Carlos José Marques
ImprimirFaltam, realmente, palavras para expressar na plenitude a gratidão que cada um pode e deve sentir diante desses verdadeiros heróis da modernidade, os médicos, jogados na trincheira de uma guerra contra o desconhecido, ameaçados diuturnamente pela morte e insistindo na batalha para salvar compatriotas, seres humanos. Deve ter sido um bálsamo para cada um que enfrentou o diagnostico da terrível Covid-19 poder contar com o cuidado, a proteção e a resposta desses incessantes guerreiros.
Os médicos extrapolaram, de maneira redentora, suas funções. Dobraram carga horária. Impuseram, a eles próprios, privações inesperadas, sofrimentos inomináveis, na distância da família, evitando sequer um abraço, para resguardar os seus. E, mesmo exaustos, não desistiram. Quanto sacrifício! Quanta abnegação e entrega! Tamanho esforço não pode, nem deve, ser reconhecido apenas com um obrigado. Os gestos contam. Ajudam. A resposta dos agradecidos, de todos aqueles que tiveram um familiar, um amigo ou conhecido salvos – ou tratados por esses doutores -, precisa ser expressa também na prática, no respeito às medidas de isolamento, no cuidado consigo mesmo e com o próximo, na atitude que pode contribuir (além de tudo) para o merecido descanso e volta à rotina normal desses profissionais, médicos, enfermeiros e auxiliares. Acreditem: eles são heróis, mas não, deuses. Não podem tudo sempre.
Não aguentam mais tanta resistência nessa linha de frente do confronto à Covid-19. São meros seres humanos também. Quase um ano após o início do ritmo alucinante a que se impuseram para responder de maneira eficaz à pandemia, estão, decerto, combalidos, abatidos, cansados. Precisam agora de nossa ajuda. Com o mínimo, o básico, a autoproteção contagiante que diminuiria as escalas infindáveis nos hospitais, nas UTIs abarrotadas, no vaivém de pacientes sem trégua.
É uma loucura encarar tanto movimento por tão longo tempo. Quem não se padece dessa categoria de médicos, enfermeiros, auxiliares não entende o conceito da compaixão. Como estaríamos todos nós sem eles? Muitos deram a própria vida no tratamento ao próximo. No Brasil, centenas foram vítimas buscando a cura de pacientes. No ano do grande teste sanitário da humanidade, médicos e enfermeiros foram autênticos anjos da guarda. Resilientes, pacientemente atenciosos, preocupados.
Aplaudiram os sobreviventes nas saídas dos hospitais. Perfilados, cansados, mas motivados por mais uma vida resgatada, nos prestaram homenagens. E o que damos em troca? Não pode ser a insensatez, o descaso, o desprezo a essa dramática cruzada. Devemos reverenciá-los, louvar seus feitos, atender ao chamado pela prevenção. A Editora Três e as revistas que a compõem escolhem, tradicionalmente, os BRASILEIROS DO ANO, rotina que conta mais de duas décadas e que, em 2020, na fronteira maior dessa singela homenagem, não poderia deixar de destacar a brava e persistente classe médica.
E o faz, de maneira representativa, elegendo alguns rostos desse exército, dentre eles o do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta — esse, sim, um técnico do setor público digno de nota que lutou, até onde pode, para conter em nosso País a disseminação do vírus. Foi retirado do campo das batalhas, em plena ação, por um comandante tresloucado que não entende coisa alguma de tática de enfrentamento de doenças, especialmente pandêmicas como a atual. Mandetta liderou, enxergou mais distante as consequências do drama, articulou a resistência.
Chegou a avisar que o número de brasileiros perdidos poderia ultrapassar os 180 mil — como aconteceu. E para dar a exata dimensão de tal previsão, seu chefe alegava à época que o número não passaria de 800 nessa “gripezinha”. Pura ignorância e negligência homicida que saíram caro. Todos os dias, invariavelmente, Mandetta, por sua vez, remando contra a maré, colocava os brasileiros a par da evolução do quadro, mostrava os planos, reclamava dos erros e exaltava as pequenas respostas.
Foi transparente. Firme. Transmitiu a segurança necessária para a luta naquele momento. Acabou cortado, sem explicação, por mera inveja e vaidade pessoal de alguém que não derrama um pingo de suor, nem demanda esforço algum para cuidar dos comandados.
Entre a insanidade e a lucidez, Mandetta foi ali a melhor resposta contra os desvarios de Bolsonaro e encarou destemidamente, também nesse caso, a pressão. Não hesitou sequer um instante, nas horas mais difíceis, em enfrentar os desafios que chegavam em grandes proporçoes. Esteve ao lado dos brasileiros e dos profissionais, orientando, ouvindo, participando, coordenando milhares de médicos e técnicos na esquadra de confronto para vencer a Covid.
Além de Mandetta, também Margareth Dalcolmo, pneumologista da Fiocruz, Dulce Pereira de Brito, coordenadora médica de Saúde Populacional do Hospital Albert Einstein, Jaqueline Goes de Jesus, biomédica do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo (USP), e Dimas Covas, diretor-geral do Instituto Butantan, estiveram lá. Por intermédio deles, a Revista ISTOÉ reverencia a todos os demais profissionais dessa extensa e valorosa classe de paladinos destemidos e notáveis. Expoentes de um feito que, no médio prazo, será o da vitória final contra um implacável vírus.