O Globo/LD
ImprimirNo quinto mês de gestação, o mundo da balconista Raquel Silva de Andrade caiu. Ela foi informada pelos médicos de que seu filho poderia nascer com “aquilo que falavam na televisão”. A jovem de 23 anos entrou em depressão, mas, aos poucos, com o apoio do marido, começou a aceitar a ideia de que o bebê não seria como ela imaginava. No dia 12 de fevereiro, Pedro Emanuel nasceu. O peso e a altura eram parecidos com os dos demais nenéns do berçário, mas o perímetro cefálico, de 31,5cm, levou o menino a outro universo: o de crianças nascidas com suspeita de microcefalia. No Estado do Rio, dramas como esse já afetam quase três centenas de famílias: são 289 casos investigados. Noventa e oito mães tiveram manchas vermelhas pelo corpo em algum momento da gestação, um dos sintomas da infecção pelo vírus zika. Raquel foi uma delas.
Moradora de Teresópolis, a jovem conta que visitou a família do marido, em Salvador, em junho do ano passado. Na volta, apresentou sintomas de zika. Alguns meses depois, descobriu que teria seu segundo filho, o primeiro com Robson Souza. No quinto mês de gestação, os exames mostraram que havia algo errado com o desenvolvimento do cérebro do feto. Nem o casal nem os médicos associaram logo a anomalia ao vírus zika. À medida que a gravidez avançava, a desconfiança aumentava. E a agonia da família também.
— Era muito estranho quando o tema aparecia na televisão, eu só via criança deformada. Fiquei desesperada, muito mal. Passei por uma psicóloga. Com o tempo, fui aceitando. Robson me apoiou muito, dizia que tínhamos que aceitar nosso filho do jeito que viesse. Quando Pedro Emanuel nasceu, fiquei melhor. Para mim, ele é perfeito. Saio à rua e as pessoas fazem um monte de perguntas, e vou respondendo normalmente. Só quero que ele seja tratado como uma criança normal — diz Raquel.
EMPRÉSTIMOS PARA EXAMES
O menino não movimenta bem o braço esquerdo e toma remédios para evitar convulsões. Se agora é difícil lidar com as necessidades médicas, na gravidez foi pior. Raquel e Robson pegaram empréstimos para realizar todos os exames necessários ao diagnóstico.
— Quando a gente descobriu que ela havia ficado grávida, a saúde pública em Teresópolis estava precária. Havia uma greve. Depois, viram que a gravidez era de alto risco e veio o problema: os médicos do posto pediam vários exames, mas, quando a gente ia marcá-los, não tinha vaga no SUS. Ela não podia esperar, então comecei a vender meus instrumentos musicais e a pegar vales no serviço para pagar os exames em clínicas particulares — conta Robson, de 33 anos, que calcula ter gastado cerca de R$ 1.500 em ultrassonografias e ecocardiogramas.
A situação só melhorou quando Raquel estava com sete meses de gestação e um médico a encaminhou para o Instituto Fernandes Figueira (IFF-Fiocruz). Lá, Pedro Emanuel nasceu e vem sendo acompanhado.
— Nossa maior dificuldade hoje é ir para o Rio, pois temos muitos exames a fazer. Durante a gravidez, pagávamos R$ 200 para uma pessoa levar a gente. Graças a Deus, conseguimos que um carro da prefeitura faça o nosso transporte. Este mês, temos consultas e exames em seis datas, ou seja, precisamos gastar dinheiro com comida. É muito difícil, mas não vamos desistir — afirma Robson.
Casados há três anos, Robson e Raquel vivem numa casa simples em Teresópolis, no bairro São Pedro. A rotina da família — formada ainda por Leonardo, de 6 anos, filho do primeiro casamento de Raquel, e Carol, de 11, e Estefany, de 5, filhos do relacionamento anterior de Robson — mudou bastante depois da chegada de Pedro Emanuel. Nos dias em que o bebê tem consulta no Rio, o casal sai às 4h e só volta no final da tarde. São ocasiões em que a criançada tem de ser virar sozinha.
Robson sustenta a família com os pouco mais de mil reais que ganha como cozinheiro. O casal tem recebido doações de fraldas, leite em pó, roupas, brinquedos e também dinheiro, que guarda numa caderneta de poupança para o filho. Segundo Robson, o pior para os pais que esperam bebês com microcefalia é o medo do desconhecido.
— Uma das coisas que me ajudaram foi conhecer histórias de crianças que nasceram assim e que estão crescendo lindas e felizes — diz ele, que buscou apoio em sites e grupos de discussão na internet, incluindo o Cabeça e Coração (cabecaecoracao.com), feito para reunir casos de pais de bebês com microcefalia.
A idealizadora do site, Cida Nicolau, aposta que a criação de grupos de apoio em redes sociais é um dos caminhos para a superação dos momentos de sofrimento:
— Publicamos histórias de bebês com microcefalia, listas com itens de que eles precisam e o endereço para doações. A ideia é fazer uma ponte. Se alguém quiser ajudar os bebês afetados por essa epidemia, mas não sabe o que fazer, basta acessar o nosso site.