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ImprimirA piora da atividade econômica em 2015 empurrou a produção industrial brasileira a níveis de 10 anos atrás, provocando um estrangulamento do setor, que encolheu para uma mínima histórica em termos de participação no PIB (Produto Interno Bruto).
Dados da Tendências Consultoria Integrada, a partir dos números do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), mostram que no acumulado no ano até o 3º trimestre, a participação da indústria de transformação na composição total do PIB caiu para 11,4%, ante uma fatia de 11,7% em 2014.
Para 2016, as projeções apontam que essa participação irá ficar pela primeira vez abaixo de 10%.
O analista de bens de capital da tendências, Felipe Beraldi, explica que a crise da indústria está diretamente relacionada à deterioração da demanda doméstica.
Dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostram que o percentual de utilização da capacidade instalada foi de 77,7% em outubro. Há um ano estava em 81%. Na indústria de máquinas e equipamentos, o nível de uso da capacidade tombou para 66,4% - o pior desde 1980, segundo a Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos).
"Temos observado em 2015, uma deterioração muito grande da confiança devido ao elevado grau de incertezas tanto no ambiente econômico quanto no político. E quando o empresário tem uma capacidade ociosa, ele segura o investimento", diz Beraldi, acrescentando que a indústria de bens de capital também tem sido fortemente afetada pelos impactos da operação Lava Jato nos setores de petróleo e gás e infraestrutura.
Segundo estudo do Ministério da Fazenda, somente a redução dos investimentos da Petrobras implicou em uma queda de "2 pontos percentuais do PIB ao longo de 2015".
Nas empresas, a queda das encomendas tem se transformado em corte de trabalhadores. Na RTS Válvulas, em Guarulhos, metade dos funcionários foram demitidos em 2015 após o faturamento cair cerca de 30%.
“Eu tive que fazer uma redução de 100 funcionários e diminuir também a jornada de trabalho por 4 meses", conta o empresário Pedro Lúcio. “O plano para 2016 é tentar manter a porta aberta e a luz acesa", completa.
Fabricante de válvulas do tipo borboleta e de retenção, a empresa tem entre seus principais clientes as indústrias dos setores de óleo e gás, saneamento, siderurgia e mineração. “Parou tudo. Não se tem mais negócio, mais projeto. O que eu vendo para a Petrobras hoje é 1% do que vendia nos anos anteriores", diz o empresário.
Setores mais afetados
Os números do IBGE mostram que a crise na indústria é generalizada. Dos 26 ramos industriais analisados, apenas o das indústrias extrativas (mineração e petróleo) não registram queda em 2015. Mas a alta de 6,3% na produção veio acompanhada de uma forte queda nos preços internacionais do minério de ferro e do petróleo.
A queda mais acentuada na produção foi verificada nos setores de veículos automotores, reboques e carrocerias (-24,6%) e de equipamentos de informática, produtos eletrônicos e ópticos (-29,2%).
Dados da Anfavea mostram que a produção de veículos recuou ao menor nivel desde 2006. No acumulado no ano, até novembro, a indústria automobilística acumula queda de 22,3% na produção, com 2,28 milhões de unidades fabricadas.
Outros ramos da indústria que registraram forte encolhimento em 2015 foram os de produtos têxteis (-13,7%), produtos farmoquímicos e farmacêuticos (-13,3%), móveis (-13,2%) produtos de metal (-11,2%), máquinas, aparelhos e materiais elétricos (-11,0%) e confecção de artigos do vestuário e acessórios (-10,1%).
Desindustrialização
Para Guilherme Moreira, gerente do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos (Depecon) da Fiesp, o mais preocupante é o ritmo de queda e encolhimento da indústria.
"Nunca na história a indústria teve uma participação tão baixa no PIB. A queda está sendo muito rápida e se está recuando a níveis nunca vistos”, diz o economista.
Ele lembra que, em 1985, o peso do setor do PIB chegou a representar 21,6% e que o nível atual é inferior ao do Brasil da era pré-industrial. "Em 1947, o dado mais antigo disponível da série, essa participação era de 11,9%", afirma – maior que os menos de 10% esperados para o próximo ano.
Em países como Alemanha e França, a indústria representa cerca de 20% do PIB. No México, a participação é de 17%. Nos Estados Unidos é bem menor, ao redor de 12%. Já na China, beira os 30%.
O processo de desindustrialização tem ocorrido nas últimas ocorreu em inúmeros países. Nas maiores economia do mundo, como no Brasil, o setor de Serviços responde pela maior composição do PIB. A diferença está na forma como esta transição tem acontecido.
"Nos países desenvolvidos, a migração para o setor de serviços acontece a partir do momento emque você tem uma população altamente qualificada. No Brasil, estamos no pior dos mundos porque abrimos mão da indústria sem ter uma opção à altura. Não temos uma Apple. Não se sustenta o crescimento num país de 200 milhões de habitantes com setor de serviços de baixo valor agregado como o que temos hoje”, diz Moreira.
Ele lembra que o setor industrial, além de apresentar a maior taxa de formalidade de emprego em comparação a todos os setores, tem uma cadeia longa, com efeito multiplicador em outras atividades. “Para cada emprego numa montadora, você tem mais 3 ou 4 na cadeia. Quando se manda embora um funcionário, estão sendo cortados mais 3 ou 4 de autopeças, pneus, plástico, borracha, eletrônico”, explica o economista.
De acordo com os números do governo, todos os setores da economia demitiram no mês passado. O setor de construção civil, por sua vez, foi responsável pelo maior corte de vagas em outubro: foram 49.830 postos perdidos no período.
No ano, 48.444 vagas foram fechadas no país na indústria de transformação. O setor só não demitiu mais do que construção civil, que liderou o corte de postos de trabalho com um total de 49.830 vagas eliminadas.
Perspectivas para 2016
Se 2015 foi péssimo para a indústria, as perspectivas para 2016 não apontam para nenhuma reação. A Tendências projeta um recuo de 6,2% na indústria de transformação no que vem e uma queda de 7,9% no setor de bens de capital, o que fará a produção andar ainda mais para trás, retornado a níveis próximos de 2004.
“As perspectivas para curto prazo é que essa indústria continua enfraquecida. Recuperação mais substancial só mesmo a partir de 2018", avalia Felipe Beraldi.
A retração da indústria está diretamente relacionada à crise de confiança dos empresários e consumidores. O desânimo acaba afetando tanto as vendas e encomendas como os planos de investimento e de expansão da capacidade produtiva.
"A indústria é o setor mais afetado pela crise. Além de vir perdendo competitividade, a produção de setores como de veículos, máquinas e equipamentos é muito sensível à redução da confiança ou à paralisação dos investimentos", afirma o analista da Tendências Rafael Bacciotti.
A produção industrial acumula queda de 7,8% no ano, até outubro (últimos dados divulgados pelo IBGE).
Na indústria de transformação (máquinas e bens de consumo), considerada a mais importante pelo efeito multiplicador na economia e por empregar o maior número de mão de obra formal e especializada, a queda no ano éde 9,6%.
Já no segmento de bens de capital, que inclui máquinas e equipamentos e que funciona como uma espécie de termômetro dos investimentos no país, o encolhimento é ainda mais profundo, de 24,5% - o maior da série histórica, iniciada em 2002.
Produção recua a nível de 2005
O setor industrial está operando no nível mais baixo desde 2005, segundo levantamento da Tendências. Entre janeiro e outubro, o nível de produção da indústria de transformação ficou em 90,27 em número índice – pior patamar desde 2005, quando registrou nível de 89,35. O pico da série iniciada em 2002 foi registrado em 2013, quando chegou a 102,81 pontos.
O encolhimento ocorre mesmo diante da desvalorização do real frente ao dólar e à queda das importações, o que, em tese, contribui para uma maior competitividade da produção nacional.