Uma das principais apostas das comunidades da Reserva Mamirauá para garantia\n de renda às gerações futuras é o turismo ecológico de base comunitária.
A\n exemplo do que fazem em outras atividades, o turismo é desenvolvido tendo como\n pilar a questão da sustentabilidade e tem como carro chefe a Pousada Uacari, um\n empreendimento flutuante administrado pelas próprias comunidades com a ajuda do\n Instituto Mamirauá. O local é frequentado, principalmente, por estrangeiros.\n \n A Pousada Uacari dá retorno financeiro aos ribeirinhos e às comunidades.\n “Com mais de 15 anos de existência, ela é um laboratório para atividades de\n ecoturismo e uma fonte de renda para as comunidades”, explica o gestor\n operacional da pousada e integrante do Programa Turístico de Base Comunitária\n do Instituto Mamirauá, Gustavo Pereira Pinto.\n \n Segundo ele, dois fatores fazem dela uma experiência inovadora: “O primeiro\n é a conservação do meio ambiente; um laboratório para atrair turistas, mas sem\n prejudicar o meio ambiente. Em segundo lugar está a cogestão pelos próprios\n comunitários [cerca de 40 pessoas]. Eles decidem o que deve ser feito”, disse\n Gustavo.\n \n A preocupação com a sustentabilidade do negócio está em todo canto da\n pousada flutuante. A comida é obtida nas roças plantadas pelas próprias\n comunidades. O aquecimento da água e a iluminação são à base de energia solar.\n A água das torneiras é retirada do próprio rio, e o esgoto recebe tratamento\n antes de ser despejado.\n \n Cada bangalô possui duas placas de energia solar. Uma para aquecimento de\n água e outra para luz elétrica. Todos têm também caixa de dejetos, que filtram\n os resíduos antes de jogá-los no rio. Para melhor limpeza, são usados dois\n tambores de plástico com capacidade para 200 litros cada. Em um dele são\n depositadas as fezes e, no outro, cheio de pedaços de tijolos, é feita a\n filtragem anterior ao despejo.\n \n “A água fica 90% limpa antes de ser despejada no rio. De tempos em tempos,\n os tambores são limpos, após a parte sólida ser removida e colocada em um\n buraco sob folhas. Enterrada, vira adubo”, explica o supervisor de lazer e\n manutenção, Antônio Coelho Rodrigues, 35 anos.\n \n Mais de 70% do público que visita a pousada vêm do exterior. Em geral,\n casais com idade entre 30 e 50 anos, vindos dos Estados Unidos (EUA), do Reino\n Unido, da Alemanha, França e Holanda. “A Amazônia é um fetiche para o mundo\n todo e isso favorece o negócio dos ribeirinhos”, disse Gustavo. “Outro motivo\n que desperta interesse turístico é o fato de ela [a Pousada Uacari] já ser\n referência em guias de turismo e em revistas estrangeiras, principalmente dos\n EUA e da Inglaterra”, acrescentou.\n \n Vindo de Minnesota (EUA), o empresário Randy Olson, 49 anos, disse que\n estava buscando um “tipo diferente” de turismo. “Sou avesso a lugares como\n Cancún (México), muito movimentados. Prefiro fazer turismo em localidades\n menores que proporcionem algum tipo de aprendizado”, disse à Agência Brasil.\n \n “Para muitos norte-americanos, a Amazônia é um mistério. Imaginava que seria\n algo mais rústico e acabei surpreendido com a boa qualidade da pousada. A\n comida é excelente e é muito interessante que tudo seja tocado pelos nativos.\n Fico na torcida pelo sucesso do empreendimento e vou indicá-lo a outras\n pessoas”, disse.\n \n Antes de chegar ao Brasil, Olson estava preocupado com o fato de desconhecer\n a estrutura aeroportuária de Tefé e as condições de transporte até a pousada.\n \n Preocupações similares às de Olson são também da equipe de ribeirinhos que\n cuidam da pousada. Segundo a gerente Ednelza Martins, 42 anos, a notícia de\n fechamento do aeroporto de Tefé – em 2005 e 2006, devido à presença de pássaros\n nas pistas – acabou resultando na desistência de muitos turistas em visitar o\n local. “Isso causou reflexos negativos no negócio, porque eles ficaram\n inseguros para uma viagem de três dias de barco, a partir de Manaus. Muitos\n desmarcaram a vinda”, disse.\n \n Em 2004, a pousada havia praticamente dobrado a renda obtida no ano\n anterior, chegando a R$ 185 mil. Com o boato de fechamento do aeroporto, a\n renda caiu para R$ 129 mil em 2005, e para R$ 104 mil em 2006. “Para a gente\n isso foi um problema, porque as comunidades obtêm ganhos diretos com trabalhos\n e com a venda de produtos para a pousada e para os turistas”, disse a gerente.\n \n Entre 1998 e 2013, foram contabilizados praticamente R$ 1,9 milhão em\n benefícios diretos para as comunidades envolvidas (valores não corrigidos). O\n valor recorde foi obtido em 2013: R$ 233,6 mil.\n \n “Os resultados mostram o estabelecimento de alternativa econômica, com\n benefícios individuais e coletivos; a diminuição do fluxo sazonal de caixa nos\n períodos de seca e de cheia [alta temporada]; a formação de recursos para\n proteção e vigilância da região, em especial para evitar pesca predatória, além\n de maior qualificação profissional e fortalecimento da organização\n comunitária”, disse Gustavo Pereira Pinto.\n \n Ele cita como desafios para o futuro, a preservação das atividades\n econômicas tradicionais, de forma a evitar que os ribeirinhos as abandone; o\n fortalecimento da organização comunitária; a renovação da infraestrutura; a\n manutenção e melhoria da qualidade dos produtos; a formação de multiplicadores;\n o ensino do inglês aos moradores e o aumento da taxa de ocupação da pousada.\n \n Há quatro anos, a pousada passou a dividir parte do lucro com a comunidade\n por meio de projetos. “Cada comunidade faz um projeto que beneficie ela como um\n todo. No final do ano, a gente faz as contas e dividimos o lucro”, disse\n Ednelza. A forma de divisão é estabelecida pelos presidentes das comunidades,\n segundo critérios de funcionamento. “Quem desobedece normas perde ponto e\n recebe menos.”\n \n Na comunidade de Ednelza (Vila Alencar), por exemplo, o dinheiro obtido com\n a pousada resultou na construção de um centro e de uma cozinha comunitária e na\n reforma do barco da comunidade. Além de ser usado para eventos, assembleias e\n festas, o centro comunitário é usado pela escola, quando as salas estão cheias.\n \n Atualmente, a Pousada Uacari tem capacidade para hospedar até 24 pessoas,\n divididas em cinco bangalôs com dez quartos. O objetivo é receber mil turistas\n a cada ano, número que ainda não foi atingindo. “Chegamos a pouco mais de 800”,\n disse Gustavo.\n \n Entre as atividades promovidas pela equipe de 40 pessoas, há passeio por\n trilhas repletas de animais (na época da cheia é possível percorrer de canoa as\n copas das árvores, o que torna o passeio ainda mais bonito); visita ao Lago\n Mamirauá, onde há uma base para estudo dos botos da região; pesca tradicional\n de piranhas; e visitas a comunidades ribeirinhas – em especial, a quatro das\n oito mais envolvidas com a pousada: Vila de São José, Caburini, Boca do\n Mamirauá e Vila Alencar.\n \n Por onze dias, no mês de fevereiro, a equipe de reportagem da Agência\n Brasil viajou pela Amazônia. A vida dos ribeirinhos também será\n destaque no programa Caminhos da Reportagem, que será exibido pela TV\n Brasil na próxima quinta-feira (17), às 22h.\n \n nbsp;