Correio do Estado/LD
ImprimirCom faturamento 49% maior em 2022 na venda de gás para o Brasil e a Argentina, a Bolívia está de olho em atender à demanda que vem sendo gerada por Mato Grosso do Sul para ampliar o fornecimento pelo sistema do gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol).
Essa medida pode resultar também em maior arrecadação de ICMS para o Estado, já que o combustível é nacionalizado em Corumbá. O Gasbol rende mais de R$ 1 bilhão ao ano para Mato Grosso do Sul por conta do recolhimento de imposto.
Além disso, internamente, a Companhia de Gás de Mato Grosso do Sul (MSGás) visualiza ampliação e está com licitação aberta para contratar consultoria comercial a fim de ampliar sua rede de clientes em Campo Grande. Esse processo deve ser concluído em março.
A empresa sul-mato-grossense atende 27 indústrias em Campo Grande e Três Lagoas. Desde 2022, a MSGás conduz um plano de expansão, avaliado em R$ 50 milhões, para criar ramal entre a Capital e Sidrolândia, em uma primeira etapa.
Se houver um maior fornecimento do combustível, o projeto é criar um outro ramal, para passar por Maracaju e Rio Brilhante e chegar em Dourados.
A capacidade do Gasbol é de 30 milhões de m³ por dia, com contrato atualmente prioritário apenas para a Petrobras.
A estatal brasileira tem contrato para compra de 20 milhões de m³/dia, porém, nos últimos anos, a Bolívia enfrenta dificuldades para garantir essa quantidade e, contratualmente, pode fornecer 14 milhões de m³/dia sem receber multa. Esse acordo tem validade até 2025.
De acordo com o diretor-presidente da MSGás, Rui Pires dos Santos, o fornecimento tem sido de, em média, 18,5 milhões de m³/dia. “Agora, com a aproximação dos governos [do Brasil e da Bolívia], acredito que seja mais fácil aumentar o fornecimento, já que a demanda brasileira é grande”, disse ao Correio do Estado.
CENÁRIO
Desde 2021, existe marco regulatório que tirou da Petrobras a exclusividade de fornecimento e negociação, mas a MSGás não conseguiu avançar para ganhar mercado.
Além disso, dentro das regras contratuais vigentes, a Bolívia pode negociar cerca de 4 milhões de m³ por dia com outros players sem sofrer multas.
Mesmo com essa possibilidade, o Estado não teve corpo para conduzir tratativas para firmar um contrato com o país vizinho, principalmente porque também dependia do governo federal nessa temática no campo político.
Durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL), de 2019 a 2022, a proximidade com o presidente Luis Alberto Arce Catacora (MAS) ficou estremecida. O governo de esquerda da Bolívia foi criticado em diferentes momentos por Bolsonaro.
O cenário para as negociações bilaterais mudou completamente com a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT)neste ano. Ele e Luis Arce discutiram, em janeiro, fortalecer e ampliar o comércio de gás.
“Temos muitos temas em comum, [como] a revisão do contrato de gás. Queremos ampliar nossa fronteira de produção e exportação aqui com a República do Brasil. Não somente com o gás, queremos falar de ureia”, declarou Arce, em publicação da Agência Nacional de Hidrocarbonetos (ANH), que se assemelha à Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) brasileira.
A reportagem do Correio do Estado apurou que esse contato direto entre presidentes repercutiu positivamente para aproximar o governo de Mato Grosso do Sul das autoridades bolivianas.
A partir de Corumbá, onde há o Consulado da Bolívia, ocorreu uma costura política para que o titular da Secretaria de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação (Semadesc), Jaime Verruck, pudesse se reunir em Brasília com o ministro-conselheiro da Embaixada da Bolívia, Horácio Villegas, e encaminhar a pauta de compra de gás boliviano por parte do Estado. Lideranças políticas ligadas ao PT em Corumbá deram suporte nesse tema.
O contrato da estatal Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB) com a Argentina está em seu sétimo aditivo, firmado em janeiro deste ano.
No ano passado, quando já havia o interesse de Mato Grosso do Sul em aumentar o contrato de compra, o governo boliviano priorizou a Argentina no período de maio a setembro.
A questão política e de mercado influenciou a prioridade na época. Esse fornecimento foi de 14 milhões de m³ por dia, ao valor de US$ 20 o milhão de BTU. A Petrobras paga entre US$ 7 e US$ 8 o milhão de BTU.
DESAFIOS
Apesar do cenário favorável para negócio, a Bolívia não teve sucesso em seu projeto de 20 novas bases exploratórias de gás, lançado em 2021. Até este ano foram feitas três bases, que não deram o resultado esperado.
Em janeiro, a consultoria Wood Mackenzie divulgou que o país vizinho não terá capacidade para abastecer Brasil e Bolívia em 2030 por conta de sua capacidade de exploração e aumento da demanda interna. Esse declive foi iniciado em 2015. A consultoria divulgou que o consumo boliviano é de 30% da demanda atual.
Do lado brasileiro, existe outra frente, que envolve financiamento do BNDES, para se construir um duto ligando as reservas de Vaca Muerta, na Patagônia (Argentina), até a região metropolitana de Buenos Aires, conforme divulgou a Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás).
Ainda seria necessário ter um duto entre Uruguai e Porto Alegre (RS) para garantir que essa expansão na Argentina fosse conectada ao gasoduto Brasil-Bolívia.
No caso de essa frente de investimento nacional priorizar a Argentina, Mato Grosso do Sul ficará para trás na arrecadação de ICMS.
ENCONTRO
Em reunião realizada em fevereiro, em Brasília, o titular da Semadesc, Jaime Verruck, reuniu-se com o ministro-conselheiro da Embaixada da Bolívia, Horácio Villegas.
O objetivo foi o de reforçar, em nome do governo de Mato Grosso do Sul, as tratativas com o governo boliviano em pautas como a ampliação do fornecimento de gás natural, além de questões logísticas e de controle sanitário na região da fronteira Corumbá-Bolívia.
“Queremos aumentar a venda de gás natural no Brasil, via Gasbol. Hoje, existe uma ociosidade média de 30% no gasoduto. Para isso, é necessário ampliar o fornecimento do gás natural, com ativação do gasoduto da MSGás, em Corumbá. Também tratamos do controle sanitário na fronteira, e ficou definida a realização de um encontro oficial, em Corumbá, para tratar desses e de outros assuntos, como a integração da ferrovia Bolívia-Brasil e da rota bioceânica ferroviária, além da integração hidroviária e portuária no Rio Paraguai”, informou o secretário.
Ainda será definida uma data para a realização do encontro oficial em Corumbá para tratar desses temas, que deverá contar com a presença do governador Eduardo Riedel, do secretário Jaime Verruck, do ministro de Hidrocarburos y Energías da Bolívia, Franklin Molina, e do presidente-executivo da YPFB, Armin Dorgathen Tapia.
“Na reunião com o ministro Horácio nos foi informada a preocupação do governo boliviano com a questão do fornecimento gás. Houve sinalização muito clara de que a Bolívia deve investir na exploração do gás natural, pois já está demonstrado que não há capacidade de ampliar o fornecimento”.
“O ministro nos informou que já estão ocorrendo investimentos de exploração de novas reservas de gás natural, e isso é importante para Mato Grosso do Sul”, finalizou Verruck.