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Cidades
18/06/2016 11:09:00
Entenda o conflito entre indígenas e produtores rurais no sul de MS

G1/LD

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Índio guarani-kaiowá em barreira montada em estrada de Caarapó (Foto: Gabriela Pavão/ G1 MS)

O conflito entre indígenas e produtores rurais em Mato Grosso do Sul é um problema antigo e longe de se resolver. Estudos apontam que a questão fundiária vem se arrastando desde 1880, logo depois da Guerra do Paraguai, com a chegada da Companhia Matte Laranjeira.

Desde essa época (1915), os indígenas vêm sendo deslocados de um lado para outro e o próprio Estado brasileiro tem apoiado esse deslocamento" Antônio Dari Ramos, diretor da Faculdade de Estudos Indigenistas

O estado demorou 30 anos para defender os direitos dos índios. Durante esse tempo, os indígenas eram obrigados a trabalharem forçados para a companhia. Só entre 1915 e 1928 que foram criadas as oitos reservas indígenas no estado. Naquela época, a área demarcada já era considerada insuficiente. Com o tempo, o crescimento populacional indígena e a expansão das cidades e das atividades agropecuárias contribuíram para as brigas por terra ficarem mais acirradas.

O último confronto aconteceu na fazenda Ivu, em Caarapó, no sudoeste do estado, onde um índio morreu e outros seis ficaram feridos na terça-feira (14). Os indígenas tentaram retomar a área, que está dentro da terra indígena Dourados Amambaipeguá I, e os fazendeiros tentaram impedir a ação. Um acusa o outro de ter iniciado o embate.

A área consta no Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação aprovado pela aprovação pela Fundação Nacional do Índio (Funai) no dia 12 de maio de 2016, que considerou a área terra indígena. O procedimento de identificação e delimitação da terra foi realizado no âmbito do Compromisso de Ajustamento de Conduta (CAC), firmado em novembro de 2007, entre Funai e Ministério Público Federal (MPF). Segundo a assessoria da Funai, o próximo passo é a demarcação e homologação da terra.

A área está localizada nos municípios de Caarapó, Laguna Carapã e Amambai e tem 55.590 hectares. A Dourados Amambaipeguá I é tradicionalmente ocupada pelo povo guarani-kaiowá.

Ocupação tradicional

Em nota, a Fundação Nacional do Índio (Funai) informou que os guarani-kaiowá lutam há décadas pela regularização fundiária de territórios de ocupação tradicional. Além disso, a instituição condena "toda e qualquer reação desproporcional embasada em atos de força e de violência contra o povo indígena".

Na avaliação do assessor jurídico da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul), Carlo Daniel Coldibelli Francisco, a abertura de processos demarcatórios fomenta as ocupações indígenas.

“Pedem que acabem as invasões porque a violação de direitos não pode se tido como mecanismo de insatisfação. Os processos administrativos correm à revelia do afetado [fazendeiro]. Quando o proprietário toma conhecimento, recorre à Justiça e suspende o processo administrativo”, disse Francisco.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Mato Grosso do Sul designou a Comissão de Assuntos Indígenas, Comissão de Assuntos Agrários e a Comissão de Direitos Humanos para apurar o conflito em Caarapó.

O coordenador das comissões, Gabriel Marinho, disse ao G1 que vai ser elaborado um relatório e enviado ao Conselho Federal para que seja feita intermediação junto à União medidas para resolver o problema fundiário no estado.

" A OAB é independente, não tem lado. A situação é pior do que imaginávamos. Com a chegada da Força Nacional, deu uma apaziguada. Já ouvimos o tenente-coronel da Polícia Militar, que disse que os policiais feitos reféns estão afastados e recebendo atendimento psicológico. Também falamos com uma produtora que teve a propriedade invadida e saiu só com a roupa do corpo. Vamos ouvir as reivindicações", afirmou Marinho.

Segurança

Para garantir a segurança a Força Nacional foi enviada na quinta-feira (16) para a região de conflito e não tem prazo para deixar a área. Além do agente de saúde indígena morto, Clodiode Aquileu Rodrigues de Souza, de 26 anos, outros seis índios ficaram feridos. Cinco foram encaminhados para Dourados e três deles passaram por cirurgia. Todos continuam internados. Uma indígena que foi ferida de raspão ficou no hospital de Caarapó. Depois do conflito, os indígenas permaneceram na propriedade.

Impasse das demarcações

O assessor jurídico Famasul alegou que as demarcações são inconstitucionais porque deveriam ter sido concluídas cinco anos após a promulgação da Constituição Federal.

“O processo de identificação pela Funai é muito subjetivo, sempre traz surpresas porque extrapolam pelas áreas serem muito grandes. Contrapondo a tudo isso, o artigo 67 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, as demarcações deveriam estar concluídas desde 1993”, afirmou Francisco.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Mato Grosso do Sul tem 357.145,534 km². O diretor da Faculdade de Estudos Indigenistas da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Antônio Dari Ramos, explicou ao G1 que as terras reivindicadas representam 2% do território sul-mato-grossense, o que representa 7.142,910 km².

Os municípios onde o conflito é mais acirrado são Sidrolândia, Dois Irmãos do Buriti, Dourados, Caarapó, Japorã, Juti, Douradina, Antônio João, Paranhos e Iguatemi.

“Não impacta tão profundamente. Fazer levantamento e fazer grande pacto e o estado brasileiro assumir o erro e, sobre os títulos bons, indenizar. Assumir a culpa, a morosidade das demarcações”, ressaltou.

Ramos destacou que o conflito no estado tem ficado mais intenso por causa da valorização das terras, da frente de expansão e do crescimento populacional indígena.

"É grave porque os conflitos fundiários estão chegando ao limite, ao clímax. De todos os momentos, nós estamos chegando no de maior gravidade por causa do número de conflitos que estão ligados diretamente à disputa e valorização da terra. A diferença econômica nesse momento, por causa do investimento no agronegócio, deixa as disputas mais agudas”, detalhou o pesquisador.

Dourados Amambaipeguá I

A Terra Indígena Dourados Amambaipeguá I abriga quatro comunidades (tekoha) denominadas Javorai Kue, Pindo Roky, Km 20/ Urukuty e Laguna Joha, com população aproximada de 5.800 pessoas, de acordo com a Funai.

Devido ao processo de expropriação dos territórios indígenas, que ali teve início em 1882 com o início da atividade de produção de erva-mate e a chegada de colonos gaúchos após a Guerra do Paraguai (1864 a 1870), os guarani-kaiowá passaram a viver dispersos pela região, conforme a fundação.

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