Domingo, 24 de Novembro de 2024
Ciência e Saúde
16/03/2024 07:56:00
Estudo revela que chikungunya causa danos cerebrais e indica necessidade de mudanças no atendimento

G1MS/LD

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Pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e de outras cinco instituições descobriram que o vírus chikungunya é capaz de se espalhar pelo sangue, atingir múltiplos órgãos e causar danos cerebrais. Os achados foram publicados nesta semana na revista científica Cell Host amp;amp; Microbe.

De acordo com o estudo, os mecanismos de ação observados pela primeira vez em casos fatais indicam que o vírus pode atravessar a barreira que protege o sistema nervoso central, o que reforça a necessidade de atualização dos protocolos de tratamento e vigilância da doença.

“Isso mostra uma necessidade de acompanhar o paciente, inclusive aquele que saiu da infecção aguda, que já melhorou. É preciso acompanhar porque essas manifestações podem aparecer um tempo depois da suposta cura”, diz o professor José Luiz Proença Módena, do Instituto de Biologia.

Principais descobertas do estudo

O estudo teve participação de virologistas, médicos, epidemiologistas, clínicos, físicos e estatísticos da Unicamp e das universidades do Kentucky (Estados Unidos), de São Paulo (USP), do Texas Medical Branch (Estados Unidos) e Imperial College London (Reino Unido), além do Laboratório Central de Saúde Pública do Ceará (Lacen).

O principal achado foi a presença do vírus em amostras de líquor cefalorraquidiano, o que demonstra sua capacidade de atravessar uma camada protetora e alcançar o sistema nervoso, podendo chegar ao cérebro. Assim, ele causa danos neurológicos que podem resultar em sequelas ou levar o paciente à morte.

Porém, o vírus também pode causar as seguintes alterações no corpo do paciente infectado:

problemas na circulação do sangue que levam ao desenvolvimento de trombos;

fragilidade vascular, alteração no comportamento de bomba do coração e risco para hipertensão arterial;

excesso de líquido nos órgãos;

desequilíbrio da imunidade.

Como o estudo chegou a esses achados

A pesquisa foi realizada no Ceará, que é um dos estados brasileiros mais afetados pelo vírus. “Por lá ocorrem várias ondas com um grande número de casos em um curto período de tempo [...] as pessoas eram contaminadas, ficavam um período sem contrair o vírus novamente, mas ele aparecia em regiões próximas”.

No decorrer do trabalho, os pesquisadores perceberam outro fator importante: a mudança no padrão de sintomas:

Como normalmente ocorria: a chikungunya era relatada como uma doença febril e aguda, que causa dor e é sintomática em 70% das pessoas. Metade dos infectados apresentam inchaço articular e dor aguda, podendo evoluir para artrite crônica.

“A grosso modo, mesmo nos pacientes em que ela se cronifica, ela tende a se resolver sozinha e não é tão grave em termos de óbitos. Porém, percebemos que tinha um padrão e que a taxa de óbito não era tão baixa assim”, detalha.

O que o estudo percebeu: os pacientes estavam evoluindo para casos graves com uma taxa de frequência mais alta do que o esperado e eram acometidos por sintomas que, até então, eram incomuns (citados no trecho acima).

A confirmação da ação inédita do vírus foi confirmada com a análise de amostras de três grupos diferentes (pacientes que morreram com a doença, pacientes que sobreviveram e pessoas saudáveis, que não foram infectadas).

O que causa os sintomas graves

Primeiro, os pesquisadores analisaram o vírus para entender se ele poderia ser diferente, mas não era. Segundo José Luiz, algumas das amostras até indicavam a presença de uma mutação, mas ela aparecia tanto em pacientes graves, quanto nos leves. Logo, não poderia ser considerada responsável pelo agravamento.

Depois, passaram a investigar se alguma comorbidade estava levando os pacientes a esse quadro. No entanto, isso ainda não foi esclarecido. “O motivo a gente ainda não sabe. Ainda não se sabe se isso está associado a alguma característica genética da população ou uma doença, uma pré-disposição, uma doença de base”.

Por enquanto, a constatação é de que a gravidade está ligada a uma reação exagerada do sistema imunológico à infecção pelo vírus.

Necessidade de novos protocolos de atendimento

Mediante à incerteza sobre quem vai evoluir para a forma grave da doença, a descoberta destaca que é preciso reavaliar os protocolos de atendimento aplicados atualmente. “Aponta também uma necessidade de a gente olhar com mais atenção para os arbovírus, não só a chikungunya, como a dengue e a zika também”.

“É importante entender como essas infecções acontecem, se elas podem acontecer de forma progressiva. Eventualmente, a pessoa pode até evoluir para um caso desses sem saber que teve chikungunya, porque existe uma parte que é assintomática, mas que pode, de repente, entrar nessa gravidade”.

O professor diz que é importante os serviços de saúde acompanhem a situação dos pacientes mais de perto e estejam atentos à possibilidade de agravamento repentina do caso, mesmo naqueles que parecem ser leves. Além disso, também é necessário que os órgãos oficiais monitorem relatos de todo o país.

“Agora a gente quer entender esse cenário de agravo ocorre em outras regiões do país pra gente ter uma ideia se esse é um fenômeno que é convergente em outros lugares do Brasil. A chikungunya está circulando bastante atualmente, em Minas Gerais, em cidades do interior de São Paulo”, detalha o profissional.

“Há relatos de pacientes com dor e inchaço articular crônico associado a dor neuropática [que atinge os nervos]. Isso mostra que esses pacientes precisam ser seguidos e acompanhados, pois o vírus pode estar atingido o sistema nervoso, como mostrou o estudo”.

O g1 pediu uma posição ao Ministério da Saúde sobre o assunto.

Chikungunya no Brasil

Segundo informações do Ministério da Saúde, o vírus chikungunya é uma arbovirose transmitida pela picada de fêmeas infectadas do gênero Aedes. No Brasil, até o momento, o vetor envolvido na transmissão é o Aedes aegypti, o mesmo da dengue e do zika.

O chikungunya (CHIKV) foi introduzido no continente americano em 2013. No segundo semestre de 2014, o Brasil confirmou, por métodos laboratoriais, a presença da doença nos estados do Amapá e Bahia. Atualmente, todos os Estados registram a transmissão.

Entre 2015 e 2023, foram registradas 981 mortes pela enfermidade. Apenas este ano, quase 69 mil casos foram registrados em todo o país, com 17 óbitos confirmados e outros 66 em investigação.

As principais características clínicas da infecção por chikungunya são edema e dor articular incapacitante. Também podem ocorrer manifestações extra articulares. Os casos graves de chikungunya podem demandar internação hospitalar e evoluir para óbito.

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