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Comportamento
14/03/2020 07:30:00
Incontinência: O problema debilitante que afeta 35,1% das mulheres
A Incontinência Urinária (IU) é uma doença que se caracteriza pela perda involuntária de urina e muitos dos casos diagnosticados podem estar associados à síndrome de Bexiga Hiperativa.

NM/PCS

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Para assinalar a Semana da Incontinência Urinária e para saber mais sobre esta condição, o Lifestyle ao Minuto entrevistou a médica Alexandra Henriques, membro da quipa de Uroginecologia, e do Departamento de Obstetrícia, Ginecologia e Medicina da Reprodução, no Hospital Santa Maria em Lisboa.

"O impacto é marcado nas várias dimensões da qualidade de vida destas mulheres, incluindo na sua integração social, sexualidade e auto-imagem. Isto traduz-se numa perturbação emocional que habitualmente se traduz por ansiedade e alguns sintomas depressivos. São mulheres que estão tristes com a sua situação, perturbadas com medo de cheirar mal e de ficarem molhadas/sujas", explica a médica Alexandra Henriques.

"Podem demonstrar ansiedade pelo receio de perder urina em ocasiões e locais com exposição pública. Por isso adoptam comportamentos para evitar as perdas: deixam de ir ao ginásio, de fazer caminhadas, evitam eventos sociais, evitam beber água, controlam todos os sítios de modo a garantir que há um WC por perto, algumas evitam ter relações sexuais. É uma doença benigna com um grande impacto nas atividades do dia-à-dia mas este impacto depende do grau de aceitação e adaptação à incontinência urinária", acrescenta.

Um novo estudo realizado pelo departamento de ginecologia do Hospital de Santa Maria revela que a prevalência da Incontinência Urinária na Mulher é de 35,1%. Até ao momento, estimava-se que a prevalência da IU em Portugal era de 21,4% - dados de um estudo realizado em 2008 pelo Serviço de Higiene e Epidemiologia da Faculdade de Medicina do Porto - e estudos europeus indicam uma prevalência a variar entre os 18 e os 42%.

A Bexiga Hiperativa (BH) consiste na contração involuntária dos músculos da bexiga enquanto esta se enche de urina e que pode levar as pessoas que dela sofrem a ter de ir à casa de banho mais de oito vezes por dia e duas a três vezes por noite, sendo que em vários casos as pessoas não chegam a ter tempo de chegar à casa de banho, o que tem um grande impacto na vida dos que sofrem desta patologia.

O estudo do departamento de ginecologia do Hospital de Santa Maria, que foi realizado entre setembro e outubro de 2017 através de questionários realizados no grupo de farmácias Holon e que contou com 2226 mulheres inquiridas com idades entre os 19 e os 90 anos, mostra que das 781 (35,1%) mulheres que revelaram ter tido perdas de urinas nas últimas duas semanas, 8,2% tinham obesidade (IMC superior a 30kg/m2), 14,3% referiam ser fumadoras, 80,2% tiveram pelo menos um parto vaginal, 76,2% estavam em pós-menopausa, 27,3% referem infeções urinárias de repetição e 15,2% tinham sido submetidas a histerectomia.

Na entrevista que se segue a médica Alexandra Henriques desvenda mais informação sobre a incontinência urinária - um problema que infelizmente ainda é um tabu.

O que é a incontinência urinária?

Define-se incontinência urinária como toda a perda de urina involuntária que perturba a qualidade de vida.

Existem vários tipos de incontinência?

Existem muitos tipos de incontinência urinária, os tipos mais frequentes são:

Incontinência urinária de esforço - perda de urina involuntária com o esforço da tosse, rir, tossir, exercício físico.

Incontinência de urgência - perda de urina involuntária associada a urgência miccional. Às vezes chamada de ‘bexiga hiperativa molhada’ que significa que o músculo da bexiga contrai indevidamente durante a fase de enchimento, dá a sensação de urgência em urinar e se a doente não for logo à casa de banho, não consegue controlar a urgência e a urina acaba por sair. Também existe a ‘bexiga hiperativa seca’ são doentes que referem as mesmas queixas de urgência miccional acentuada, aumento da frequência miccional, necessidade de urinar mais que uma vez durante a noite mas não perdem urina.

Qual é a relação da incontinência com a síndrome de bexiga hiperativa?

Como expliquei acima, a bexiga hiperativa é um diagnóstico em que, através de exames, se comprova que o músculo da bexiga contrai indevidamente na fase em que devia estar relaxado para a bexiga encher. Este mecanismo provoca nos doentes a urgência em ir urinar com muita frequência, a necessidade de urinar mais que uma vez durante a noite. Pode ser molhada ou seca (na literatura inglesa designa-se por ‘wet overactive bladder’ (OAB) ou ‘dry OAB’) consoante os doentes perdem ou não urina desencadeada pela urgência.

Quantas mulheres são afetadas pela condição?

Globalmente estima-se que cerca de 30% das mulheres sofram de incontinência urinária ao longo da vida. Mas a verdadeira prevalência depende muito do tipo de incontinência, da idade das mulheres e do facto destas a reportarem ou não. Há muita vergonha em abordar este assunto. Recentemente foi realizado um estudo, em que a minha equipa participou, que incluiu 2226 mulheres de todas as áreas geográficas de Portugal, com idades entre os 19 e os 90 anos, que voluntariamente responderam a um questionário de sintomas sobre incontinência urinária. Apurámos que 35% responderam que tinham perdido urina involuntariamente nas duas últimas semanas. Destas 76% referiram perdas de urina desencadeadas pelo esforço.

A partir de que idade pode surgir?

A faixa etária mais afetada é dos 30 anos em diante porque a incontinência urinária de esforço surge muitas vezes após os partos e com modificações do suporte da uretra que podem surgir após a menopausa. A incontinência urinária de urgência é mais prevalente nas mulheres após a menopausa porque se associa a um 'envelhecimento' da função da bexiga muitas vezes decorrente de uma perturbação da sua enervação (sequelas tardias de estiramento/compressão dos tecidos durante a gravidez e partos, consequência de perturbações neurológicas associadas a doenças concomitantes por exemplo diabetes).

Quais são as causas?

A incontinência urinária é um sintoma que pode ter várias causas dependendo dos sintomas que a acompanham que podem variar de pessoa para pessoa.

No caso da incontinência urinária de esforço, há muitos fatores que podem contribuir para esta forma de incontinência, são eles: fatores genéticos (hereditários), número de gravidezes/partos, idade/estado pós-menopausa (devido a alterações hormonais que levam à modificação dos tecidos – tornando-os mais laxos), obesidade, tosse crônica.

No caso da incontinência urinária de urgência é mais difícil identificar uma causa concreta. Há muitas teorias que a tentam explicar e muitas vezes não se consegue perceber qual é a causa. No entanto, sabemos que se associa habitualmente a doenças concomitantes: diabetes, tromboses (acidentes vasculares cerebrais), depressão e ansiedade, incontinência fecal, radioterapia pélvica. Há também situações que agravam a incontinência como por exemplo: demência, dificuldades na marcha, infecções urinárias de repetição.

Como é que as mulheres podem lidar no dia a dia com a condição?

Estas mulheres não devem ter vergonha de falar neste problema ao seu médico de família porque ele está habilitado a orientar a avaliação e tratamento inicial. Serão posteriormente referenciadas, sempre que for preciso, para os centros hospitalares que dispõem de equipas multidisciplinares para ajudar as doentes que não responderam ao tratamento instituído. A primeira abordagem pode e deve ser feita pelos médicos de medicina geral e familiar.

Existem tratamentos? Há cura?

Existem muitos tratamentos que são variados e de complexidade crescente não posso detalhar aqui todos.

A primeira abordagem deve ser a promoção de modificações de hábitos comportamentais (adoptar estilos de vida saudáveis), combater a obesidade e o tabagismo. Seguidamente há a reabilitação do pavimento pélvico (uma fisioterapia específica) que deve ser orientada por médicos de medicina física e reabilitação e deve ser realizada em centros com pessoal diferenciado nesta área. Esta parte é transversal a todos os tipos de incontinência.

Depois há tratamentos com indicações específicas dependendo do tipo de incontinência. A incontinência urinária de esforço pode necessitar de tratamento cirúrgico. A incontinência urinaria de urgência, na grande maioria dos casos, trata-se com medicamentos e com treino vesical. Para os casos muito complicados há tratamentos de última linha que podem implicar colocar um aparelho para neuromodulação sagrada (uma espécie de um pacemaker que vai regular o enchimento e esvaziamento da bexiga).

Qual é o impacto psicológico da incontinência nas mulheres e como pode interferir no seu quotidiano?

O impacto é marcado nas várias dimensões da qualidade de vida destas mulheres, incluindo na sua integração social, sexualidade e auto-imagem. Isto traduz-se numa perturbação emocional que habitualmente se traduz por ansiedade e alguns sintomas depressivos. São mulheres que estão tristes com a sua situação, perturbadas com medo de cheirar mal e de ficarem molhadas/sujas.

Podem demonstrar ansiedade pelo receio de perder urina em ocasiões e locais com exposição pública. Por isso adotam comportamentos para evitar as perdas: deixam de ir ao ginásio, de fazer caminhadas, evitam eventos sociais, evitam beber água, controlam todos os sítios de modo a garantir que há um WC por perto, algumas evitam ter relações sexuais. É uma doença benigna com um grande impacto nas atividades do dia-à-dia mas este impacto depende do grau de aceitação e adaptação à incontinência urinária.

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