Quinta-Feira, 18 de Abril de 2024
Veículos
16/01/2017 06:58:00
2017 é o ano dos carros elétricos “populares” – não para o Brasil
As montadoras lançam carros movidos a bateria mais baratos e com mais autonomia. Ótima notícia — mas o Brasil continua fora desse mercado

Exame/PCS

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Trabalhadores na linha de montagem da General Motors (GM) em Rosário, na Argentina (Foto: Diego Giudice/Bloomberg News)

A fábrica da General Motors em Lake Orion, a cerca de 56 quilômetros de Detroit, já foi um dos grandes símbolos da indústria automobilística do século 20. Produziu milhares de automóveis beberrões movidos a gasolina, aqueles equipados com motores V6 e V8, como o Chevrolet Malibu.

Em outubro do ano passado, essa fábrica deu, com o perdão do trocadilho, um cavalo de pau. Iniciou a montagem do Chevrolet Bolt, carro elétrico que começou a ser vendido no mercado americano em dezembro e que promete ser um marco para o setor. O Bolt, um hatchback com um pouco mais de 4 metros de comprimento, tem potencial para ser um destaque por dois motivos.

Possui autonomia de cerca de 400 quilômetros, mais que o dobro da alcançada pelos primeiros carros elétricos, e está sendo vendido, já com o subsídio do governo, por 30 000 dólares, valor 50% mais alto do que outros veículos de tamanho similar movidos a gasolina, mas competitivo para o segmento dos elétricos. Nesse mercado quem tem reinado até agora é o modelo S, da Tesla, um sedã luxuoso vendido por cerca de 70 000 dólares nos Estados Unidos.

Com mais autonomia e menor preço, o Bolt é candidato a ser o primeiro elétrico “popular” — tanto em termos de faixa de mercado quanto em sucesso de vendas. Pelos cálculos do analista Karl Brauer, da consultoria americana Cox Automotive, a GM poderá, na hipótese mais otimista, vender até 80 000 unidades do novo carro em 12 meses. Caso essa previsão se confirme, o Bolt baterá todos os recordes. Por ano, são comercializados cerca de 50 000 Tesla S.

O que deve complicar a vida do Bolt é o aumento da concorrência. De 2017 a 2020, praticamente todas as grandes montadoras vão lançar um modelo ou relançar uma versão existente com mais autonomia e na faixa dos 30 000 dólares. A própria Tesla, montadora do bilionário Elon Musk, promete para este ano a estreia de seu Modelo 3 a um custo de aproximadamente 35 000 dólares. Quase 400 000 pessoas já comunicaram à Tesla ter interesse na compra. Na Europa, onde o Bolt será lançado em 2018 com o nome Ampera-e, também há novidades.

A Nissan, dona de cerca de 20% do mercado de carros elétricos vendidos nos Estados Unidos e na Europa, prepara o novo Leaf, com um pacote de baterias capaz de rodar 400 quilômetros a cada recarga, mais que o dobro da autonomia atual. O carro também será equipado com um sistema de sensores e câmera que permitirá a direção autônoma entre 30 e 100 quilômetros por hora. A Renault, parceira da Nissan, terá uma versão de seu hatch Zoe, apresentado no último Salão do Automóvel de Paris, com capacidade para rodar os mesmos 400 quilômetros.

A alemã Daimler, dona das marcas Mercedes-Benz e Smart, já lançou dois modelos movidos a bateria — a minivan Classe B e um Smart elétrico —, mas prepara outras novidades. Recentemente, a Mercedes-Benz mostrou o protótipo da EQ, um utilitário esportivo elétrico. Até 2025, dez modelos da família EQ deverão começar a ser vendidos. “Nos próximos dez anos, automóveis, ônibus e caminhões passarão por mais mudanças do que no último século”, diz o alemão Dieter Zetsche, presidente mundial da Daimler. Retardatárias como a Volkswagen prometem também entrar na briga. Um ex-presidente da montadora alemã chegou a dizer que os únicos veículos elétricos com futuro eram os carrinhos de golfe.

Em conversa com EXAME, Matthias Müller, o atual presidente, garantiu que essa visão foi totalmente revista. Cerca de 30 carros elétricos das marcas do grupo serão lançados nos próximos oito anos. No ano passado, a Volks mostrou o protótipo de um deles, o I.D., compacto elétrico do tamanho do Fusca e do Golf. O plano é colocá-lo nas ruas até 2020. “Quando a versão de série do I.D. chegar às concessionárias, custará o equivalente a um carro compacto a diesel”, diz Müller. Hoje, um Golf top de linha a diesel custa o equivalente a cerca de 30 000 dólares na maior parte da Europa.

Esse casamento entre preços mais baixos e autonomia cada vez maior é reflexo do que acontece no setor de baterias de íons de lítio. Como ocorreu anos atrás no segmento de smart-phones, a competição aumentou muito. Hoje, as coreanas LG Chem e Samsung, a japonesa Panasonic, a chinesa BYD e a francesa Bolloré brigam ferozmente pelo mercado, investem em pesquisa e desenvolvimento e produzem baterias cada vez mais potentes. Segundo as contas do Departamento de Energia dos Estados Unidos, a densidade das baterias que equipam os automóveis mais que dobrou desde 2008. Nesse mesmo período, os preços despencaram (veja quadro ao lado).

Isso é importante porque a bateria é responsável por cerca de um terço do custo final de um elétrico “popular”. Uma estimativa divulgada pela GM aponta que o preço das baterias poderá cair quase 50% nos próximos seis anos. A fábrica da LG Chem, em Holland, no estado de Michigan, opera em três turnos, 24 horas por dia, sete dias por semana, para dar conta da demanda. A Tesla investiu 5 bilhões de dólares na construção de uma nova fábrica de baterias.

Qual é o limite?

Hoje os carros classificados como elétricos representam 0,1% da frota mundial. Isso inclui dois tipos de veículo. Os que são somente movidos a bateria e os que são elétricos mas contam com um motor a combustão para emergência. Pelas contas da Opep, grupo que reúne alguns dos maiores produtores de petróleo do mundo, os carros elétricos terão uma participação irrisória em 2040 — 1% da frota mundial. A atual movimentação das montadoras e de seus fornecedores, no entanto, está fazendo com que consultorias façam previsões bem mais otimistas. De acordo com o centro de pesquisa Bloomberg Intelligence, 35% dos carros produzidos em 2040 deverão ser elétricos.

Fazendo uma analogia com o que aconteceu com outras tecnologias, como o refrigerador e o televisor, a análise prevê que as vendas de carros elétricos seguirão um movimento conhecido como “s”: no começo, a demanda é baixa porque o produto é caro, mas, com o avanço tecnológico, ele se torna melhor e mais barato, e isso faz as vendas subir rapidamente até bater no topo e começar a andar de lado. Nos últimos anos, a produção de carros elétricos tem aumentado rapidamente.

Há cinco anos, apenas 0,4% do mercado americano era formado por veículos movidos a bateria. Hoje é o dobro, mas ainda não há sinal de nada parecido com a subida de um “s”. Por isso o entusiasmo com a estreia dos “populares”, como o Bolt. “Até 2020, os motores a combustão ainda serão dominantes na indústria automobilística, mas os carros elétricos serão cada vez mais competitivos quando o assunto for preço”, diz o português Carlos Tavares, presidente mundial da montadora PSA, que controla as marcas Peugeot, Citroën e DS.

A pergunta sobre quando o Brasil deve entrar de vez na rota dos carros elétricos continua sem uma resposta firme. Em entrevista a EXAME, publicada em outubro, Carlos Zarlenga, presidente da GM no Brasil, disse estar tentado a lançar o Bolt no mercado local, mas não tinha uma data ou preço para anunciar. De lá para cá, nada mudou. Nos últimos quatro anos, a Nissan trouxe algumas unidades do Leaf para rodar em São Paulo e no Rio de Janeiro como táxi, mas ficou nisso.

Com exceção da BMW e da Porsche, nenhuma outra montadora vende carros elétricos no Brasil ou tem uma data certa para começar. Um dos motivos alegados é a falta de apoio. “Ao contrário do que acontece nos Estados Unidos, nos países da Europa, na China e no Japão, não há incentivos governamentais para a venda de elétricos no Brasil”, diz Carlos Ghosn, presidente mundial da Renault Nissan. A falta de subsídios para carros não poluentes explica por que um Tesla S trazido por um importador independente, a Elektra, custa 650 000 reais na versão de entrada — 2,6 vezes mais do que o valor cobrado nos Estados Unidos. Rodar pelas ruas e estradas brasileiras sem emitir CO2 ainda é algo para muito, muito poucos.

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