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ImprimirCom mais de 100 anos de diferença, a história da gripe espanhola e do coronavírus no território de Mato Grosso do Sul mostra que há uma série de similaridades entre as duas pandemias. A negligência das autoridades, que tratavam as doenças como ‘gripezinhas’, o grande número de mortes e até mesmo o uso de medicamentos sem comprovação científica são apenas algumas das semelhanças.
Em artigo publicado na revista Visa Em Debate, a pesquisadora Manuela Areias Costa, da UEMS (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul), mostrou que os acontecimentos da pandemia de coronavírus no estado, que era o Mato Grosso antes da divisão, deveriam servir como um aprendizado em tempos de pandemia de Covid-19 em MS.
Dados levantados por meio de documentos e notícias publicadas na época mostram que a gripe espanhola contaminou cerca de 27 mil pessoas em três meses no estado do Mato Grosso. A epidemia atingiu 19 municípios, levando cerca de 700 pessoas a óbito.
No caso da pandemia de Covid-19, foram 7.965 infectados e 76 mortes nos três primeiros meses de pandemia, entre março e junho. Nesta terça-feira (15), com seis meses de pandemia, já são 60.297 infectados e 1.104 mortes.
Gripe espanhola fez mortos em Corumbá
Uma das cidades que chamou a atenção do número de casos da gripe foi Corumbá, onde ocorreu o maior número de mortes: 160 óbitos em três meses. Os discursos dos jornais locais da época atribuíam a chegada do vírus influenza ao estado por meio de passageiros das embarcações que chegavam pelo porto de Corumbá, e seguiam até a capital Cuiabá.
Registros sobre a pandemia de gripe espanhola no século passado mostram que depois de Corumbá, a segunda cidade com mais mortes foi Campo Grande, com 2 mil infectados e 36 mortes. Em seguida, Porto Murtinho registrou 273 infectados e 32 mortos. Miranda teve 400 infectados e 28 mortos. Os dados são citados em mensagem do governador de Mato Grosso, Dom Aquino, à Assembleia Legislativa de MT, confirme documentos do acervo digital da Biblioteca Nacional.
Gripe espanhola x Covid-19
Se na época, Corumbá era uma das cidades com mais mortos pela pandemia o Estado, em 2020 a situação não é diferente. Conforme dados apurados no acervo da Biblioteca Nacional, Corumbá registrou 4,5 mil infectados e 160 mortos pela gripe espanhola em três meses. Na pandemia de coronavírus, a doença só começou a se espalhar nos últimos meses. Um dos fatores que pode explicar o acontecimento é que na época, Corumbá era utilizada como rota fluvial.
Nos três primeiros meses de pandemia de Covid-19, entre março e junho, Corumbá registrou apenas nove mortes causadas pela doença. Porém, o número de infectados começou a aumentar no município nos últimos meses e Corumbá já contabiliza 3.361 infectados nesta terça-feira (15) e 117 mortes causadas pelo coronavírus.
Na pandemia de coronavírus, a cidade com mais casos e mortes é a Capital, com 26.690 infectados e 466 mortos, conforme dados da SES (Secretaria de Estado de Saúde).
Quinino, a ‘cloroquina’ da época
Durante a pandemia de gripe espanhola, as recomendações das autoridades eram bastante parecidas com a pandemia de coronavírus: evitar aglomerações e manter cuidados com a higiene.
Naquele período, uma das recomendações era que os pacientes tomassem soluções de sal de quirino, um remédio para a malária. Agora, com a pandemia de coronavírus, a cloroquina, que é utilizada para tratamento de malária, se tornou objeto de controvérsia. O medicamento é recomendado pelo presidente Jair Bolsonaro mesmo sem comprovação científica da eficácia do remédio.
Negacionistas da pandemia
Assim como ocorreu com a pandemia de Covid-19, na época da gripe espanhola, as autoridades negaram os perigos da doença, já que era algo desconhecido e com potencial para gerar impactos na economia e nos sistemas de saúde.
“A negligência por parte do poder executivo, a postura caótica e negacionista e o endosso, sem respaldo científico, a medicamentos que supostamente podem ser eficientes estão presentes tanto nas experiências do passado (no contexto da gripe espanhola) como nos discursos das autoridades sobre a pandemia do novo coronavírus”, afirma a pesquisadora da UEMS no artigo.