G1/PCS
ImprimirO brasileiro voltou às compras após mais de 2 anos de retração no consumo. Esse movimento ainda é tímido, mas contribuiu para uma alta de 0,2% no Produto Interno Bruto (PIB) do país no segundo trimestre. O consumo das famílias cresceu 1,4% no período, em relação aos três meses anteriores, de acordo com dados divulgados nesta sexta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). ENTENDA O PIB E COMO ELE É CALCULADO
A inflação mais baixa, a queda na taxa de juros e os saques das contas inativas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) impulsionaram os gastos das famílias, de acordo com economistas ouvidos pelo G1.
Foi a liberação do dinheiro do FGTS, em março, que deu fôlego financeiro ao técnico-administrativo Alexandre Oh, de 37 anos. Ele usou um quarto do dinheiro que acumulou em 6 anos de trabalho como bancário para pagar suas dívidas com IPVA, cartão de crédito e cheque especial. Mas, parte desse dinheiro, ele gastou para melhorar de vida.
Sem dívidas, Oh passou a frequentar o clube, a academia, restaurantes, teatro e partidas de futebol. A maior parte do dinheiro (cerca de 55%) ele gastou com itens para casa, roupas para a família, cuidados com a cachorrinha e manutenção do carro, além de uma viagem com a esposa para a Bahia.
Os saques das contas inativas do FGTS injetaram R$ 44 bilhões na economia entre março e julho deste ano. O Ministério do Planejamento chegou a prever que esse valor acrescentaria 0,61 ponto percentual ao PIB de 2017, evitando o terceiro ano seguido de tombo da economia.
Cautela
Apesar da retomada do crescimento, o consumo das famílias ainda é tímido comparado aos tempos de bonança da economia. Muitos brasileiros ainda estão usando sua renda para quitar dívidas e guardar dinheiro para um futuro ainda indefinido.
No caso de Oh, 20% do dinheiro sacado do FGTS foi para a caderneta de poupança. “Por ora, não tenho a intenção ou previsão de gastar esse valor”, diz. A cautela se deve à percepção de que a melhora na economia ainda não é consistente. “Do jeito que as coisas caminham, não sei por quanto tempo vamos conseguir manter esta rotina”, comenta.
Mesmo com vontade de comprar uma lava-louças, uma máquina de lavar, uma secadora nova e móveis planejados para seu apartamento, o técnico administrativo está aguardando melhores condições econômicas para gastar.
“Não quero ficar sem reservas.”
Dívidas
Um estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV), feito em julho, mostra que o principal destino do FGTS inativo foi para quitar dívidas (37,6%). Em seguida, vem a aplicação em poupança (30%) e só depois o consumo (27,8%).
Segundo a FGV, o efeito do FGTS pode perdurar ao longo dos próximos anos, à medida que as famílias se sintam mais à vontade para gastar. Por enquanto, o impulso não acelerou de forma significativa o ajuste financeiro das famílias.
Peso no PIB
O consumo das famílias tem forte peso no PIB brasileiro, de 64%. Isso faz com que qualquer mínima recuperação no setor tenha reflexo importante na economia como um todo, explica o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale.
“O consumo tem que voltar a crescer para o resto da economia começar a reagir”, diz.
A demanda das famílias é o componente mais importante do bolo que também é dividido pelos gastos do governo, investimentos em bens de capital (máquinas e equipamentos) e comércio exterior. É ele que sustenta o crescimento do setor de serviços, o principal segmento do PIB pelo lado da oferta, que também voltou a crescer após 9 trimestres de retração.
Para sustentar a alta do consumo de forma consistente, os investimentos em bens de capital precisariam voltar a crescer, o que ainda não aconteceu, lembra Vale.
Sem essa contrapartida, a capacidade instalada da indústria fica menos ociosa e precisará de uma expansão se o consumo continuar a crescer para evitar pressionar a inflação para cima. Uma eventual alta de preços compromete a expansão do consumo.
Desemprego ainda preocupa
Os economistas lembram que o consumo das famílias brasileiras depende do nível de emprego na economia. A demorada recuperação do mercado de trabalho compromete o consumo, lembra Vale.
Em julho, o desemprego caiu para 12,8%, mas ainda há 13,3 milhões de desempregados. O país continua longe do cenário de pleno emprego visto no passado.
No primeiro semestre, dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) mostram que o Brasil gerou mais de 67 mil postos de trabalho.
**“Já temos um saldo positivo de vagas, mas elas concentram salários mais baixos, enquanto cortam postos de trabalho com salários mais altos. Isso tira a renda da economia e empurra uma melhora somente para o ano que vem.”**
'Não sinto segurança para gastar'
A percepção de que a melhora da economia ainda não se consolidou também deixa a analista comercial Maíra Fidalgo Catellani, de 26 anos, cautelosa em seus gastos. Ela recebeu um bom dinheiro do FGTS inativo no primeiro semestre deste ano, mas decidiu colocar tudo na poupança e adiar o sonho de comprar um carro zero.
Para ela, não é hora de arriscar. “Quero comprar muitas coisas, mas acabo deixando de lado justamente por não sentir segurança com a situação econômica do país”, conta.
Apesar de estar trabalhando, ela conta que nunca deixou de procurar emprego na sua área. Formada em administração de empresas, ela busca uma vaga melhor no setor administrativo.
“Infelizmente o mercado de trabalho ainda está bem parado, as vagas que surgem têm exigências absurdas comparadas ao salário oferecido. Existe pouca oferta e muita procura”, comenta.
Maíra pretende voltar a consumir, mas, por enquanto, sempre que pode coloca uma reserva na poupança para fazer futuramente um intercâmbio.
“Evito gastos desnecessários pois não sei o dia de amanhã.”
Ela espera o mercado de trabalho voltar a se movimentar para se sentir mais segura para gastar. “Só vou sentir que a situação econômica melhorou quando eu vir todos aqueles que conheço e que são extremamente capacitados conseguindo um emprego”, completa.