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ImprimirO presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, recebeu pelo menos R$ 1,5 milhão da Conmebol por ocupar um cargo que ele próprio nega ter ocupado, o de diretor do Comitê Executivo da entidade. Foi nessa condição que Del Nero participou de reuniões nas quais foram aprovados contratos que estão sob investigação pela Justiça dos Estados Unidos no "Caso Fifa".
Quase todos os seus colegas de Comitê Executivo da Conmebol foram presos ou indiciados pelas autoridades americanas. Del Nero permanece no Brasil, país que não extradita seus cidadãos. A comprovação de que o presidente da CBF fez parte do órgão e foi remunerado para isso está em documentos obtidos pelo GloboEsporte.com:
-atas de reuniões do Comitê Executivo da Conmebol que mostram Del Nero como integrante do órgão e contam com a assinatura do dirigente; -uma auditoria feita pela empresa EY nas contas da Conmebol revela que Del Nero recebeu US$ 460 mil (R$ 1,49 milhão no câmbio de hoje) da confederação entre 2013 e 2015.
Procurado por meio de seus advogados e assessores nesta semana, Del Nero não quis comentar.
Em novembro do ano passado, durante o julgamento do "Caso Fifa" nos EUA, Del Nero foi citado por delatores e réus como alguém que recebeu suborno para beneficiar empresas de marketing esportivo. Em nota distribuída à imprensa na época, Del Nero rebateu as acusações:
– O que ali ficou apurado foi que os contratos sob suspeita não foram por ele assinados nem correspondem ao período de sua gestão na presidência da CBF. Esclarece, ainda, que jamais foi membro do Comitê Executivo da Conmebol. Quem formava e o que faz o Comitê
Depois da renúncia de Ricardo Teixeira, em março de 2012, Marco Polo Del Nero foi o indicado pela CBF para representar o Brasil no Comitê Executivo da Conmebol, instância que toma todas as decisões importantes na confederação continental – inclusive a de avalizar contratos com agências de marketing esportivo que acabaram no centro do maior escândalo de corrupção na história do futebol, com 42 réus.
Na CBF, Del Nero era vice de José Maria Marin, que entre 2013 e 2015 recebeu valor semelhante da Conmebol – US$ 465 mil (R$ 1,51 milhão). Em dezembro do ano passado Marin foi condenado pela Justiça dos EUA e está preso em Nova York enquanto aguarda sua sentença. Os dois cartolas foram classificados por Alejandro Burzaco, um delator do "Caso Fifa", como "gêmeos siameses".
Del Nero é acusado dos mesmos crimes que Marin e de embolsar US$ 6,5 milhões (R$ 21 milhões) em propina. Ele está no Brasil, país que não extradita seus cidadãos, motivo pelo qual não foi julgado nos EUA. O cartola nega as acusações. Em nota, classificou o esforço do FBI e do Departamento de Justiça dos EUA de "graciosas especulações investigativas".
Segundo pessoas com conhecimento da investigação interna na Conmebol, além dos US$ 460 mil pagos diretamente a Del Nero, a confederação gastou mais US$ 120 mil em reembolsos de despesas de viagem do cartola. Os pagamentos eram aprovados pelo mesmo Comitê Executivo do qual Del Nero fazia parte. Procurada, a Conmebol limitou-se a confirmar que Del Nero integrava seu Comitê Executivo.
Essa auditoria feita pela EY embasou uma denúncia da atual direção da Conmebol contra os ex-presidentes Nicolas Leoz, Juan Angel Napout e Eugenio Figueredo. Eles são acusados de desviar US$ 129 milhões, dinheiro que a entidade tenta recuperar na Justiça.
Desde 15 de dezembro de 2017 Del Nero está suspenso pela Fifa de todas as atividades relacionadas a futebol. A punição vai até o dia 15 de março, mas pode ser prorrogada até 30 de abril. Dentro desse prazo, a Fifa deve anunciar a conclusão de uma investigação interna sobre o dirigente, iniciada em dezembro de 2015. Enquanto isso, a confederação é presidida interinamente por Antonio Carlos Nunes, o Coronel Nunes.
Contrato "suspeito" aprovado em reunião
No dia 29 de maio de 2013, numa reunião ocorrida nas Ilhas Maurício (na qual Del Nero estava presente), o Comitê Executivo da Conmebol decidiu aceitar uma proposta feita pela empresa Datisa pelos direitos de transmissão de quatro edições da Copa América. Diz a ata da reunião, assinada por Del Nero:
– Conforme é de conhecimento de todos os membros deste Comitê e de todas as associações nacionais, a Conmebol recebeu uma substanciosa oferta pela compra da Copa América edições 2015, 2019, 2023 e Copa América Centenário 2016 [...] O presidente deseja registrar que a oferta [...] foi aceita e assinada pela Conmebol e pelos presidentes das associações nacionais que a integram.
A autora da tal proposta era a Datisa, descrita pela Conmebol como "uma empresa integrada por sócios de longa e prestigiosa trajetória neste âmbito". Os sócios da Datisa eram Traffic, Full Play e Torneos, três agências de marketing esportivo cujos dirigentes confessaram à Justiça dos EUA que obtinham seus contratos mediante o pagamento de propina a dirigentes. A Datisa foi tema de outros encontros na Conmebol, antes e depois deste de 29 de maio de 2013.
Segundo os documentos obtidos pelo GloboEsporte.com, Marco Polo Del Nero participou de sua primeira reunião como diretor do Comitê Executivo da Conmebol no dia 23 de maio de 2012. A última foi em 31 de julho de 2013, quando se definiu sua substituição por José Maria Marin – que até então participava como representante da CBF, e não como membro efetivo do Comitê.
Depois disso, Del Nero continuou a participar dessas reuniões, na condição de representante da Conmebol no Comitê Executivo da Fifa – e continuou a ser remunerado pela Conmebol. O arranjo durou até 27 de maio de 2015, quando Marin foi preso em Zurique e Del Nero voltou ao Brasil, de onde nunca mais saiu.
Depois da explosão do "Caso Fifa", até o nome "Comitê Executivo" foi substituído – agora se chama "Conselho da Conmebol". Hoje o representante do Brasil é Reinaldo Carneiro Bastos, presidente da Federação Paulista de Futebol e diretor da CBF.