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ImprimirDos 217 colaboradores que tiveram acordos de colaboração premiada homologados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), 31 estão atualmente "inadimplentes" com a Justiça. O "calote" dos delatores chega a R$ 120,8 milhões, conforme dados obtidos pelo jornal O Estado de S. Paulo por meio do Sistema de Monitoramento de Colaborações (Simco) do Ministério Público Federal.
A ferramenta digital, de acesso restrito a membros do Ministério Público, foi criada em abril pela gestão da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, para acompanhar o cumprimento dos acordos fechados na Operação Lava Jato e em outras investigações, como Ararath, Ápia e Dama de Espadas.
O atraso nos pagamentos das multas pode levar à abertura de procedimentos administrativos e, eventualmente, até mesmo à rescisão de acordos, o que faria os delatores perderem os benefícios acertados após concordarem em repassar informações ao Ministério Público e colaborarem com a Justiça.
Em abril, a Procuradoria-Geral da República cobrou que o ex-senador Delcídio Amaral pagasse uma parcela atrasada de R$ 85 mil da multa fixada em sua delação premiada. O total imposto ao ex-parlamentar foi de R$ 1,5 milhão, a ser quitado entre 2017 e 2025.
Ao STF, Delcídio pediu mais prazo para que pudesse encontrar uma forma de liquidar a dívida. Ele informou, em maio, que contava com a venda de imóveis, mas que enfrentava "grandes dificuldades" no negócio por causa de um arrolamento de bens, da crise econômica e do fato de ter seu nome associado à Lava Jato. Procurada, a defesa afirmou que Delcídio tem "sérios problemas financeiros nesse momento, mas está fazendo todos os esforços para pagar a multa".
A Procuradoria não informa a relação de nomes dos delatores "caloteiros", sob a alegação de que a informação está sob sigilo. No caso de Delcídio, a informação é pública e está no processo. Sua multa, porém, é pequena diante do valor imposto a outros delatores. O empresário Marcelo Odebrecht, por exemplo, teve de pagar R$ 73 milhões à Justiça em seu acordo. No seu caso, a dívida foi quitada à vista.
O Simco é considerado o principal legado na área das colaborações premiadas da gestão de Raquel Dodge, que já se colocou à disposição do presidente Jair Bolsonaro para ser reconduzida ao comando do Ministério Público por mais dois anos.
O sistema possibilita, por exemplo, a fiscalização das cláusulas dos acordos por delator e um monitoramento do pagamento dos valores devidos pelo colaborador. O Estado foi o primeiro veículo de imprensa a conferir in loco o funcionamento da plataforma.
Críticas
Raquel Dodge tem sido alvo de críticas por ter desacelerado o ritmo de acordos acertados entre delatores e o MPF. Sua equipe, no entanto, avalia que o "boom das delações" já passou e não está preocupada com os números, mas, sim, com a qualidade e a efetivação do que já foi negociado com os delatores. Desde 2018, apenas um acordo da Lava Jato fechado pela equipe de Raquel foi homologado pelo Supremo - o do lobista Jorge Luz, que implica o senador Renan Calheiros (MDB-AL).
"Antes de deferir ao colaborador o benefício previsto no acordo de colaboração, é fundamental cruzar com eficiência as informações fornecidas por ele, para desvendar quem praticou cada crime e quanto em dinheiro foi desviado. É imperativo cobrar dele a devolução dos valores desviados, seja os que estão no Brasil, seja os que se encontram no exterior", afirmou à reportagem a procuradora-geral da República.
Prisão
Dos 217 colaboradores, só 22 (ou 10,13%) estavam presos quando fecharam o acordo com o Ministério Público, segundo o Simco. Para a Procuradoria, isso esvazia o discurso de que prisões foram usadas para pressionar acusados a firmarem acordos - o ministro Gilmar Mendes, do Supremo, é um dos principais críticos à forma como o instrumento é usado. Não há dados, porém, sobre quantos delatores chegaram a ser detidos antes de fechar o acordo de colaboração.
Dados da plataforma digital apontam que, no âmbito dos acordos fechados, foram pagos em multas R$ 737,2 milhões. Também já foram devolvidos à Justiça um total R$ 385,6 milhões em perdimento de bens, como confisco de veículos e imóveis, o que totaliza R$ 1,12 bilhão recuperados. A conta não inclui os valores que dizem respeito a acordos de leniência firmados por empresas ou a delações homologadas em primeira instância - o recorte é só no que foi validado pelo Supremo.
Até agora, R$ 437,6 milhões já foram efetivamente restituídos aos lesados, como a Petrobras e a União - o restante do valor está depositado em contas judiciais na Caixa, à espera de decisões da Justiça sobre a destinação dos recursos.
Lesada pelo esquema de corrupção desmantelado pela Lava Jato, a Petrobras recebeu R$ 193,8 milhões, seguida pela União, que viu entrar em seu caixa R$ 157,9 milhões. Em terceiro lugar entre os que mais receberam está a Transpetro, subsidiária da estatal petrolífera, que recebeu R$ 79,9 milhões.