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ImprimirEstudantes esperançosos em conseguir uma vaga em cursos da Universidade de São Paulo (USP) pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu), principalmente pelas cotas de escola pública (EP) e raciais (PPI), se depararam neste ano com exigências de notas mínimas tão altas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) que, em alguns casos, houve menos candidatos inscritos do que vagas oferecidas.
Levantamento feito pelo G1 mostra que, desses 170 cursos, 59 exigiam nota mínima de 600 pontos em pelo menos uma das provas (matemática, ciências da natureza, ciências humanas, linguagens e redação). Cinco deles ficaram sem notas de corte parciais porque, segundo o próprio Sisu, não havia número suficiente de candidatos para que o cálculo fosse feito.
Um exemplo é o curso de medicina no campus da USP nas Clínicas, que aderiu pela primeira vez ao Sisu neste ano. O G1 conversou com um candidato do Enem que se formou na rede pública e tirou 920 pontos na prova de redação, com média geral de 748,6. Mas, por causa de uma diferença de menos de dez pontos na prova de ciências da natureza e menos de 20 pontos na de matemática, ficou impedido de concorrer a uma das vagas do curso, e todas as manhãs, quando o Sisu divulgava as notas de corte, diz ter sentido a "dor" de ver o curso de medicina sem candidatos suficientes para preencher as vagas (leia mais abaixo).
A última nota de corte parcial foi divulgada na madrugada de sexta-feira (26) e levava em conta as inscrições feitas até a 0h daquele dia. As inscrições terminaram às 23h59 de sexta e o resultado da primeira chamada será divulgado nesta segunda (29).
Procurada pelo G1, a assessoria de imprensa da USP explicou que cada faculdade ou instituto da universidade tem liberdade para definir as notas mínimas exigidas no Sisu. Disse, ainda, que as vagas reservadas para cotas no Sisu que não forem preenchidas pela seleção do MEC serão ocupadas por candidatos da Fuvest que também atendam aos requisitos das cotas sociais e raciais. O objetivo é que 37% dos calouros de 2018 sejam oriundos de escola pública, sendo um terço deles autodeclarados pretos, pardos e indígenas.
800 pontos em matemática
A nota mínima mais alta da USP no Sisu 2018 foi exigida pelo curso de ciência da computação do Instituto de Matemática e Estatística (IME): só pôde se inscrever para concorrer às seis vagas de ampla concorrência oferecidas no Sisu quem tinha nota de pelo menos 800 pontos na prova de matemática do Enem 2017. Era preciso, ainda, ter nota mínima de 700 nas provas de linguagens e de ciências da natureza. Nas demais provas, a exigência era mais baixa, de 450 pontos.
O curso ofereceu seis vagas em ampla concorrência, ou seja, qualquer participante do Enem poderia ter se inscrito, caso tivesse as notas mínimas. Até a 0h de sexta, não havia candidatos suficientes para completar as seis vagas e, por isso, o Sisu não divulgou a nota de corte parcial.
Microdados com as notas de edições anteriores do Enem mostram que a exigência do curso de ciência da computação reduz de forma significativa o universo de candidatos aptos a concorrer às vagas. No Enem 2013, 1.468 estudantes conseguiriam cumprir os requisitos do IME. Na edição do Enem 2014, os dados mostram que só 1.273 pessoas teriam nota mínima suficiente para concorrer às seis vagas.
Engenharia aeronáutica, um curso em período integral oferecido pela Escola de Engenharia de São Carlos (EESC-USP), é o que tem as maiores notas mínimas em todas as provas. Só conseguiu se inscrever no Sisu 2018 para uma das quatro vagas no curso reservadas para alunos de escola pública quem tivesse pelo menos 750 pontos em todas as cinco provas do Enem 2017. Até a 0h de sexta, não havia nota de corte calculada para esse curso, o que indica que ele recebeu no máximo três inscrições.
Somando as edições de 2013 e de 2014 do exame, só 52 estudantes cumpriram todas as notas mínimas exigidas pela EESC. Em 2015, não houve notas compatíveis com essas exigências.
Medicina na FMUSP
O curso de medicina na Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) fez sua estreia no Sisu neste ano. Essa é a primeira vez que a unidade aprovou a reserva de vagas para alunos oriundos de escola pública (EP) ou alunos que estudaram na rede pública e se autodeclaram pretos, pardos ou indígenas (PPI). A partir de 2018, uma resolução do Conselho Universitário (CO) da USP aprovou a reserva de vagas para todos os cursos da instituição.
No total, foram 40 vagas do curso no Sisu 2018, todas para ações afirmativas: 25 para estudantes que se formaram em escola pública e 15 para estudantes de escola pública que se autodeclaram pretos, pardos ou indígenas.
Em nenhuma das duas modalidades o sistema conseguiu calcular as notas de corte parciais, o que significa que não houve candidatos inscritos em número maior do que as vagas oferecidas. A exigência para concorrer às vagas no Sisu do curso de medicina na USP era de pelo menos 700 pontos em todas as cinco provas do Enem 2017.
Considerando as notas do Enem 2013, só 1.585 em todo o Brasil corresponderiam às exigências da FMUSP. Entre as milhões de notas do Enem 2014, o número de candidatos que teriam as notas mínimas é de 1.191.
Candidato com média de 748,6 fica fora da disputa
Um candidato que fez o Enem 2017 de olho nas vagas reservadas para alunos de escola pública da FMUSP no Sisu ficou com média 748,6, mas acabou de fora do Sisu 2018. Mesmo com nota de 920 na redação, ele não pôde se inscrever em medicina na faculdade por ter nota alguns pontos abaixo do patamar exigido em duas das quatro provas objetivas.
O estudante paulistano, que tem 36 anos e pediu para não ser identificado, já é ex-aluno da USP: ele se formou em letras em 2009 e hoje trabalha como professor particular de inglês e português.
Ex-aluno de uma escola técnica estadual (Etec), ele se formou no ensino médio integrado ao ensino técnico em informática e trabalhava como auxiliar administrativo quando tentou se matricular em uma faculdade particular. "No momento da matrícula, porém, eu não tinha dinheiro suficiente, pois a soma de todas as taxas era quase meu salário inteiro na época", lembra ele.
Inspirado a prestar o vestibular da Fuvest por um colega que havia sido aprovado um ano antes em química, ele acabou passando na carreira de letras. Segundo ele, medicina era uma de suas opções ao terminar o ensino médio, mas a falta de professores de química e física na Etec o afastou das ciências da natureza.
Depois de anos na carreira de professor e de fazer o Enem 2016 para saber como era a prova, ele decidiu retomar "o idealismo de fazer algo que beneficie diretamente o bem estar das pessoas, transformando situações de sofrimento" e fez de novo o exame do MEC, aproveitando a adesão da FMUSP ao Sisu. "Eu não poderia estudar fora de minha própria cidade, pois ficaria muito difícil me manter pagando moradia e todos os outros gastos" morando fora da casa dos pais, explicou ele.
Na terça-feira (23), primeiro dia de inscrições do Sisu, o professor afirma que recebeu com tranquilidade a notícia de que, por poucos pontos, não poderia concorrer à sua "primeira e única" opção de curso. "Já estava preparado para isso, conheço minhas limitações e a grande concorrência do curso", diz ele, que se sentiu feliz por ter chegado tão perto. Porém, a situação mudou na quarta (24), quando as primeiras notas de corte parciais foram divulgadas. A nota de corte para as 10 vagas de ampla concorrência da medicina na FMUSP era de 817,1, mas as notas para as 25 vagas na cota EP e 15 vagas na cota EP/PPI não saíram. "Vi que os candidatos elegíveis, em sua maioria, estavam na mesma situação que eu, tanto assim que as vagas de cotas nem sequer foram preenchidas."
"É extremamente improvável que não haja candidatos interessados em um curso tradicionalmente tão concorrido: os candidatos elegíveis estão sendo impedidos de concorrer às vagas por essa exigência alta de desempenho em cada uma das cinco provas do Enem", disse o candidato.
Agora, ele já planeja se inscrever novamente para o Enem em 2018. Ele chegou a fazer a Fuvest em novembro, mas por poucos pontos ficou de fora da disputa da segunda fase.