Correio do Estado/LD
ImprimirEm março do ano passado, a rotina dos moradores de Dourados foi sacudida pela equipe de produção do filme “Em Nome da Lei”, que desembarcou na cidade para filmar a trama de ação policial inspirada no juiz federal Odilon de Oliveira. Foram sete semanas de gravações, em diversos pontos da cidade, com participação direta da população – cerca de 730 pessoas se mobilizaram para auxiliar no projeto.
Apesar de ter estreia marcada nos cinemas nacionais para a quinta-feira, dia 21, o Correio B assistiu ao filme em primeira mão, na segunda-feira, em São Paulo, e entrevistou o diretor Sérgio Rezende (responsável por obras como “Guerra de Canudos” e “Zuzu Angel”) e os atores Mateus Solano, Paolla Oliveira e Chico Diaz, que falaram sobre a experiência de gravar em Mato Grosso do Sul e a temática polêmica e atual do longa-metragem.
INSPIRAÇÃO
Com custo de aproximadamente R$ 7 milhões, “Em Nome da Lei” narra a busca por justiça comandada pelo juiz federal Vitor Ferreira (interpretado por Mateus Solano), que chega à região de fronteira e se depara com o império do crime liderado pelo traficante Gomez (Chico Diaz). Com ajuda da promotora Alice (Paolla Oliveira) e do delegado Elton (Eduardo Galvão), Vitor trava uma guerra contra Gomez e seu esquema criminoso.
O diretor Sérgio Rezende idealizou o roteiro após ler uma matéria sobre o juiz federal Odilon de Oliveira, que ficou conhecido por sua atuação na fronteira Brasil-Paraguai, onde condenou 120 traficantes e confiscou mais de R$ 2 bilhões do crime organizado e, por isso, há dez anos vive sob escolta permanente de policiais federais. “Eu fiquei sabendo que ele enfrentava aqueles reis da fronteira, os criminosos, e achei uma história incrível. É uma parte do Brasil que a gente conhece pouco”, disse.
Animado com o projeto, o diretor iniciou visitas a Campo Grande, Ponta Porã e Pedro Juan Caballero. Vários encontros e conversas com o juiz e os policiais que fazem sua escolta ajudaram a dar forma ao argumento da obra. Contudo, Sérgio deixa claro que quanto mais se aprofundou no roteiro, mais se distanciou da realidade.
De acordo com o ator Mateus Solano, que interpreta o juiz federal Victor no filme, houve a preocupação de não reproduzir características pessoais de Odilon em sua atuação. “A ficção distancia o filme da realidade do Odillon. Ele mesmo impôs essa distância. Não me inspirei especificamente nele, nem no Joaquim Barbosa e em nenhum outro juiz”, esclarece o ator.
Durante as gravações do longa, a equipe conheceu o juiz federal. “Apesar da dureza em que vive, com a escolta, ele foi muito gentil e carinhoso em todas as visitas que fez ao set”, pontua Mateus. “Ele é muito agradável. Contou suas histórias de vida e foi muito interessante vê-lo com isso que ele carrega (a proteção policial), que é preço da justiça”, definiu Paolla Oliveira.
APOIO LOCAL
No filme, a trama se passa no vilarejo fictício intitulado Fronteiras, que faria divisa com o Paraguai. Mesmo assim, a cidade de Dourados funciona como personagem chave do longa-metragem. Ao todo, 70 cenários foram montados em 40 pontos da cidade. Ruas, estradas, postos de gasolina, hospitais, casas e aeroporto aparecem nas cenas.
De acordo com a produtora Mariza Leão, filmar em Dourados foi uma estratégia inteligente e necessária. “Facilitou tudo, em questão de transporte e hospedagem da equipe. Quando você grava nos grandes centros, perde horas até todos conseguirem chegar no local de gravação. Rodar em Dourados permitiu que 12 horas de trabalho realmente fossem 12 horas de trabalho”, resume.
Tanto o diretor quanto o elenco elogiaram o respeito e o apoio dos moradores locais. “O povo foi sensacional”, afirma Mateus Solano. “Tinha muito carinho, mas acima de tudo respeito e curiosidade. A gente gravava as cenas externas e a população ficava em volta, mas era preciso ficar pedindo silêncio”, recorda.
“Movimentou a cidade, não é?”, complementa Paolla Oliveira. “A gente estava em um lugar realmente próximo da fronteira, conseguíamos ouvir histórias das pessoas e tudo isso só acrescentou ao filme”, comenta a atriz.
O diretor também elogiou os atores que participaram da obra, como a jornalista Blanche Torres, que interpretou a secretária Terezinha. Vários douradenses fizeram pequenas participações e figuração. “Eles foram parte fundamental. Independentemente se o papel foi pequeno ou grande. Se você tem uma casa e tira um tijolo, a parede cai”, avalia o diretor.
OPORTUNO
Apesar de o roteiro ter sido concebido há quatro anos, “Em Nome do Lei” traz uma discussão bastante atual sobre o papel do sistema judiciário e os limites (ou a falta deles) na ânsia de buscar justiça.
O personagem de Mateus Solano, o juiz federal Vitor, é carregado de vaidade em seu objetivo ingênuo de extinguir o crime organizado em poucas semanas de trabalho. Para desestabilizar os criminosos, troca os pés pelas mãos e toma decisões impensadas. Apenas com a ajuda da sóbria promotora Alice, papel de Paolla Oliveira, e do delegado Elton, interpretado por Eduardo Galvão, é que encontra meios eficazes de enfrentar os bandidos.
Para Sérgio Rezende, o filme trata sobre o embate entre justiça e lei. “Nem sempre as duas coisas caminham juntas. Muitos criminosos conseguem se livrar da cadeia por meio das leis, e isso não seria justiça”, exemplifica. “Meu objetivo é causar reflexão, gerar debates. É o que eu espero e torço que aconteça”.
“Nós vivemos um momento de polarização na sociedade, mas o filme não escolhe lados”, destaca Mateus. Para o ator, a obra mostra que a ilegalidade e os atos corruptos estão presentes na rotina de todas as pessoas – e é preciso estar atento. “Você compra um DVD pirata, por exemplo, e já entre nesse ciclo”.
Após o término da sessão, muitas pessoas já comentavam as semelhanças entre o roteiro do filme e narrativas da política e justiça brasileira. Será que os debates da realidade brasileira vão ajudar na bilheteria de “Em Nome da Lei?” O diretor Sérgio Rezende prefere não responder ainda. “Vamos esperar a estreia”, decreta, para em seguida esclarecer: “Não é um filme oportunista, mas sim oportuno”, conclui.