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Polícia
15/02/2019 14:16:00
Transferência para presídios federais isolou 1º e 2º escalões de facção de SP, diz promotor

G1/LD

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O promotor responsável por pedir à Justiça a transferência de 22 líderes do Primeiro Comando da Capital (PCC) para presídios federais em outros estados disse ao G1, nesta quinta-feira (14), que a remoção isolou o primeiro e o segundo escalões da facção criminosa que atua dentro e fora dos presídios, com ramificações internacionais. Lincoln Gakiya disse acreditar que não haverá retaliação por parte do crime organizado. "O Estado se preparou. A inteligência vem se preparando. As polícias estão posicionadas", avalia.

O promotor afirmou também na entrevista que:

  • Os chefes da organização foram surpreendidos com a transferência;

  • Marcola terá dificuldades para seguir no comando da organização criminosa;

  • A facção não irá acabar.

“Seria muita pretensão da nossa parte. O que eu acho é que essa geração de líderes pode ser modificada”, afirmou Gakiya, que atua no Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público (MP) em Presidente Prudente, interior de São Paulo.

As declarações foram dadas no dia seguinte à remoção de Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, e mais 21 integrantes da facção. Os criminosos foram levados de unidades prisionais paulistas para penitenciárias federais em Mossoró, no Rio Grande do Norte, Brasília (DF), e Porto Velho, em Rondônia.

A megaoperação de transferência foi autorizada pela Justiça e envolveu representantes do MP e de forças de segurança do governo paulista, além das forças armadas.

O motivo da transferência? O grupo foi acusado por Gakiya de planejar seu resgate e de outros membros onde estavam detidos em São Paulo. Eles ainda são acusados de planejar ataques criminosos em outros estados.

Gakiya, que investiga o PCC desde o começo dos anos 2000, está há 10 anos sob escolta policial 24 horas por dia por causa das ameaças de morte recorrentes que recebe. As últimas vieram no ano passado, quando a facção soube que ele pretendia pedir a transferência das lideranças.

A ideia inicial, lembra o promotor, era de que a transferência ocorresse após as eleições, realizadas em outubro, mas isso também não foi possível. “Porque a polícia estava toda mobilizada para garantir as eleições”, lembra em entrevista por telefone ao G1. “Fazer uma remoção desse porte com eleições seria arriscado.”

Veja abaixo trechos da entrevista que o promotor, considerado inimigo público número 1 pela facção, deu ao G1:

G1 - O que o senhor gostaria de falar agora?

Lincoln Gakiya - O importante era manter o efeito surpresa. Uma remoção dessa natureza implica muitos riscos. Nunca foi feita na história do estado de São Paulo. Decidimos fazer isso em outubro e os presos só saberiam da remoção quando ela nitidamente se concretizasse. O fato é que o pedido acabou vazando para a imprensa.

G1 - Isso atrapalhou?

Lincoln Gakiya - Atrapalhou muito porque, veja, a partir daí os presos tomaram ciência de que o estado, no caso o Ministério Público, pretendia removê-los. Então dá tempo para você se preparar, passar o comando para outros integrantes. Mas a gente acabou superando isso e conseguimos agora em fevereiro, quando achavam que isso não seria mais feito, conseguimos concretizar essa remoção. Então de certa maneira os presos acabaram sendo surpreendidos pela remoção. Nesses 15 já está o primeiro e segundo escalão, mais os 7. Está meio misturado ali.

"Praticamente toda liderança imediata do PCC, ela foi removida."

G1 - Essa liderança tinha quais funções?

Lincoln Gakiya - Todas as ações de coordenação, de comando, dessa organização criminosa eram feitas pela 'sintonia final' a mando do Marcola. E o que era decidido ali, no colegiado, passava por 'sintonias gerais', que é o segundo escalão, e alguns presos também que assumiriam essas funções também acabaram removidos. A gente conseguiu detectar quais seriam esses presos que iriam ficar no lugar do Marcola e dos demais, e a gente removeu o grupo.

G1 - Por que demorou tanto tempo essa transferência?

Lincoln Gakiya - A transferência não é uma operação simples. Ela depende primeiro de ajustes com o governo estadual, Secretaria da Segurança Pública [SSP] e Secretaria da Administração Penitenciária [SAP], porque envolve todo o sistema penitenciário, 230 mil presos no estado todo. Envolve a segurança pública também. Então, nós não podíamos agir de uma maneira isolada. Desde o início da descoberta desse plano, nós do Ministério Público já fizemos tratativas com o governo estadual, pelas secretarias da Segurança e da Administração da época, para que essa remoção fosse feita o mais rápido possível.

"Havia o risco iminente de resgate, inclusive com o deslocamento aqui de centenas de policiais para a região."

Então, o ideal é que essa remoção fosse feita o mais rápido possível. Nós tivemos aí durante as tratativas as eleições, no primeiro e segundo turnos, que acabaram atrapalhando também um pouco os planos de remoção, porque a polícia estava toda mobilizada para garantir as eleições. Fazer uma remoção desse porte com eleições seria arriscado.

G1 - A ideia era fazer a remoção no período das eleições?

Lincoln Gakiya - Logo depois das eleições.

G1 - Qual o pedido de transferência para os 15 presos?

Lincoln Gakiya - Os 15 por conta de liderar organização criminosa e havia risco de serem resgatados. Marcola, o irmão dele.

G1 - O plano de resgate foi descoberto por quem?

Lincoln Gakiya - Pela Secretaria da Administração Penitenciária e por nós também, pela inteligência do Ministério Público.

G1 - E os outros sete são por qual motivo?

Lincoln Gakiya - Os sete são pela Operação Echelon, que eles comandavam a ação do PCC na sintonia dos outros estados, fora do estado de São Paulo. Ataques que tiveram em Minas Gerais, Ceará na época, e em outros locais. Esses presos comandaram os ataques de dentro da penitenciária. Foram identificados através de caligrafia, por cartas, e eles foram isolados no RDD [Regime Disciplinar Diferenciado]. Também foi pedida a remoção deles para a federal.

G1 - E as ameaças que o senhor recebeu por cartas?

Lincoln Gakiya - Estão em apuração ainda. Mas indícios apontam que foi uma determinação da cúpula. Inclusive a carta deixa bem claro: se o Marcola fosse removido, se o ‘amigo’ fosse removido, era para me executar. Isso era uma tentativa talvez de a gente recuar e não fazer o pedido [de remoção dos presos].

G1 - O senhor investiga a facção desde quando? E desde quando conta com segurança?

Lincoln Gakiya - Investigo assim, de maneira ininterrupta, desde 2005. Eu conto com segurança já há praticamente 10 anos. Na verdade, desde 2006 eu já tenho andado escoltado, mas com uma escolta mais discreta. Hoje eu conto com uma escolta mais reforçada.

G1 - Escolta por tempo ininterrupto?

Lincoln Gakiya - 24 horas.

G1 - Como o senhor convive com isso?

Lincoln Gakiya - Você tem uma restrição na sua vida pessoal. Você, praticamente, não tem vida social mais. Porque a escolta é fortemente armada. Acaba constrangendo as pessoas. E também há risco em locais abertos. Então tudo isso a gente evita. Mas isso não é só comigo. Várias pessoas, várias autoridades do estado estão na mesma situação.

G1 - Por que o senhor decidiu investigar a facção apesar desses riscos?

Lincoln Gakiya - Eu acho que o Estado tem de ser mais forte do que a organização criminosa. E eu sou mais um. Se eu sair, vem outro promotor que vai fazer as minhas funções da mesma maneira. Não é uma pessoa só. É uma instituição.

G1 - Houve algum registro de reação por parte de presos nas ruas ou unidades prisionais a essa transferência?

Lincoln Gakiya - Por enquanto não há registro nenhum.

"A gente segue em alerta, monitorando. Mas a gente acredita que não vai haver nenhum tipo de retaliação. Se houver será um caso isolado."

G1 - Por que o senhor acredita que não vai haver retaliação?

Lincoln Gakiya - Eu acredito porque o Estado se preparou. Na verdade, isso está sendo gestado desde outubro. A inteligência vem se preparando. As polícias estão posicionadas. O sistema penitenciário hoje ele é quase que totalmente automatizado. Então, por precaução, os presos estão trancados.

G1 - Então não houve nenhuma negociação entre o Ministério Público e governo com a facção para realizar essa transferência.

Lincoln Gakiya - Claramente. O Ministério Público não compactua com qualquer tipo de acordo. Seja formal, tratado diretamente com o Marcola, ou seja tácito, que eles ameacem e a gente recue para não ter retaliação. Então eu sempre deixei isso bem claro. Se o Estado não entrasse com o pedido, o Ministério Público entraria, como de fato fez.

G1 - Com a transferência de Marcola, ele deixa a liderança da facção para quem?

Lincoln Gakiya - Na verdade nós englobamos, nos pedidos de remoção desses 22 presos, 15 que estavam na P2 [Penitenciária 2 de Presidente Venceslau] e sete que estavam no RDD [em Presidente Bernardes], os possíveis sucessores dos integrantes da "Sintonia final", e não só do Marcola.

"São presos que poderiam assumir essa função [de líder]. Há uma momentânea desestruturação da cúpula. Isso vai dar uma acomodação agora para saber quem vai assumir esse lugar."

G1 - Quem poderia assumir?

Lincoln Gakiya - Isso eu não posso adiantar, mas os que poderiam assumir imediatamente foram removidos.

G1 - O MP está tomando medidas para asfixiar economicamente a facção?

Lincoln Gakiya - Existem investigações em curso. Era até uma ação bem delicada na época. Não é uma investigação fácil. A gente tem indícios bem fortes de que hoje há uma evasão de divisas através de doleiros. Esse dinheiro é mandado para fora, para o Paraguai, para a Bolívia, principalmente. Não fica mais em São Paulo e no Brasil.

Esse é um braço da investigação que depende também de ação conjunta e integrada com o governo federal. Tentar fazer essas tratativas ou retomar essas tratativas com o ministro [da Justiça, Sérgio] Moro.

G1 - A facção vai acabar?

"Não. Infelizmente, não. O PCC não vai acabar. Seria muita pretensão da nossa parte. O que eu acho é que essa geração de líderes pode ser modificada. Essa geração de liderança está aí no poder, o Marcola, por exemplo, de maneira estável, desde 2003. Sem mudança nenhuma. Com Marcola e com a maioria desses líderes, não só daqueles que morreram."

G1 - Marcola estando em presídio federal, a chance de ele continuar tendo ação sobre a facção existe?

Lincoln Gakiya - Ela existe, mas ela a logística é mais complicada. Primeiro que eles vão ficar 30 dias isolados. Eles já foram separados. Estavam todos juntos na P2. Eles conseguiam se comunicar tranquilamente. Todo fim de semana eles tinham visita, visita íntima inclusive. Inclusive as cartas com ameaças, foram pegas com visita. As ordens entravam e saíam de maneira tranquila dentro e de uma semana e até menos por conta de advogados.

"Agora, no sistema penitenciário federal já é mais difícil. Ele [Marcola] só vai ter visita das esposas e filhos. Essas visitas são pelo parlatório ou vidros. Essas visitas são monitoradas com autorização judicial. E isso dificulta muito."

G1 - Essa transferência para outros estados não pode fortalecer a expansão nacional da facção?

Lincoln Gakiya - Não acredito. O que pode acontecer, às vezes, é eles fazerem alguma aliança com uma ou outra organização, mas isso cada estado tem de cuidar de mantê-los isolados também de outras facções. Eu não acredito que a ida da liderança vai ter esse efeito. Pelo contrário, vai alijar a liderança. Pelo menos vai dificultar para que ela não tenha o comando.

"A distância do RDD de Bernardes para Venceslau é 30 km. Então um advogado que sai de um local pega o recado e vai para o outro e leva o recado para outro preso. Por isso que a gente defendeu esse isolamento na federal em locais distantes porque gera um isolamento territorial. E tira ela da zona de conforto."

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