Isabela Del Monte
ImprimirDesde a última sexta-feira (4), o cenário político do estado de São Paulo está em ebulição. E não é para menos, já que o deputado estadual Arthur do Val, que acaba de ser desfiliado do Podemos, julgou que era adequado, além de ir para a Ucrânia para agitar sua base eleitoral, enviar áudios em grupo de WhatsApp dizendo, entre outras atrocidades, que as refugiadas de guerra são "fáceis, porque são pobres".
A revolta popular com relação aos áudios foi instantânea e, no mesmo dia que vieram a público, já começou a ser organizada a reação institucional com um protocolo de pedidos de cassação do deputado, para responsabilizá-lo por sua atitude misógina. E, se há dúvidas: sim, discursos são considerados práticas e não é uma defesa válida alegar que foram apenas palavras.
Mas o que quero destacar é que o Brasil —e o exterior, já que o assunto foi repercutido em jornais estrangeiros, como o "The Guardian"— só teve acesso a esse áudio porque uma pessoa teve a coragem de vazá-lo. Embora não saibamos quem foi essa pessoa (ou pessoas), eu suponho que seja um homem, porque o deputado alega que esse áudio foi enviado a amigos do grupo do futebol, um espaço que costuma, na esmagadora maioria das vezes, ser exclusivamente de homens.
Esse homem ou homens que tiveram a honradez de dar publicidade às falas obscenas do deputado escolheram romper com o pacto da masculinidade. Importante dizer que escrevo esse termo com inspiração no conceito de pacto narcísico da branquitude, cunhado pela pesquisadora Cida Bento em sua tese de doutorado pela USP (Universidade de São Paulo). Segundo sua entrevista para a também pesquisadora Lia Vainer Schucman, da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), Bento explica que esse é um "pacto entre iguais, não verbalizado, (pelo qual) brancos sempre asseguram para outros brancos os lugares mais qualificados".
Esse pacto entre homens, conceito já explorado por outras mulheres, como a antropóloga Debora Diniz, também explica o fato de os homens, além de guardarem um para o outro os melhores lugares de poder e de dinheiro, serem cúmplices de comportamentos aviltantes e muitas vezes criminosos de outros homens. Segundo a psicóloga Valeska Zanello, é justamente essa cumplicidade misógina (e homofóbica) que dá liga e sustenta os vínculos em grupos de WhatsApp exclusivamente masculinos.
É esperado, portanto, que dentro do sistema da masculinidade dominante um homem acoberte outro homem porque um dia ele pode precisar da mesma proteção. O famoso "não conta que eu não conto".
Isso fica evidenciado, por exemplo, quando se analisa grandes esquemas de violências sexuais que só puderam durar tanto tempo porque havia homens dispostos a encobrir os crimes de outro.
O rompimento com esse pacto tem custos. O homem que escolhe deixá-lo pode perder amigos por ser considerado um traidor, pode ser expulso de grupos e atividades, como o futebol, pode ser ridicularizado como politicamente correto ou fraco e frouxo, além de poder também ser alvo de atitudes violentas e sabotadoras em sua vida.
Por saber desses custos, agradeço aos homens que escolheram caminhar pelo certo nesse caso envolvendo Arthur do Val. Por mais que possa haver dores e prejuízos em bagunçar a casa dos homens, conceito também bastante trabalhado por Zanello, a vida desses homens pode ser muito mais rica e profunda depois de passada a rebentação do rompimento.
Uma vida verdadeiramente mais livre, com muito menos violência e, por isso mesmo, com muito mais espaço e paz para criação de uma nova forma de ser homem.
Quando, diante de uma violência, optamos por silenciar ou fazer vistas grossas, estamos apenas facilitando a vida de quem violenta. Já quando optamos por agir para interromper uma agressão ou para responsabilizar quem a cometeu, estamos ajudando as vítimas a recobrarem sua dignidade, além de, nesse caso, apoiar todo um estado a extinguir a atuação política de um homem que não é digno de ocupar o lugar que ocupa. É muito gratificante saber que, nesse caso, pudemos contar com a coragem para o certo.