Exame/PCS
ImprimirAlardeada pelo governo Michel Temer como um dos motores para a retomada dos empregos no país, a reforma trabalhista entra em vigor a partir deste sábado ainda sob intensa polêmica quanto à sua legalidade e, num primeiro momento, sua ampla aplicação deverá ser feita com cautela pelo empresariado.
Em todo o processo de discussão e aprovação da norma, apoiadores e críticos da nova legislação discordaram praticamente de todos os aspectos da mudança.
De maneira geral, os entusiastas da medida apostam no potencial dela em modernizar a economia brasileira, enquanto os queixosos alegam que a alteração vai precarizar, ainda mais, as relações trabalhistas no Brasil.
De todo modo, uma avaliação corrente é que o setor privado não deverá começar a celebrar logo no início da vigência da Lei 13.467 uma enxurrada de novas contratações de empregados que prevejam, por exemplo, alterações e flexibilizações nas jornadas de trabalho.
A estimativa é que as mudanças não devem ter impacto imediato, sendo necessário um tempo para que as principais dúvidas passem pelo crivo do Judiciário, para que então a norma comece a ser incorporada mais amplamente em negociações entre empregadores e empregados.
Uma das principais mudanças é que a nova legislação garante força de lei à negociação de acordos coletivos para alguns pontos. Antes não havia essa previsão em lei, embora a Constituição e o entendimento dos tribunais reconhecessem esse tipo de acordo.
Empresários receiam que o chamado ativismo da Justiça do Trabalho possa inibir inicialmente contratações com base na nova lei. Ao todo, a nova norma mexeu em quatro leis, inserindo e alterando mais de 110 dispositivos legais.
O presidente do Conselho de Relações do Trabalho da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Alexandre Furlan, prevê que as mudanças vão demorar três anos para terem eficácia plena.
Ainda assim, a aposta de defensores da norma é que ela vai ajudar a impulsionar a recriação de postos de trabalho por melhorar o que consideram ser “distorções” da atual famosa CLT, a lei trabalhista ainda da era Vargas, criada 70 anos atrás, apesar de várias atualizações ao longo do tempo. Atualmente, o país tem 13 milhões de desempregados, segundo dados do IBGE, parte deles resultado da profunda recessão enfrentada pelo país nos últimos anos.
Na avaliação de apoiadores, a adoção de novos tipos de contrato de trabalho, como o intermitente e o teletrabalho (home office), e a prevalência das negociações coletivas e até acordos individuais, em casos, por exemplo, de horas extras e banco de horas de trabalho, são apontados como fatores que podem dinamizar a economia e também dar maior segurança jurídica para as empresas.
Iniciativas previstas na nova lei, como o fatiamento das férias e a adoção de banco de horas, já deverão ser colocadas em prática imediatamente. Mas outras questões deverão ter impacto somente no médio prazo, com o término das atuais convenções coletivas de trabalho, novos acordos e o “teste” da Justiça do Trabalho.
“Se conseguirmos corrigir esses problemas, o mercado de trabalho melhora, o ambiente de negócios também e indiretamente favorece a criação dos empregos”, disse Hélio Zylberstajn, professor da Universidade de São Paulo (USP), ao ressalvar que não há, em sua opinião, projeções estatísticas confiáveis de quanto poderia ser o impacto das mudanças para o acréscimo de postos de trabalho no Brasil.
Para o estudioso, o problema do país é a incerteza do empregador de ser surpreendido com passivos trabalhistas e imprevisibilidade quanto ao passado. “Nossa Justiça do Trabalho é arbitrária e enviesada”, criticou Zylberstajn, também coordenador do projeto Salariômetro da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). Abuso
Os críticos da nova lei, contudo, afirmam que não há provas de que as mudanças vão gerar novos postos de trabalho. Ao contrário, dizem que a tendência é que as relações trabalhistas fiquem cada vez mais precarizadas. Sustentam ainda que os salários, em geral, serão achatados, assim como ocorreu em países que fizeram reformas, como a Espanha e o México.
“A reforma apenas retira direitos”, afirmou o procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Curado Fleury, que chegou a sugerir a Temer o veto integral a lei aprovada pelo Congresso. “Entendo que não há nenhuma relação entre a retirada de direitos e a geração de empregos”, reforçou ele, ao argumentar que estudos internacionais não mostram essa correlação.
O chefe do Ministério Público do Trabalho criou três grupos para passar um pente fino em todos os aspectos da norma. O primeiro é para avaliar a inconstitucionalidade –o trabalho desse grupo, por exemplo, já gerou uma ação do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot no Supremo Tribunal Federal contestando um eventual fim da gratuidade do acesso à Justiça.
Ainda há grupos para analisar a adequação da lei às convenções e tratados internacionais e outro para interpretar a lei em relação a todo o conjunto de normas brasileiras. Curado Fleury contesta a alegação de que atualmente há abusos da Justiça Trabalhista. Segundo ele, com base em dados do Conselho Nacional de Justiça, mais de 50 por cento das ações nesse ramo da Justiça referem-se a pedidos de verbas rescisórias não pagas, como aviso prévio e 13º salário e outras indenizações.
O presidente da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas, Denis Einloft, faz coro às críticas e considera uma falácia dizer que a mudança da lei vai gerar mais empregos. Ele se vale da experiência brasileira, afirmando que num passado recente o país chegou a crescer a elevadas taxas e viver com alto emprego mesmo com a legislação anterior.
“A partir da segunda-feira, primeiro dia útil, vai ser uma incógnita para os dois lados da relação, o trabalhador e o empregado”, disse Denis Einloft, ao prever que o próximo presidente terá de fazer uma nova reforma para aperfeiçoar a legislação.
Furlan, da CNI, avalia que se “criou um temor tanto do lado de quem emprega quanto do lado do trabalhador”.
Apesar das dúvidas, para ele, a nova legislação, vai garantir uma relação profissional mais próxima da atual conjuntura do país. “Antes se precisava do sindicato para tudo, agora não”, completou. Contestações
Apesar das intensas críticas ao texto, somente dois pontos estão formalmente contestados no STF: a ação movida pelo ex-procurador da República Rodrigo Janot sobre a gratuidade e outro, por uma confederação de trabalhadores, que questiona o fim da obrigatoriedade na cobrança do imposto sindical.
A avaliação dos profissionais ouvidos pela Reuters é que a eficácia da reforma será testada no dia a dia, a partir da avaliação dos casos que poderão gerar demandas na Justiça do Trabalho e que poderão até chegar ao Supremo.
Entidades patronais e a Advocacia-Geral da União, segundo uma fonte, preparam-se para tentar barrar uma eventual enxurrada de ações na Justiça do Trabalho. Se isso ocorrer, estão dispostos a levar demandas diretamente ao Supremo –usando um novo tipo de recurso, a Ação Declaratória de Constitucionalidade– para que a corte decida logo se determinado trecho da nova lei está de acordo com a legislação vigente e a Constituição.
A intenção com isso é evitar que os casos se arrastem por anos, até décadas, em cortes inferiores até chegar ao STF e, dessa forma, garantir segurança jurídica para ambos os lados.