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12/03/2017 10:41:00
Às vésperas das eleições, Holanda surpreende com avanço da extrema-direita

O Globo/LD

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Na contramão da sua tradição histórica, conhecida por receber judeus que fugiam da perseguição nazista e como um país progressista e liberal, a Holanda acompanha com suspense a expansão da extrema-direita e do racismo, o que pode ganhar contornos ainda mais fortes com a possível eleição de Geert Wilders, candidato do Partido da Liberdade (PVV), na próxima quarta-feira. Ao contrário de outros países onde a extrema-direita cresce, a Holanda não sofreu um atentado terrorista, não tem uma alta taxa de desemprego nem enfrenta uma crise econômica, daí a surpresa com o descontentamento da população com os partidos tradicionais e o impulso que o movimento vem tomando desde o início do século.

Embora todos os partidos, inclusive o conservador do primeiro-ministro Mark Rutte (DVV), já tenham recusado de antemão qualquer tipo de aliança com Wilders, uma vitória do PVV é vista por analistas políticos como ameaça para a União Europeia. Não só pelo fato de o candidato defender a saída do país do bloco como porque poderia causar reflexos nas eleições francesas, em abril.

— O sucesso da extrema-direita na Holanda é um enigma que desperta, de novo, muitas indagações sobre a identidade nacional do povo holandês — lembra o escritor Geert Mak.

A enorme popularidade do político, que tem como principal meta o fechamento das fronteiras contra a entrada de imigrantes, é vista como uma contradição, ainda mais porque trata-se de um país que deve a sua riqueza à indústria de exportação, com crescimento do PIB e baixa dívida externa. Apesar disso, muitos citam a imigração — e o temor de perder seu emprego para estrangeiros — para justificar o voto em Wilders.

— Os eleitores da extrema-direita não são os pobres no sentido clássico, mas aqueles que têm medo de ficar pobres — afirma Philipp Krämer, cientista político da Universidade Livre de Berlim.

Os analistas estão divididos sobre se o racismo e a xenofobia aumentaram em consequência de Wilders ou se ocorreu o contrário, ou seja, o candidato é um produto dessa mudança. Para a antropóloga e socióloga Gloria Wekker, da Universidade de Utrecht, autora do livro “White innocence” (“Inocência branca”), o racismo é produto da própria cultura colonial, embora tenha piorado nos últimos anos com novos elementos.

— O racismo faz parte da história do passado colonial holandês e do presente — diz a especialista.

Para Wekker, nascida em Paramaribo, capital do Suriname (ex-Guiana Holandesa), há 67 anos, o que mudou foi o alvo da discriminação. Antes, eram os imigrantes das ex-colônias que precisavam conviver com o racismo, sem que o problema fosse abordado diretamente. Hoje, há também uma reação contra os muçulmanos, que já representam 5% da população.

— O racismo nunca deixou de fazer parte da sociedade holandesa. Os séculos de história colonial deixaram suas marcas. O que mudou foi que o racismo ficou mais ostensivo — diz.

Já o filósofo Luuk van Middelaar observa uma mudança brusca nos últimos 20 anos, o que tornou o fenômeno Geert Wilders possível.

— Tudo começou com o assassinato do político Pim Fortuyn e do cineasta Theo van Gogh — aponta Middelaar.

Fortuyn — assassinado em 2002 por um holandês que o via como ameaça aos direitos das minorias — liderava um partido anti-imigração e criticava o crescimento da população muçulmana no país. Nessa época, começavam a se formar comunidades de estrangeiros nas periferias das grandes cidades, como em Zuidoost, no Sudoeste de Amsterdã. Dois anos depois, o cineasta Theo van Gogh, que também criticava a imigração muçulmana, foi morto por um holandês de origem marroquina.

Em um país de 17 milhões de habitantes, sendo que 19% são allochthon (pessoas de origem estrangeira), o abismo entre as etnias tornou-se cada vez maior. Para conter a extrema-direita, o governo começou a atender exigências. Da antiga política liberal de imigração, surgiu uma das mais rigorosas da Europa.

— Os imigrantes são hoje tratados como gente de segunda classe — critica Selcuk Öztürk, filho de turcos e cofundador do Denk (pense), partido dos imigrantes.

Para alguns, a xenofobia seria resultado também de um déficit de identidade nacional. Como disse certa vez a rainha Máxima, argentina casada com o rei Willem Alexander, o país, como uma fonte de identidade nacional, não existe. Ainda princesa, ela afirmou que o Norte é quase escandinavo; o Leste, meio alemão; Maastricht, francesa; enquanto as cidades de Randstad se identificam com o litoral atlântico.

— Com a globalização e o neoliberalismo, os holandeses voltam a tentar descobrir uma resposta para uma pergunta antiga: quem somos nós — diz o escritor Geert Mak, autor de “Pânico moral”.

Segundo Carola van Rihn, da NBTC Holland Marketing, muitos imigrantes já começaram a deixar o país com medo do efeito Wilders.

Lodewijk Asscher, vice-premier e candidato do Partido do Trabalho (PvdA), que encolheu em proporção igual à do crescimento da extrema-direita, observa que o país mudou nos últimos anos. Seu bisavô era Abraham Asscher, comerciante de diamantes que durante a ocupação nazista foi obrigado a organizar a deportação de outros judeus, como Anne Frank, a adolescente que ficou conhecida através do seu diário.

“Poderíamos dizer que a História se repete. De novo, os social-democratas perdem com uma coalizão de governo mal sucedida”, escreveu o jornal judaico “Jüdische Allgemeine”.

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