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ImprimirRogério Ceni vai dar certo como técnico do São Paulo? Será que um treinador sem experiência é capaz de recuperar o futebol perdido do Tricolor? Qual será o esquema tática utilizado por ele? E o que ele espera dos jogadores?
Essa e muitas outras perguntas passam pela cabeça da torcida são-paulina desde o anúncio do M1TO. E ele tem respostas para (quase) todas. Seja na teoria ou na prática. O fato é que o ex-goleiro está curtindo muito os seus primeiros dias como "professor".
A ponto de acreditar que seu time pode fazer frente a elencos maiores e mais ricos do futebol brasileiro. Como? Com treino, tática e coração.
– Temos plenas condições de jogar de igual para igual com qualquer adversário do Brasil. Tenho convicção nos meus jogadores e que eles têm condições de assimilar o que eu quero. Por meio do treino, da competição que está sendo imposta aos atletas, se eles desejarem, se tiverem no jogo o mesmo coração que estão mostrando aqui, tenho certeza de que poderemos enfrentar qualquer equipe.
O técnico deixou claro nesta entrevista ao GloboEsporte.com que não pretende se apegar a um só esquema tático. Pelo contrário, ele confia que várias estratégias podem ser usadas em um jogo.
– Gosto muito de ter jogadores que fazem mais de uma função, porque dentro do mesmo jogo você pode mudar o estilo da equipe sem ter que fazer substituições – disse Rogério Ceni.
Pois é. Está claro, então, que jogadores mais versáteis, aqueles que atuam em várias posições, vão ter mais espaço com Ceni no São Paulo. Cícero, por sinal, parece ser um dos preferidos.
– Ele pode ser primeiro volante, segundo volante, terceiro homem de meio, homem de armação, um falso nove... – exemplificou o técnico, ao ser questionado sobre o reforço, contratado do Flu.
Num bate-papo exclusivo, de 20 minutos, em Bradenton, nos Estados Unidos, local onde o São Paulo faz sua pré-temporada, Rogério Ceni falou também sobre a importâncias dos auxiliares Michael Beale (inglês) e Charles Hembert (francês), deu detalhes sobre sua rotina no Tricolor, elogiou as categorias de base e projetou como imagina o time na temporada de 2017.
Veja abaixo a íntegra da entrevista com o técnico do São Paulo:
Qual a sua avaliação da pré-temporada realizada nos Estados Unidos até agora?
– Eu vejo atletas muito dedicados, procurando entender tudo que a gente está passando da parte tática. Até agora, não tivemos nenhum problema com horário, nenhuma indisciplina. O grupo está interessado em tudo, só tenho a agradecer aos que me ajudam no dia a dia e aos atletas. Nem que quisesse fazer uma crítica, não conseguiria, seria injusto da minha parte.
Nos treinos, você corre com os jogadores, faz papel de zagueiro, fala muito...
– Se eu correr, eles também têm de correr. Se eu me movimentar, eles também têm de se movimentar. Pela ausência recente dos campos, ainda tenho uma condição física razoável que me permite correr com eles, falar sempre perto. Até na entrada em campo para uma partida, a participação da comissão técnica é importante.
– Depois, quando começa o jogo, só eles é que poderão fazer a diferença. Não adianta ficar gritando feito um louco porque se não for com aquele lateral e os que atuam mais perto, você não conseguirá passar nenhuma instrução. Por isso que gosto de participar muito, como se estivesse sendo posicionado como um atleta.
Conte um pouco mais sobre a sua rotina em Bradenton.
– Depende do dia. Quando o treino é de manhã, às 9h30, eu acordo às 7h30 e vou até quase 2h da manhã. Tem muita coisa para fazer: analisar vídeos, preparar treinos com o Michael (Beale), montar agenda do dia seguinte, ver que horas será passado o vídeo aos jogadores. A gente faz um compacto do treino para passar aos atletas. O que vi de bom e de ruim no treino. Montar cada treino diferente de um dia para outro requer muito estudo. Tudo isso não é aleatório.
– Primeiro, eu e Beale montamos tudo no papel e de lá vai para o campo. A conversa segue no vestiário. A cada três dias, tem uma palestra com a psicóloga. Depois do jantar, a gente senta e analisa tudo para o dia seguinte. Aqui não tem família, não tem filhos, todos estão para trabalhar, então a gente acaba se dedicando de 12 a 14 horas por dia. Claro que quando voltar ao Brasil, o tempo vai diminuir. Acredito que no CT da Barra Funda, um tempo de oito horas de trabalho por dia seja necessário para manter a equipe dentro de um padrão que eu acho necessário.
Como é dividido seu trabalho com os auxiliares?
– Nós desenvolvemos tudo juntos. Alguns aquecimentos eu que desenvolvo, outros o Michael que coloca em prática. Nós analisamos e vamos para o campo fazer. Não tenho insegurança nenhuma. Sei da capacidade do Michael, do Charles e do Pintado. Tudo é feito para que haja mais dinamismo no trabalho. Com isso, eu diminuo o tempo do treino, não precisa ter 1h30, 1h45, mas é intenso do começo ao final.
– Todo dia, quando saímos da nossa casa aqui em Bradenton para o treino, já sabemos tudo o que será feito. O grupo é sempre dividido em duas partes para que os atletas façam mais exercícios do que se atuassem todos juntos. E o trabalho pode ser o mesmo dos dois lados ou as atividades são diferentes e se complementam.
Qual será a cara do São Paulo de Rogério Ceni?
– Um time competitivo, que vai tentar sempre se impor, buscar a ideia do jogo, colocar-se à frente do adversário. Caso encontremos um rival que seja superior a nós, será preciso compactação. Poderemos tanto jogar numa linha alta, média ou baixa, mas sempre com uma compactação de 30, 40 metros.
Se em times com maior investimento, como Palmeiras, Flamengo e Cruzeiro, a aposta são as grandes estrelas contratadas, no São Paulo é você. Teme pressão maior por isso?
– Primeiro que o trabalho não é meu, é de todos que estão aqui. Além disso, não sou o grande nome. Não faço mais gol, não bato mais falta, não cobro mais pênalti, não faço mais defesas. Quero 11 grandes nomes a cada vez que formos entrar em campo. A responsabilidade é nossa de desenvolver o trabalho e os atletas é que terão o protagonismo no dia da partida.
– Temos bons jogadores: Wellington Nem, Cícero, Neilton, que veio numa troca pelo Hudson. Adoro o Hudson, gostaria de contar com ele. Mas tinha a necessidade de contar com mais um jogador que pudesse atuar pelas pontas junto com Neres, Araújo e Wellington Nem. Com dois de cada lado, sempre terei um atleta descansado para escalar.
Você tem estimulado a competição entre os atletas nos treinos. O que você acha que isso pode render? E tem medo de que alguém passe dos limites?
– A concorrência leva ao alto rendimento ou você perde o espaço. Não sou eu que vou escalar a equipe, eles é que vão se escalar nos treinamentos. Só vou optar pelos melhores. Tenho posições muito parelhas hoje. Na lateral direita, tenho Bruno e Wesley no mesmo nível. Na esquerda, tenho o Buffarini e o Junior Tavares, que é uma grata surpresa. Vou escolher quem joga de acordo com o adversário. Na zaga, o Breno vem crescendo, Maicon e Rodrigo Caio são excepcionais.
– Vamos recuperando o Lucão. Lugano e Douglas podem jogar na sobra como terceiro zagueiro. O Araruna é uma grande surpresa para mim no meio-campo, tem uma facilidade muito grande de ler o jogo. Ainda no meio, tenho Wellington, João Schmidt, Cícero e Cueva. Vai da competência de cada um, Eles é que se escalam. Posso ter algumas dúvidas? Posso. Por isso é que teremos rotatividade. Jogaremos dias 5, 9, 12, 15 e 19 de fevereiro, e não vou usar os mesmos jogadores. Vamos usar 16, 17, 18 atletas, cada um terá oportunidade.
O esquema 3-4-3 que você utilizou nos treinamentos da primeira semana é inspirado no Chelsea de Antonio Conte?
– Não, embora goste muito do esquema do Conte. Lá ele tem jogadores de características diferentes, que possibilitam sempre uma opção a mais do meio para a frente. O 3-4-3 também pode ser encarado como 5-4-1 ou 4-5-1, na hora de marcar vem todo mundo para trás e só fica o Diego Costa na frente. O sistema de jogo é secundário, o que vale é a boa vontade de cada um.
– Gosto muito de ter jogadores que fazem mais de uma função, porque dentro do mesmo jogo você pode mudar o estilo da equipe sem ter que fazer substituições. É legal que compreendam o que a gente quer para que dentro de um necessidade não precise queimar uma substituição. Posso mudar taticamente sem mexer na equipe.
Do elenco que você tem à disposição, dois dos jogadores mais criticados pelo torcedor são Denis e Wesley. O que você planeja fazer para recuperá-los?
– Isso só vai melhorar no dia a dia, mostrando trabalho. Os dois são ótimos profissionais. São pessoas que trabalham sério, firme, não diminuem intensidade de treino. Cada um vai fazer o seu melhor e terá oportunidade de jogar e resgatar a sua imagem. O torcedor também vê o time muito de acordo com os resultados. Bons resultados trazem como consequência os elogios, as palmas, o agradecimento...
O Lugano tem contrato apenas até o meio do ano. O que você planeja para ele? Vai pedir a renovação de contrato? Há espaço para ele permanecer?
– Primeiro tem de ver o desejo dele. O Lugano é um jogador importantíssimo. Não é um atleta que vai atuar todas as partidas, seria injusto exigir isso. A gente demonstra um respeito muito grande por ele, pelo que ele representa na história do clube, pelo profissional que é, pela condição física que ele se apresentou aqui. Vamos tentar usufruir do melhor que o Lugano pode oferecer que é a sua experiência no vestiário, a sua experiência no dia a dia. E nas vezes que for solicitado, tenho certeza de que poderei contar com ele.
Como você pretende utilizar o Cícero, um dos jogadores mais versáteis do elenco?
– Pode ser como primeiro volante, segundo volante, terceiro homem de meio, homem de armação e um falso nove. Só não posso utilizá-lo aberto pelas pontas, não o vejo jogando dessa maneira. Mas ele pode atuar em pelo menos quatro funções.
No seu elenco, existem muitos atletas da base. Qual a importância disso?
– Nasci na base. E o que estamos fazendo é importante para um clube que investe R$ 24 milhões por ano nesse trabalho. Temos de fazer o caminho que é o correto no futebol brasileiro, que é revelar jogadores e não contratar os atletas caros. Isso quem faz é a Europa. Se a gente conseguir extrair jogadores da base que tenham propostas futuras, vamos trazer benefícios, diminuir uma dívida do clube que ainda é grande, vai valorizar os profissionais que trabalham.
– Todos vão dar certo? Não, quando subi com 17 anos, alguns subiram, outros ficaram, outros foram emprestados. Alguns deram certo. Acho que é o caminho natural. Primeiro tem que trazer e dar oportunidade. Oito de Cotia vieram.
E você ainda poderia ter trazido mais se quisesse...
– Sem dúvida. Poderia ter trazido o Tormena, que foi emprestado ao Novorizontino. Poderia ter trazido o Kal, o Artur poderia ter vindo. Mas num campeonato que só permite 25 jogadores de linha (Paulistão), eu não posso trabalhar diariamente com 33 atletas. Eles não teriam o mesmo interesse. No meio do ano, tem Lugano vencendo contrato, Chavez vencendo contrato. No final da temporada, tem cinco ou seis com vínculos terminando. Por isso, vamos emprestar alguns e observar.
– O importante é sempre montar uma espinha dorsal da equipe com experiência. Esse trabalho continuará até que o São Paulo esteja recuperado financeiramente. Se eu vou estar aqui até lá, não sei dizer. Só os resultados vão demonstrar. Estamos trabalhando em benefício do clube.
O São Paulo investiu apenas R$ 300 mil em contratações (só por Sidão a diretoria precisou pagar pelos direitos). Com o que conseguiu montar, o time pode fazer frente aos rivais em 2017 ou até brigar por títulos?
– Tenho total convicção disso. Temos plenas condições de jogar de igual para igual com qualquer adversário do Brasil. Claro, se puder trazer uma peça ou outra para complementar o que a gente pensa, será melhor ainda. Tenho convicção nos meus jogadores e que eles têm condições de assimilar o que eu quero. Por meio do treino, da competição que está sendo imposta aos atletas, se eles desejarem, se tiverem no jogo o mesmo coração que estão mostrando aqui, tenho certeza de que poderemos enfrentar qualquer equipe.