Terra/PCS
ImprimirNão faz muito tempo que Johanna Weber sentiu na própria pele o desconforto causado pela nova obrigatoriedade de cadastramento de profissionais do sexo na Alemanha: passando pelo caixa de uma loja de construção, ela procurava o cartão-fidelidade da loja na carteira. Em vez disso, na frente da funcionária e das outras pessoas na fila, caiu-lhe nas mãos um papel atestando que ela trabalha como prostituta. "Que maravilha, pensei", lembra Weber. Bordéis alemães lançam selo de qualidade
Ela trabalha como dominatrix profissional num estúdio próprio. Também é sócia fundadora da Associação Nacional de Prestação de Serviços Eróticos e Sexuais. Como ativista pelos direitos de profissionais do sexo na Alemanha, ela está acostumada a falar publicamente sobre o trabalho que exerce.
"Mas a maioria dos colegas tem um problema enorme em falar disso, por causa do estigma da nossa profissão", constata.
Muitas trabalhadoras chamam de "passaporte de puta" a carteirinha que são obrigadas a carregar consigo desde o ano passado, quando passou a valer o cadastramento obrigatório de profissionais do sexo. A identificação é um dos pilares da nova "lei para a regulamentação da atividade de prostituição, assim como para a proteção das pessoas ativas no ramo da prostituição" - ou seja, a lei de proteção a profissionais do sexo na Alemanha.
O texto é altamente controverso em meio a associações dedicadas a trabalhadores e trabalhadoras do sexo. "As mulheres simplesmente têm medo de que os dados delas não vão ficar apenas cadastrados nos bancos de dados das autoridades de registro, mas que serão passados adiante", diz Weber.
Segundo a lei, as informações das pessoas cadastradas só podem ser transmitidas com a justificativa de protegê-las de tráfico humano ou para defendê-las de um "perigo concreto", mas muitos acham o cadastro inseguro. Especialmente mães solteiras que trabalham na indústria do sexo têm medo de que seus dados não serão tratados com cuidado e sensibilidade, explica a ativista - elas temem perder a guarda dos filhos.
Estudantes que trabalham com sexo para pagar as contas também não querem revelar a ocupação para não colocar em risco o futuro início da carreira profissional. E imigrantes que querem ter mais opções de trabalho no futuro também recusam o registro.
Profissionais sobrecarregados
A lei de proteção a profissionais do sexo entrou em vigor na Alemanha no dia 1º de julho de 2017. Até o final do ano passado, todos os operários e operárias do sexo tinham que se registrar numa agência especial e passar por um aconselhamento de saúde. Mas a aplicação da legislação ainda derrapa em muitos lugares.
"Ainda não existe uma agência em Berlim onde o cadastro pode ser feito", afirma Weber. "Isso quer dizer que agora temos que ir à repartição pública de registro civil [Ordnungsamt] e pedir um atestado de que tentamos nos registrar."
Não está claro se esse atestado também vale em Munique, onde Weber também trabalha. "Mas eu vou esperar para ver. Não tenho culpa da incompetência que há no meu estado", explica.
Outros estados da Alemanha apresentam deficiências na aplicação da lei. Em Hessen, não foi esclarecido quais as agências responsáveis para o cadastro. Na Baviera, também há problemas.
"A maior parte das profissionais do sexo nem pôde fazer o registro", diz Sandra Ittner, do centro de aconselhamento Kassandra, em Nurembergue.
Uma das exceções é Hamburgo, que já implementou as agências de registro e de aconselhamento de saúde previstas na lei. Desde o início de novembro passado, acontecem consultas médicas. Segundo autoridades municipais, a recepção tem sido positiva.
Risco para pequenas empresas
Há vários anos, queria-se melhorar a situação de homens e mulheres que trabalham com sexo na Alemanha. Por isso, em 2002, entrou em vigor a lei da prostituição, ou "lei para a regulamentação da situação legal de prostitutas". Desde então, trabalhar com sexo não é mais classificado como atentado aos bons costumes no país. Profissionais do sexo podem exigir o pagamento de seus honorários em tribunal e têm direito ao seguro social.
A legalização da prostituição visava ao fim da estigmatização, abrindo caminho para a normalização da prostituição. Esse pensamento não está mais incluído na nova lei, que também quer ajudar as mulheres - especialmente aquelas que são forçadas a se prostituir por traficantes de pessoas. Weber, no entanto, acha que essa postura é ingênua.
"Se traficantes de pessoas conseguem obrigar mulheres ou homens a se prostituir contra a própria vontade, eles também vão conseguir obrigar essas pessoas a passar na agência para se registrarem", considera.
Para a ativista, além da obrigatoriedade de cadastro, a lei de proteção a profissionais do sexo ainda apresenta vários outros defeitos. "Na verdade, a lei deveria servir para nos proteger. Em vez disso, dificulta a nossa situação."
Especialmente mulheres que trabalham juntas e de forma autônoma em apartamentos pequenos podem passar a sofrer mais pressões com os novos regulamentos. Estes preveem que haja banheiros separados para os clientes e as profissionais do sexo, alarmes e uma separação rigorosa de quartos para trabalho e privados - mas, de acordo com Weber, essas normas são muito mais difíceis de cumprir num apartamento do que num bordel maior. Segundo ela, microempresárias do setor não têm dinheiro para custear as reformas e poderão ser forçadas a desistir da ocupação.
Além disso, a lei proíbe que profissionais do sexo passem a noite no local de trabalho - e, assim, precisariam alugar outro quarto ou ir para um hotel. Weber avalia essa norma como um custo desnecessário.
Outra crítica que ela faz é à consulta médica anual obrigatória prevista pela nova legislação, o que ela considera sem sentido. "Que novidades eles vão me contar toda vez que eu for [ao médico]?", questiona. Já os legisladores esperam que, com a consulta obrigatória, consigam atingir pessoas que antes trabalhavam sob condições precárias e não sabem como se proteger de doenças sexualmente transmissíveis.
Tornar visível
Se para alguns a lei exagera em certos aspectos, para outros, ela deixa de abranger vários pontos. A organização internacional Solidariedade com Mulheres em Dificuldades (Sowoldi), que luta contra o tráfico humano, acredita que grande parte das trabalhadoras e trabalhadores do sexo na Alemanha sejam obrigados a se prostituir.
"Estamos convencidos de que a nova lei de proteção a profissionais do sexo não é capaz de, na prática, resolver os problemas [...]", diz o texto com o posicionamento da associação sobre a lei.
Ao contrário, a organização, fundada pela religiosa Lea Ackermann, exige uma proibição total da prostituição e uma criminalização de qualquer serviço sexual, a exemplo do que acontece há algum tempo na Suécia.
Apesar de todas as críticas, também existem vozes que receberam a lei de forma positiva. "Há profissionais do sexo que demonstram receio, mas tenho recebido feedback majoritariamente positivo", disse, em entrevista ao jornal Frankfurter Rundschau, Elvira Niesner, da organização de aconselhamento Frauenrecht ist Menschenrecht (Direitos das Mulheres são Direitos Humanos).
Niesner também destaca que a lei poderia melhorar consideravelmente a situação financeira precária de homens e mulheres que trabalham com sexo. Depois de vários anos, eles passariam a ter direito a apoio do governo, uma vez que, agora, "existem" oficialmente.