ConJur/PCS
ImprimirMais uma vez uma decisão judicial busca quebrar o sigilo de fonte, prerrogativa constitucional do jornalismo. O juiz Rubens Pedreiro Lopes, do Departamento de Inquéritos Policiais de São Paulo, determinou a quebra do sigilo de dados telefônicos da jornalista Andreza Matais, por reportagens que ela publicou no jornal Folha de S. Paulo, em 2012, mostrando movimentação atípica de R$ 1 milhão identificada pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
A investigação que originou a quebra do sigilo foi aberta a pedido do ex-vice-presidente do Banco do Brasil Allan Simões Toledo, citado na reportagem. O juiz atendeu a provocação do delegado da Polícia Civil de São Paulo Rui Ferraz Fontes. Além disso, a promotora Mônica Magarinos Torralbo Gimenez concordou com a medida. Antes, segundo O Estado de S. Paulo, veículo onde Andreza trabalha atualmente, outros três integrantes do Ministério Público já haviam opinado contra a solicitação em três ocasiões.
Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Claudio Lamachia criticou a decisão e, por meio de nota oficial, afirmou que violar a proteção constitucional dada ao trabalho da imprensa significa atacar o direito que a sociedade tem de ser bem informada. "É inaceitável a violação do sigilo de uma jornalista com a finalidade de descobrir quais são suas fontes. Isso representa um grave ataque à liberdade de imprensa e à Constituição, que é clara ao proteger o direito do jornalista de manter sigilo a respeito de suas fontes. Não se combate o crime comentando outro crime”, ponderou Lamachia.
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo também divulgou nota criticando a quebra. "É com indignação que a Abraji vem, mais uma vez, lembrar a membros da Polícia, do Ministério Público e do Judiciário que o sigilo da fonte é uma garantia constitucional (artigo 5º, inciso XIV) e não pode ser violado. A Abraji repudia a decisão de Lopes e roga à Justiça que a reverta, cumprindo a Constituição Federal e observando o Estado democrático de direito em que o país ainda vive", escreveu a entidade.
Em sua decisão, Pedreiro Lopes relembra que o sigilo de fonte é um direito constitucional, mas relativiza dizendo que esses institutos não podem acobertar a prática de ilícitos. “A restrição imposta aos direitos ao sigilo telemático foi justificada pela necessidade em se combater a prática de ilícitos penais, tratando-se de medida judicial em processo preparatório imprescindível à colheita de provas necessárias à instrução da investigação criminal”, escreveu o juiz.
Sem medo e amarras
O ataque à imprensa por meio da quebra do sigilo de fonte tem se repetido no Brasil. Em outubro, o jornalista Murilo Ramos, da revista Época, teve seu sigilo telefônico quebrado em decisão da juíza Pollyanna Kelly Alves, da 12ª Vara Federal de Brasília. A medida foi adotada para apurar quem passou à revista um relatório preliminar de pessoas suspeitas de manter dinheiro irregularmente no exterior.
No mesmo mês a decisão foi cassada pelo desembargador Ney Bello, do no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que disse: “O dever de investigar atos ilícitos praticados por terceiros não tem mais peso constitucional que o direito a um imprensa livre. Se é certo que a sociedade precisa de segurança jurídica, também é certo que precisa de uma imprensa sem medo e amarras”.
Naquele momento, o presidente da OAB também se manifestou contra a quebra de sigilo.
In dubio pro reo
Advogados contestaram a decisão do juiz. Para o criminalista César Caputo, do Nelson Wilians e Advogados Associados, estamos vivendo grave, gradual e inconstitucional violação de direitos e garantias individuais e coletivas que a humanidade conquistou nos últimos séculos. “Refiro-me aos princípios do devido processo legal, contraditório, ampla defesa, da presunção da inocência, do in dubio pro reo, das prerrogativas dos advogados e da inviolabilidade do direito à fonte. Tal escalada de violações tem como base o combate à corrupção, mas nenhum combate a corrupção se dá cometendo-se ilegalidades e arbitrariedades.”
Para Gustavo Neves Forte, coordenador da pós-graduação em Direito Penal Econômico do Instituto de Direito Público de São Paulo (IDP), a Constituição Federal assegura o direito à informação jornalística, garantido o sigilo da fonte. “Por isso, o jornalista tem o direito-dever de resguardar a fonte de suas reportagens, podendo manter-se silente em relação a eventuais questionamentos sobre o assunto. A quebra do sigilo telefônico de um jornalista com o declarado afã de identificar-se a fonte de uma reportagem mostra-se ilegal, na medida em que afronta a Constituição, constituindo inegável embaraço à plena liberdade de informação jornalística.”
Também criminalista, Daniel Gerber acrescenta que "a interceptação telefônica somente pode ser decretada contra aquele que, de qualquer forma, pratica ou é suspeito de praticar crimes punidos com reclusão. Por tal motivo, autorizar tal quebra em caso distinto é afronta ao comando legal e, consequentemente, verdadeiro abuso do poder jurisdicional".
Jornalistas em risco
O caso se soma a uma lista de ações que criam embaraço ao exercício do jornalismo. No início do ano, três repórteres, um infografista e um webdesigner da Gazeta do Povo, do Paraná, sofreram 41 processos em 19 do estado por juízes e promotores que se sentiram ofendidos com a divulgação de reportagens que mostravam o pagamento de remuneração acima do teto do funcionalismo.
Em ação coordenada, todos os pedidos foram idênticos, pedindo direito de resposta e indenizações por danos morais, que somam R$ 1,3 milhão. De acordo com a Gazeta, os pedidos são sempre no teto do limite do juizado especial, de 40 salários mínimos. Como corre no juizado, a presença dos jornalistas em cada uma das audiências se torna obrigatória. As ações foram suspensas no Supremo pela ministra Rosa Weber — o mérito da ação ainda não foi julgado.
O Diário da Região, de São José de Rio Preto, e seu jornalista Allan de Abreu também tiveram seus sigilos telefônicos quebrados por ordem da 4ª Vara Federal da cidade. O objetivo era descobrir quem informou à imprensa detalhes de uma operação da Polícia Federal deflagrada em 2011. A decisão foi suspensa liminarmente pelo ministro Ricardo Lewandowski. A liminar foi cassada por Dias Toffoli, e um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes suspendeu o julgamento da ação ajuizada pela Associação Nacional dos Jornais.