Folha/PCS
ImprimirO clima é mais informal do que uma vernissage de artes plásticas. A cerveja substitui a champanhe do ambiente das feiras de arte, e a caipirinha é de caju. Não há finger food sendo servida, mas sim dadinho de tapioca com pimenta e escondidinho de carne seca.
Os convidados vestem roupas de linho, vestidos, bermudas e sandálias. A sensação térmica é de 32o C às 23h, com um vento morno que vem do mar.
Estamos no centro de cultura Dragão do Mar, em Fortaleza, na quarta (5) à noite. A cerimônia de abertura do festival de fotografia Solar acontece ao ar livre, e a impressão é de que todos são bem-vindos -não há listas de convidados.
Mas poderia ter, já que estão presentes grandes nomes da fotografia brasileira, tanto quem fica atrás da câmera quanto quem fica ao redor.
Entre um drinque e outro, esbarra-se em Maureen Basiliat, que tem uma sala dedicada à sua obra em uma exposição no evento; em Rubens Fernandes Junior, que também expõe sua coleção de cartões postais com imagens bizarras. E encontra-se com Diógenes Moura, curador da potente mostra "Terra em Transe", que reúne imagens das tragédias de Mariana, de Belo Monte, do incêndio do Museu Nacional e do "novo corpo trans", nas suas palavras.
Tudo isso não é por acaso. Capital do estado que deu ao país o fotógrafo Chico Albuquerque e no qual Pierre Verger clicou belas imagens, Fortaleza tenta se firmar como meca da fotografia no Brasil. Primeiro com a inauguração do Museu da Fotografia, em 2017, e, agora com a edição inaugural do Solar, que vai até domingo (9).
No Museu, uma linda caixa de concreto instalada no bairro de Varjota, de arquitetura minimalista e clean, está exposta a coleção de Paula e Silvio Frota, que conta com nomes absolutos da fotografia mundial (Henri Cartier-Bressan, Steve McCurry, Sebastião Salgado) e nacional (German Lorca, Nelson Non, Cristiano Mascaro). A entrada é gratuita.
A poucos quilômetros dali, o centro de cultura Dragão do Mar, que corta a antiga zona portuária do bairro de Iracema -agora uma praia badalada-, tem seus 14,5 mil m2 ocupados integralmente por exposições e discussões a respeito da imagem estática. Nas paredes e nos corredores, um quem é quem da fotografia no Brasil de hoje.
Um dos marujos desta nova frente da fotografia é Tiago Santana, fotógrafo conhecido por seus cliques de festas populares do Nordeste e de romarias -e irmão do atual governador do estado, Camilo Santana (PT). Santana, o fotógrafo, afirma que o festival Solar "é fruto de décadas de um movimento em torno da fotografia no Ceará".
Segundo ele, a movimentação começou nos anos 1980, quando o Instituto Nacional da Fotografia (Infoto) criou semanas nacionais dedicadas à técnica, o que permitia que profissionais de diferentes regiões do país se encontrassem e trocassem informações em uma época pré-internet.
Depois da extinção do Infoto, este papel foi ocupado pelos festivais dedicados à imagem, caso do Paraty em Foco, do Festival de Valongo, do Festival de Tiradentes e do de Paranapiacaba. Há cerca de 30 eventos do tipo hoje no país, espalhados durante todo o ano.
Santana afirma que "faltam políticas públicas definidas para a linguagem da fotografia", e esta é uma lacuna que seu festival tenta suprir, com o aporte direto de R$ 1,5 milhão via Secretaria de Estado da Cultura nesta primeira edição.
As mostras em cartaz no Dragão do Mar para o festival seguem abertas até março. Neste período, são esperadas 50 mil pessoas. "Não se pode fazer um festival de fotografia só para fotógrafos -não faz mais sentido fazer um festival só para fotógrafos", disse Santana, no discurso de abertura do evento.
Nos próximos anos, está prevista a inauguração de um Museu da Imagem e do Som em Fortaleza, fato que pode sedimentar de vez o lugar da cidade como centro de produção e discussão de imagens. Com informações da Folhapress.