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21/01/2018 07:01:00
Lixão de Brasília é fechado; catadores criticam transferência para galpões

Agência Brasil/PCS

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Foto: Wilson Dias

Com o armazenamento de 40 milhões de toneladas de resíduos ao longo de sua história, o segundo maior lixão do mundo foi fechado na manhã de ontem (20), depois de quase seis décadas de existência. Com 201 hectares, a área fica próximo ao Parque Nacional de Brasília e a cerca de 20 quilômetros da Esplanada dos Ministérios.

O lixão da Estrutural integra a lista da Associação Internacional de Resíduos Sólidos como um dos 50 maiores depósitos de lixo a céu aberto do mundo, ficando atrás apenas do lixão de Jacarta, na Indonésia.

Segundo o Serviço de Limpeza Urbana do DF (SLU), apenas em 2016, foram aterrados 830 mil toneladas de resíduos domiciliares no lixão. O depósito de lixo foi criado sem planejamento, sem que o solo fosse impermeabilizado. Ao longo do tempo tem provocado riscos ao meio ambiente e à saúde da população do Distrito Federal.

Estrutural

A cidade que abriga o lixão é originada de uma invasão, com pessoas atraídas pelo lixão em busca de sobrevivência. Após várias tentativas fracassadas de retirada das ocupações ilegais, o local foi urbanizado e transformado em região administrativa. Chamada de Estrutural, atualmente abriga mais de 35 mil pessoas.

O encerramento das atividades do lixão estava previsto para o segundo semestre do ano passado e foi adiado após pedidos dos catadores que atuavam no depósito de lixo. Para absorver o lixo produzido pela população do Distrito Federal, o governo criou o Aterro Sanitário de Brasília, em uma área entre Samambaia e Ceilândia, outras duas regiões administrativas do DF. Projetada para comportar 8,13 milhões de toneladas de lixo, a obra é dividida em quatro etapas e ainda não foi concluída.

Apesar do fechamento de hoje, o lixão continuará recebendo resíduos da construção civil. Uma área será criada especificamente para receber esse tipo de material, mas ainda não saiu do papel. O governo do DF está em processo licitatório para contratação do espaço.

Catadores

Para acolher as 2 mil pessoas que atuavam na triagem dos materiais, o governo tem buscado realocar esses trabalhadores em cooperativas e associações contratadas pelo GDF para prestar os serviços de recuperação de resíduos sólidos. O serviço inclui recepção, triagem, prensagem, enfardamento, armazenamento e comercialização. Os catadores, que antes atuavam por conta própria, receberão um valor por tonelada de resíduos separados nos galpões de triagem. Além disso, receberão, por seis meses, uma ajuda financeira de R$ 360,75.

Os trabalhadores, no entanto, criticaram a mudança e alegam a falta de pagamento do valor mensal prometido pelo governo do Distrito Federal. Segundo o representante do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis, Ronei Alves da Silva, os trabalhadores já afastados do lixão têm tido problemas no recebimento da ajuda de custo do governo. Além disso, reivindicam uma indenização de RS 14,9 mil por trabalhador.

“Não há galpão suficiente para todos os catadores. São 2 mil, e o governo tem oferecido espaço para pouco mais de 1,3 mil trabalhadores. Como essas pessoas vão sustentar as suas famílias? Eles estão atualmente desempregados e, alguns, ainda sem receber a ajuda de custo prometida pelo governo”. Segundo ele, são problemas pontuais.

Desolada com a mudança do lixão, a catadora Alice Gonzaga, de 64 anos, conta que viveu metade de sua vida dedicada à triagem no depósito de lixo. Viúva, a catadora criou todos os cinco filhos com sustento obtido exclusivamente proveniente do lixo. Segundo ela, a renda mensal da família chegava a R$ 1 mil.

“Cheguei [ao lixão] depois de trabalhar em casas de família, mas perdi o emprego e não tinha como sustentar meus filhos. O que eu tenho hoje é graças ao lixão. Me adaptei a trabalhar sob o sol quente e ao tipo de trabalho. As pessoas pensam que aqui é só lugar de gente pobre e miserável, mas, para muitos, foi a única alternativa. Agora não tenho mais como trabalhar, vou ter que parar e viver da ajuda dos meus filhos. O serviço no galpão não compensa para mim, a renda caiu muito”, diz a catadora.

Mãe de sete filhos, Maria Luiza Cunha, de 58 anos, também passou boa parte da vida como catadora de materiais recicláveis no lixão. Assim como Alice, ela também criou os filhos com a renda obtida por meio do depósito de lixo. “Tudo era daqui”, conta. Após vinte anos trabalhando no depósito, a catadora também disse à Agência Brasil que irá parar de trabalhar com o fechamento do lixão.

“Infelizmente, a forma de trabalho no galpão diminui muito a renda. É uma oportunidade, mas não funciona para mim. Aqui no lixão, eu enchia cerca de 20 bags [sacolas] de lixo e vendia por aproximadamente entre R$ 15 a R$ 20”, conta. “Agora vou parar de trabalhar, estou abusada disso aqui. Não aguento mais, é muito cansativo”, completa.

Nivaldo Pereira Xavier, de 54 anos, não pretende abandonar a triagem do lixo. Apesar de permanecer na atividade, o trabalhador está apreensivo. “Diferente de algumas pessoas aqui, eu tenho recebido o valor prometido pelo governo. Mas, apesar disso, não estou esperando mais nada. Saí daqui do lixão com a promessa de que a vida ia melhorar, mas já são quatro meses e nada disso aconteceu. Não acredito que esses galpões funcionem”, lamenta.

Despedida

Para as catadoras Maria Luiza e Alice, ficarão a união e a amizade construídas ao longo de décadas de trabalho diário no lixão da Estrutural. No entanto, elas se despedirão do que consideram o mais difícil no trabalho: encontrar crianças e animais mortos descartados no lixo e os acidentes na rotina do lixão. Segundo dados do SLU, de 2009 a 2017, foram registrados pelo menos 47 acidentes. A lista inlui corte, queimadura, tombamento de carretas, perda da ponta dos dedos, membros decepado, atropelamento e morte.

“Era uma tristeza ver crianças, até grandinhas, mortas e jogadas aqui no lixo. Isso era o que mais me doía. Também era muito triste quando acontecia de carretas passarem por cima de algum companheiro, já morreu muita gente assim”, conta Alice.

“Momento civilizatório”

Para o governador Rodrigo Rollemberg, o fechamento do lixão é um “momento civilizatório” para o Distrito Federal. “Estamos fechando uma ferida aberta na capital do país”, disse. “Estamos pagando uma dívida com o passado entrando no futuro ao fechar o lixão da Estrutural”.

Segundo Rollemberg, com o fechamento do depósito de lixo, qualquer caminhão flagrado jogando lixo no local será apreendido. O governador também prometeu aumentar os galpões de triagem para acomodar todos os trabalhadores que saíram do lixão da Estrutural. Além disso, deve estender a coleta seletiva no Distrito Federal para facilitar o trabalho de triagem dos catadores.

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