um réptil carnívoro levanta uma questão intrigante: por que os jacarés não atacam as capivaras?

Jacarés e capivaras: um pacto de não agressão?

Em entrevista ao portal de notícias científicas, Congdon confirma que é raríssimo observar jacarés caçando capivaras na natureza. Para a especialista nesses roedores, os jacarés não estão sendo amistosos quando não atacam suas presas gordinhas; eles estão, na verdade, se autopreservando.

Embora pareçam, de longe, dóceis e relaxadas, as capivaras adultas podem ser implacáveis quando encurraladas. O arsenal de defesa desses roedores “fofos” inclui dentes frontais grandes e afiados, capazes de causar ferimentos graves. Combinada com seu tamanho robusto, essa característica não compensa o risco... para o predador.

"Elas não valem o esforço e o risco de ferimentos", explica a dra. Elizabeth. Congdon. Em outras palavras, os jacarés preferem presas mais fáceis de capturar, como peixes, principalmente quando há muito alimento no habitat. A exceção à regra são os filhotes de capivara, vulneráveis a diversos predadores.

Jacarés, outros carnívoros e até aves de rapina não têm nenhuma dúvida ou pudor quando o cardápio inclui pequenos filhotes rechonchudos, o que significa que a sobrevivência da capivara depende muito de atingir a maturidade, que varia entre 10 e 12 meses no caso de animais em liberdade.

Seja como for, as estratégias de adaptabilidade de H. hydrochaeris parecem estar funcionando, pois a espécie continua classificada na categoria "pouco preocupante de extinção" na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN).

A lógica natural: poupar energia e esforço

O fato de os jacarés se absterem da saborosa carne de capivara em detrimento de presas mais fáceis que estejam disponíveis mostra apenas que a seleção natural tende a otimizar energia e esforço. Ou seja, a predação não envolve apenas força bruta, mas também de economia de esforço para os predadores.

Mas é importante destacar que esse equilíbrio provisório não é uma relação de simbiose ou amizade entre capivaras e jacarés. Os riscos continuam existindo, e não só para os filhotes. A aparente tolerância dos predadores aquáticos depende muito da disponibilidade de alimento na região.

Isso significa que, se as presas mais fáceis se tornarem escassas, os roedores grandes poderão se tornar uma opção mais atraente. Além disso, essa convivência pacífica não é universal — pode variar conforme a espécie de crocodiliano (jacarés, crocodilos, gaviais) e o habitat.

No lento processo da seleção natural, a dinâmica evolutiva não se resume a uma simples escolha entre “comer ou ser comido”. Muitas vezes, o comportamento dos animais funciona como um jogo de xadrez, no qual o benefício de um almoço é avaliado contra o custo de um ataque mal-sucedido.

No caso específico da capivara, sua anatomia — especialmente os dentes grandes e afiados — serve não apenas para cortar grama, mas também como um mecanismo eficaz de defesa. A combinação lhe garante boas chances de sobreviver tranquilamente, mesmo que seja dormindo com o inimigo.

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