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ImprimirDesde que o Rio Grande do Sul foi atingido por uma tragédia climática que já deixou mais de 150 mortos e 500 mil desalojados, uma série de publicações desinformativas se proliferaram nas redes sociais.
Um balaço das principais agências de checagens identificou mais de cem casos de desinformações nas redes sociais nas últimas duas semanas. O UOL Confere já desmentiu, pelo menos, 20 alegações falsas ou distorcidas. O número de pedidos de checagens enviadas para o WhatsApp do UOL Confere (11) 97684-6049 triplicou na comparação com o mesmo período do ano passado. Mas o que está por trás desde movimento?
'O governo não faz nada'
Os governos federal e do Rio Grande do Sul são dois dos principais alvos das desinformações. Publicações afirmam que eles estariam criando empecilhos para a ajuda humanitária às vítimas. Por trás disso, há uma narrativa de que a burocracia estatal atrapalha.
Essas narrativas desinformativas têm sido impulsionadas por influenciadores ligados à extrema direita. É o que indica o relatório produzido pelo Netlab (Laboratório de Estudos de Internet e Redes Sociais) da UFRJ. O UOL Confere também identificou ao menos sete deputados federais que disseminaram desinformação no plenário da Câmara (leia aqui). Cinco são do PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, e dois, do União Brasil.
Exército também virou alvo dos ataques. As conclusões do Netlab vão de encontro às da pesquisa Quaest, divulgada pelo UOL, que mostrou que 70% das menções ao Exército nas redes eram negativas. Especialistas consultados pela coluna da jornalista Letícia Casado apontam indícios de uma "máquina de fake news organizada e bem articulada" na desinformação sobre a suposta omissão de socorro ao RS. Um relatório do Monitor do Debate Político no Meio Digital, da USP, também relata a mesma situação acerca das narrativas online com teor antigoverno.
Extrema direita quer impedir que governo ganhe visibilidade na tragédia. Para a coordenadora do Netlab, Marie Santini, as publicações que desinformam sobre a atuação dos entes federativos, sobretudo do governo federal, têm como objetivo impedir que o governo capitalize a exposição das ações de socorro ao estado gaúcho.
"O governo tem esse papel de coordenação. E é óbvio que, seja o governo que for, ele pode capitalizar em cima disso: ganha visibilidade, mostra as suas ações em todos os meios de comunicação. (...) Então, normalmente, os líderes quando lidam bem, eles saem mais fortes, com uma aprovação maior, que é o que a gente está vendo nas pesquisas. E a extrema direita entrou para impedir que isso aconteça".
"Empresários e civis são os verdadeiros heróis"
Iniciativa privada e voluntários surgem como heróis. À medida em que ataca o Estado, a extrema direita também tenta emplacar nas redes uma hipervalorização da atuação de empresários e de civis voluntários na ajuda humanitária às vítimas.
"Ao mesmo tempo, eles estão vindo com uma contranarrativa, que é de que a ajuda que eles estão fazendo ou o Elon Musk [dono do X] e os voluntários é muito mais importante do que qualquer ajuda do governo federal, o que não é verdade, porque nesse nível de catástrofe, você precisa de uma coordenação e realmente de muito dinheiro". Marie Santini
'Thank you, Musk'. Uma das mensagens desinformativas que circularam afirmava que a Starlink, rede de internet do bilionário Elon Musk, era a única que funcionava no RS, o que é falso (veja a checagem aqui). Em seguida, o bilionário anunciou, de fato, a doação de mil antenas da Starlink para o estado. A ação gerou repercussão entre figuras da direita e até agradecimento do governador do estado, Eduardo Leite (PSDB).
Deputado já agradecia Musk mesmo antes da doação. O deputado estadual do Rio Grande do Sul Capitão Martim (Republicanos) já estava agradecendo ao bilionário em publicação no X muito antes do anúncio da doação ao governo do RS. Musk postou a informação no dia 9 de maio, mas quatro dias antes o político publicou uma foto segurando uma caixa com o nome da empresa. A foto foi posteriormente usada em posts desinformativos que afirmavam que só a rede de Musk funcionava no estado.
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Discurso que empresário faz mais do que o Estado. Outra desinformação desmentida foi a de que o empresário Luciano Hang, dono da Havan, teria enviado mais helicópteros para o RS do que o governo federal, que não teria enviado nenhum.
'Governo multas caminhões'
Cobrança de nota fiscal de doações. Uma desinformação que teve bastante projeção foi a alegação de que autoridades fiscais ou de trânsito estariam cobrando notas fiscais de doações. Mais um vez, o estado estaria atrapalhando. A história cresceu ainda mais depois que o SBT mostrou uma equipe da Defesa Civil de Florianópolis sendo multada em um posto da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) em Araranguá (SC) por excesso de peso. No dia seguinte, o órgão assumiu o problema e informou que as multas seriam anuladas.
Número de multas é pequeno em relação ao volume de caminhões. Num total de cerca de 8.000 veículos com ajuda, apenas seis foram multados, mas nas redes sociais a narrativa desinformativa dava a impressão de que todos os caminhões estavam sendo autuados.
"Eles sabem também que se cada um criar uma narrativa muito diferente da outra, eles vão confundindo o público. Então eles fazem narrativas convergentes, porque essa repetição faz parte de uma sensação de confirmação. Então, você vê influenciadores com opiniões parecidas, não necessariamente a mesma narrativa, mas que a mensagem difundida é a mesma. Isso é fundamental para deixar o público confuso ou em dúvida em relação à cobertura da imprensa tradicional". Marie Santini
Golpes e anúncios fraudulentos
Anúncios pagos com golpe proliferam no Facebook. Entre 6 e 8 de maio, foram identificados 351 anúncios problemáticos no Facebook, isto é, publicações pagas suspeitas de serem golpes sobre as enchentes no RS. As propagandas foram feitas por 186 anunciantes.
Golpe usa Havan. Segundo o relatório, a página com mais anúncios suspeitos é a "Lajeado Notícias", que divulgava um site falso da Havan. O site fraudulento foi veiculado em 37 anúncios fingindo divulgar campanha em apoio às vítimas das enchentes. O UOL Confere desmentiu uma promoção falsa similar. Lajeado é um dos mais de 460 municípios atingidos pelo desastre climático no estado.
Redes lucram com anúncios com golpe. Para a pesquisadora, a Meta tem responsabilidade solidária pelos golpes aplicados na sua plataforma, uma vez que não checa a origem dos anúncios pagos e isso faz parte do seu modelo de negócios.
"Um anúncio pode atingir milhares de pessoas que estão perdendo dinheiro, achando que estão ajudando e estão dando dinheiro para bandido. E a Meta está ganhando dinheiro com isso, porque uma parte do pagamento do anúncio vai para a Meta. É uma situação muito grave, porque eles copiam a logo, e exploram toda a estética dessas enchentes para dar esse golpes".
Marie Santini
Meta diz que atua contra anúncios com golpe. "Lamentamos a crise que está afetando o povo do Rio Grande do Sul e nos solidarizamos com todos os afetados pela tragédia das enchentes. Não permitimos atividades fraudulentas em nossos serviços e estamos removendo conteúdos violadores assim que identificados por meio do uso de tecnologia, denúncias de usuários e revisão humana". declarou a Meta em nota. A empresa não informou quantos anúncios foram retirados do ar nesse período.