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ImprimirA 23 quilômetros de distância do Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente, um outdoor foi levantado por moradores da região brasiliense: "Jair aqui não! Jardim Botânico quer paz". O protesto, feito após o anúncio de que o PL, partido ao qual o ainda presidente é filiado, quer alugar uma casa para ele em um dos condomínios do local, durou pouco tempo. Levantado na manhã de terça-feira (20), o cartaz foi rasgado horas depois por militantes bolsonaristas.
Cerca de trezentos moradores do condomínio Ville de Montagne fizeram a vaquinha para pagar a instalação do outdoor, que custou R$ 3 mil. No grupo de WhatsApp dos condôminos, que leva o nome de Comitê Popular de Luta JB, uma das mensagens dizia: "Vai virar atração turística. As excursões pra vinda da posse vão incluir para fotos. Parabéns pessoal". Dois minutos depois, outro morador já avisava que o carro de um apoiador de Bolsonaro encostara com uma escada, prestes a retirar o material.
'Nossa paz foi tirada'
Victor Gomes Cavalcante, 31, CEO de uma plataforma digital esportiva e morador do Ville há sete anos, diz que a escolha pela região era justamente pela tranquilidade. "O Jardim Botânico é considerado um Jardim do Éden. Aqui só se escuta os pássaros cantando, muita natureza, segurança, é um respiro em meio ao caos. Com essa notícia [da vinda do ex-presidente], nossa paz foi tirada e ficamos com medo", conta. "Aqui, defendemos a paz, a harmonia, a natureza. Tudo o que o atual presidente não respeita."
Após a destruição do outdoor, Cavalcante e outros moradores foram à delegacia registrar boletim de ocorrência. Na tarde de quarta-feira (21), ainda era possível observar pedaços do cartaz pelo chão. Ele foi o único dos moradores que aceitou conversar pessoalmente e ser fotografado pelo TAB — muitos afirmam ter medo de represálias por parte de apoiadores do presidente e alguns relataram ter recebido ameaças.
"Bolsonaro vai andar por aqui constantemente armado, ele e seus seguranças. O atual presidente também defende o desmatamento. O Jardim Botânico é puro verde. Não sabemos se com ele aqui, a natureza vai continuar. Também não queremos um líder que zombou da morte de 700 mil pessoas em decorrência da Covid-19, que devolveu o país para o mapa da fome. Nosso protesto é legal e não estamos desrespeitando ninguém", afirma o diretor de empresa. "Não queremos violência, mas infelizmente foi isso que aconteceu em menos de 24h. Ameaças e o nosso protesto destruído."
Por telefone, outra moradora disse estar assustada depois que o outdoor foi rasgado. A farmacêutica Marília Cunha, 63, acredita que a vinda do político vai trazer pessoas "violentas e que disseminam o ódio" ao local. "A gente não tem nenhum problema com políticos virem morar aqui. O medo é da violência que acompanha o senhor Jair Messias Bolsonaro. Ele anda armado, com pessoas armadas. São pessoas que fazem baderna, queimam ônibus, quebram outdoor. Não admitem o contraditório, ideias diferentes", diz. "O nosso condomínio tem só uma entrada, então imagine a confusão que todo esse comboio pode causar."
Divergências
Há quem também comemore a possível chegada no novo inquilino ao Ville de Montagne. Um casal de moradores, vestidos de verde e amarelo e com a bandeira do Brasil, fazia registros do outdoor rasgado com uma máquina fotográfica. O advogado Wagner César Vieira e a dona de casa Maria Nalva, ambos de 62 anos, não concordam com os vizinhos.
"Decidimos vir até aqui depois de saber dessa iniciativa, que é uma coisa imunda e de um grupo minúsculo. É um absurdo primeiro porque ali está escrito que o Jardim Botânico quer paz e o condomínio [Ville de Montagne] é apenas um entre dezenas que existem aqui, não representa a região. Segundo, é notório que o Distrito Federal votou em Bolsonaro nos dois turnos. Eu, inclusive, fui fiscal nas eleições e constatei que o nosso presidente teve uma votação superior a 60%. Portanto, é uma parcela pequena que é contrária ao que a maioria acha", argumentou o advogado.
Enquanto o apoiador do atual presidente questionava o protesto, pelo menos cinco motoristas passaram no local buzinando e fazendo o sinal de L, de Lula. "Na verdade, seria uma honra e orgulho para nós termos Jair Bolsonaro morando por aqui", prosseguiu ele. "A maioria é bolsonarista, é conservador. Essas pessoas que tomaram a dianteira nessa campanha sórdida, covarde, ilegal e ilegítima são no máximo cem pessoas. Nosso condomínio tem 5 mil pessoas. Vocês acham que eles nos representam? Eles pedem paz, porém esse outdoor incentiva o ódio. Temos aqui o ministro da Justiça [Anderson Torres, do governo Bolsonaro] e a Marina Silva, que é petista [sic], como vizinhos. Acolhemos todos bem e a segurança continua", completou, confundindo a filiação partidária da ex-senadora e atual deputada federal pela Rede.
O advogado afirmou que que está reunindo outros moradores divergentes para procurar a Administração Regional do Jardim Botânico e solicitar a retirada do outdoor. Caso a solicitação não seja atendida, ele pretende mover um processo na Justiça contra os vizinhos.
Na noite de quarta-feira (21), um novo outdoor foi colocado pela empresa contratada pelos moradores insatisfeitos.