Exame/PCS
ImprimirA Itália é um país acostumado com as crises políticas. Dos seis últimos primeiros-ministros do país, cinco renunciaram ao mandato, depois de enfrentar conflitos internos e perder o apoio parlamentar. Nesse ambiente de turbulência permanente, a incerteza que ronda as eleições no dia 4 de março não parece ser, à primeira vista, motivo suficiente para tirar o sono dos italianos. Porém, mais do que escolher o novo governo, o que está em jogo nessas eleições é a delicada situação da economia italiana. O país tem uma das maiores dívidas públicas da zona do euro. A taxa de desemprego é uma das mais altas da região. E, mesmo com a aceleração da economia mundial, o PIB da Itália cresce em ritmo bem menor do que o dos demais países europeus. Enquanto a maior parte da Europa se recuperou da crise de 2008, a economia italiana continua abaixo do nível de 2007.
A instabilidade política só complica ainda mais a situação. Os sucessivos governos não fizeram as reformas necessárias para equilibrar as contas e tornar a economia competitiva e dinâmica, como aconteceu com Portugal, Espanha e Irlanda — todos hoje numa situação melhor do que a da Itália. Pelo que se viu durante a campanha eleitoral, as eleições italianas não ajudam a mudar esse cenário — e essa é a questão mais preocupante. A Itália não tem um Emmanuel Macron, como a França: falta um político de centro que ofereça uma proposta alternativa aos partidos tradicionais, em decadência, e aos novos partidos extremistas à direita e à esquerda. O resultado é o ressurgimento de velhos nomes da política, como o ex-premiê Silvio Berlusconi, do partido de centro-direita Força Itália, hoje com 81 anos, ou o de Matteo Renzi, do Partido Democrático, de centro-esquerda, que também já foi primeiro-ministro. O único líder político que fez o papel do outsider na campanha eleitoral é Luigi Di Maio, do partido anti-establishment Movimento Cinco Estrelas (M5S). Di Maio é um deputado de 31 anos sem trajetória política. Antes de entrar para o M5S, sua experiência profissional mais marcante foi como garçom num restaurante.
No discurso, as principais forças políticas italianas até ressaltam que a dívida pública e as contas do país precisam ser equilibradas. Mas o que se vê, na prática, são programas de governo que só aumentam os gastos públicos e aprofundam ainda mais os problemas estruturais da economia. A principal bandeira do Movimento Cinco Estrelas, por exemplo, é a criação de um programa de renda básica chamado Renda de Cidadania. No cenário mais otimista, ele custaria 20 bilhões de euros por ano, ou cerca de 80 bilhões de reais. É um gasto impossível de ser realizado sem piorar mais as contas públicas italianas, que registram um déficit de 2,1% do PIB. Propostas de mais gastos não são exclusividade dos M5S. O partido de extrema direita Liga do Norte, que integra a coalizão de Berlusconi, quer cancelar a reforma das aposentadorias realizada pelos governos anteriores e impor uma alíquota única de 15% para o imposto de renda, independentemente do nível de rendimentos das famílias ou das empresas. A ideia teria um custo estimado de 40 bilhões de euros por ano. De sua parte, Berlusconi promete aumentar as aposentadorias mínimas de 500 para 1 000 euros por mês. Num país com 18 milhões de aposentados, é uma proposta financeiramente irreal.
Do outro lado do espectro político, o partido de extrema esquerda Livres e Iguais defende a reestatização de companhias, o aumento de impostos sobre as empresas e a contratação de funcionários públicos. Até mesmo o Partido Democrático, de Matteo Renzi — que antes era um reformista —, embarcou na ideia de aumentar os gastos públicos. Ele defende que as famílias italianas recebam um auxílio de 240 euros por mês para cada filho até que eles completem os 26 anos de idade. A medida tem um custo estimado de pelo menos 10 bilhões de euros por ano. “Se implementados, esses programas seriam uma catástrofe para a Itália. Mas todos os partidos sabem que não conseguirão aprová-los. Por isso, já se preparam para culpar a União Europeia”, diz Daniel Gros, diretor do Centro para Estudos em Política Europeia, importante instituto de pesquisa com sede em Bruxelas.
O temor é que esse tipo de gasto atrapalhe a recuperação do país, com consequências para o restante da União Europeia. A Itália é a terceira economia da zona do euro e representa cerca de 15% do PIB total. Para ter uma ideia, a Grécia tinha somente 1% do PIB do bloco quando entrou em crise em 2009, colocando o futuro do euro em xeque. Existe ainda outro risco.
Com uma dívida pública de 2,2 trilhões de euros (ou 132% do PIB, a segunda maior proporção da zona do euro), a Itália paga por ano 66 bilhões de euros aos detentores de seus títulos. Há uma expectativa de que o Banco Central Europeu encerre seu programa de flexibilização monetária no segundo semestre e eleve os juros na zona do euro. Isso poderá criar uma pressão adicional nas contas do governo italiano. “Nenhuma coalizão ou partido político quer enfrentar o verdadeiro problema da Itália: a necessidade de redução dos gastos públicos”, diz Serena Sileoni, diretora-geral do Instituto Bruno Leoni, importante centro de estudos econômicos de Milão.
RECUPERAÇÃO INCOMPLETA
Nem todos os indicadores da economia italiana são ruins. No ano passado, a balança comercial registrou um recorde de 47,5 bilhões de euros, e a Itália foi o único país desenvolvido onde a renda per capita aumentou mais do que o PIB. A recente compra da empresa de trens de alta velocidade Nuovo Trasporto Viaggiatori pelo fundo americano Global Infrastructure Partners, por 2,5 bilhões de euros, mostra que os estrangeiros apostam no desenvolvimento do país. Os mercados financeiros também estão otimistas. Em 2017, a Bolsa de Valores de Milão registrou alta recorde de 22,7% e continua subindo.
Por essa perspectiva, pode parecer que o resultado da eleição não terá efeitos sobre o desempenho econômico. Mas a expansão atual é insuficiente para resolver problemas estruturais. A economista Veronica de Romanis, professora na Universidade Luiss G. Carli, de Roma, lembra que dois terços do crescimento italiano foi obtido graças a fatores externos, como programas de estímulo do Banco Central Europeu e a retomada do comércio internacional. “O crescimento do PIB atual é fraco. O restante da União Europeia cresce o dobro”, afirma Veronica.
Um problema grave é que os efeitos do (fraco) crescimento não foram distribuídos. As regiões do norte, tradicionalmente mais ricas, conseguiram se plugar mais ao restante da Europa, especialmente graças às ligações entre empresas italianas e alemãs. Mas o sul do país, menos desenvolvido, sofre com uma crise que parece não ter fim. O resultado é que o número de italianos abaixo da linha de pobreza alcança 10,5 milhões de pessoas, ou 14% da população — um recorde na União Europeia.
Já o número dos que vivem em situação de pobreza absoluta — quando a pessoa não tem meios para comprar uma cesta de bens e serviços básicos — chegou a 4,7 milhões em 2016, um aumento de três vezes em menos de uma década. São dados incompatíveis com os de um país desenvolvido. E é justamente nessa faixa de população cada vez mais empobrecida que os partidos populistas têm sua maior base eleitoral. É o cenário perfeito para o surgimento de políticos com propostas irreais — um barco furado que a Itália deveria evitar.